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O Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Encontros e Confrontos – Alguns apontamentos (20) - Hermisten Maia

O Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Encontros e Confrontos – Alguns apontamentos (20)

5.1.1. A nulidade e loucura da sabedoria humana nas questões espirituais

Vemos então, as limitações próprias de nosso intelecto. Paulo suplica pela sabedoria de Deus porque, nós, por nossa própria sabedoria jamais poderemos compreender salvadoramente o que Deus nos tem revelado. E mais: se pudéssemos por nós mesmos fazê-lo, não haveria graça, mas, mérito humano.[1] Assim, não haveria porque louvar o Deus da graça que a derramou abundantemente sobre nós (Ef 1.5-8). A grandeza estaria no homem e em sua capacidade de bem conduzir a sua razão.

Porém, como sabemos, a razão humana, por si só, não assistida pela graça, não pode chegar às verdades espirituais.[2] O fato, portanto, é que o Evangelho permaneceria oculto a todos nós se Deus não o manifestasse e não nos concedesse o Espírito de sabedoria para entendê-lo.[3]

É por isso que a pregação de Paulo a judeus e gentios não poderia ser outra do que “a Cristo, poder de Deus e sabedoria (sofi/a) de Deus” (1Co 1.24). (Do mesmo modo: 1Co 1.30).

A sabedoria do homem sem Deus, em seus devaneios autônomos, o tornou louco, afetando todos os domínios do seu coração, pretendendo passar por sábio autônomo,[4] rejeitou a Deus e a Sua revelação, tornando-se enlouquecidamente escravo de toda sorte de paixões idólatras. Paulo escreve sobre isso aos Romanos:

18 A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça; 19 porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. 20 Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; 21 porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. 22 Inculcando-se por sábios (sofo/j), tornaram-se loucos (mwrai/nw) 23 e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis (Rm 1.18-23).

A idolatria torna os homens cativos de uma forma viciada de pensar. O produto de nossos raciocínios torna-se nulo em sua própria elaboração. As evidências da revelação são sempre ocultadas em seus corações dominados por uma forma rotineira de pensar e determinantemente horizontal, tendo como fim os seus interesses (Rm 1.19-21).

Schaeffer (1912-1984) comenta:

Quando a Escritura fala do homem sendo deste jeito tolo, não significa que ele é apenas religiosamente tolo. Antes, significa que ele aceitou uma posição que é intelectualmente tola, não somente com respeito ao que a Bíblia diz, mas também em relação àquilo que existe – o universo e sua forma, e a humanidade do homem. Ao se afastar de Deus e da verdade que ele deu, o homem ficou tolamente tolo em relação ao que o homem é e ao que o universo é. Ele é deixado em uma posição com a qual ele não consegue viver, e ele é pego numa multidão de tensões intelectuais e pessoais.[5]

Ao que parece a idolatria, já como resultado da obscuridade espiritual, elimina boa parte de nossa sensibilidade espiritual, brutalizando-nos, amortecendo certas faculdades nossas. Por isso, é que a idolatria nunca vem sozinha, ela sempre está acompanhada de outras práticas irracionais e pecaminosas.

O salmista comparando a grandeza de Deus com os ídolos feitos pelos homens, arremata: “Como eles se tornam os que os fazem, e todos os que neles confiam” (Sl 135.18). Os homens que se projetam em seus ídolos não têm alternativa possível, senão tornarem-se semelhantes à sua imagem que adoram, afinal, seus ídolos, nada lhes propõem, que já não seja da natureza de seus criadores.

Este conceito encontramos também em Oséias, quando relembrando o pecado do povo de Israel no deserto, diz: “Mas eles foram para Baal-Peor, e se consagraram à vergonhosa idolatria, e se tornaram abomináveis como aquilo que amaram” (Os 9.10). A idolatria apenas forneceu as bases justificadoras da prática que desejavam.

Como a idolatria é a construção de um deus que se harmonize com seus desejos, nada mais natural de que esta construção humana termine por se tornar no seu modelo de vida e comportamento. Há aqui um círculo vicioso: Crio meus deuses com características semelhantes às minhas a fim de que ele se torne um modelo para que eu continue sendo o que sou, reforçando assim a minha prática.

Vemos aqui a pertinência da crítica de Xenófanes e Heráclito, já estudada, ao hábito de forjar seus deuses conforme os seus próprios vícios. 

A idolatria traz um desequilíbrio no cerne do pensamento humano, se manifestando em todas outras áreas de sua vida, ainda que nem sempre de modo imediatamente perceptível: a idolatria tende a ser desagregadora do caráter ainda que possa se esconder sob a capa da compreensão tolerante. A idolatria é uma doença espiritual resultante da carência de Deus e da procura equivocada do sagrado.  

É por isso que a sabedoria deste mundo é nula no que diz respeito ao conhecimento das coisas espirituais. Estamos totalmente cegos. A nossa percepção não alcança nada além do mundo e de seus valores terrenos.[6] “Os homens são estúpidos e jamais entendem coisa alguma pertencente à sua salvação sem que Deus opere neles”.[7]

Aos arrogantes coríntios, que com uma suposta sabedoria inexistente queriam limitar Cristo aos seus modestos e frágeis cânones intelectuais, o apóstolo indaga:

20Onde está o sábio (sofo/j)? Onde, o escriba? Onde, o inquiridor deste século? Porventura, não tornou Deus louca (mwrai/nw) a sabedoria (sofi/a) do mundo? 21Visto como, na sabedoria (sofi/a) de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria (sofi/a), aprouve (eu)doke/w)[8] a Deus salvar os que creem pela loucura (mwri/a) da pregação (1Co 1.20-21).

A ideia da palavra traduzida por “loucura’, é de algo “imbecil”, “tolo”, “insensato”. Na literatura clássica está relacionada à falta de conhecimento e discernimento. Dentro do aspecto da insensatez, esta figura é aplicada ao sal que, se se tornar “insípido” (mwrai/nw) (Mt 5.13; Lc 14.34-35) para nada mais serve. No emprego feito por Paulo, a loucura da mensagem da cruz de Cristo está justamente pela sua falta de sentido intelectual para aqueles que querem avaliar o seu conteúdo dentro de seus pressupostos viciados. Em síntese, o Evangelho soa como algo “simplório”. Paulo diz que Deus tornou “louca” (mwrai/nw) a sabedoria deste mundo (1Co 1.20). Por sua vez, os ímpios se considerando sábios, “tornaram-se loucos” (mwrai/nw) (Rm 1.22/Jr 10.14 (“estúpido” [mwrai/nw]), em sua idolatria, recebendo o justo castigo de Deus (Rm 1.23-27).

Deste modo, a sabedoria de Deus será sempre loucura (mwri/a) para os sábios deste mundo que querem simplesmente adequar o Evangelho aos seus pressupostos (1Co 1.18,23; 2.14). Dentro desta perspectiva, Deus escolheu então as “cousas loucas (mwro/j) do mundo” (1Co 1.27). Em outras palavras, Deus deliberou em sua sabedoria que a sabedoria humana não seria o caminho para conhecê-lo.[9]

Maringá, 20 de novembro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“Se todo homem fosse capaz de crer e ter fé de moto próprio, ou a pudesse obter por algum poder de si mesmo, o louvor disso não teria que ser dado a Deus” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 132).

[2]Veja-se: John MacArthur, Deus: Face a face com sua majestade, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2013, p. 67.

[3] “O Evangelho só pode ser entendido por meio da fé – não pela razão, nem pela perspicácia do entendimento humano, porque de outro modo ele seria algo oculto de nós” (João Calvino, Colossenses: In: Gálatas – Efésios – Filipenses – Colossenses, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2010, (Cl 2.1-5), p. 531).

[4]“A forma extrema da idolatria é o humanismo, que vê o homem como a medida de todas as coisas” (R.C. Sproul, O que é a teologia reformada: seus fundamentos e pontos principais de sua soteriologia, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 33).

[5]Francis A. Schaeffer, Morte na Cidade,São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 12.

[6] Veja-se: João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 153ss.

[7]João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 154.

[8]Tanto o verbo (eu)doke/w) quanto o substantivo (eu)doki/a) enfatizam aquilo ou aquele que é prazeroso, considerando a essência da coisa ou o que se tem em vista. Assim, vemos que Deus Se compraz em Jesus Cristo, o Filho amado (Mt 3.17; 12.18; 17.5; 2Pe 1.17), em quem reside, conforme a vontade de Deus, toda a plenitude da divindade (Cl 1.19/2.9). Deus tem prazer em revelar a Sua vontade aos “pequeninos” (Mt 11.25-26; Lc 10.21), concedendo o Seu Reino (Lc 12.32). Ele nos predestinou para adoção conforme o seu “beneplácito” (eu)doki/a)(Ef 1.5,9), assim como vocaciona os Seus servos conforme Sua vontade (Gl 1.15-16). Deus tem prazer em salvar o Seu povo por meio da pregação da Palavra (1Co 1.21). Deus opera em nós conforme a Sua liberdade soberana e prazerosa (Fp 2.13). No entanto, estas palavras não são utilizadas somente para Deus, elas também descrevem atitudes e aspirações humanas, como o desejo de Paulo pela salvação dos judeus (Rm 10.1); a sua oração em favor dos tessalonicenses (2Ts 1.11); a voluntariedade prazerosa da Igreja em socorrer os irmãos necessitados (Rm 15.26-27); o desejo de deixar o corpo para estar com Cristo (2Co 5.8); a abnegação de Paulo em prol dos tessalonicenses, compartilhando a sua própria vida (1Ts 2.8 “estávamos prontos” (eu)doke/w)/1Ts 3.1-5: Verso 1: “pareceu-nos bem (eu)doke/w) ficar sozinhos em Atenas”); sofrer pelo testemunho de Cristo, a quem amava (2Co 12.10). O Evangelho deve ser pregado: “de boa vontade” (eu)doki/a)(Fp 1.15).

[9] Veja-se: John Piper, Pense – A Vida da Mente e o Amor de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 205.

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