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O PENSAMENTO GREGO E A IGREJA CRISTÃ: ENCONTROS E CONFRONTOS – ALGUNS APONTAMENTOS (2) - Hermisten Maia

O PENSAMENTO GREGO E A IGREJA CRISTÃ: ENCONTROS E CONFRONTOS – ALGUNS APONTAMENTOS (2)

2. A antiga crítica grega à religiosidade predominante

Vós sois assim, gregos, elegantes no falar mas loucos no pensar, pois chegastes a preferir a soberania de muitos deuses em vez da monarquia de um só Deus, como se acreditásseis estar seguindo demônios poderosos. – Taciano (c. 120-c.180 AD).[1]

É, portanto, relativamente sem importância se uma pessoa crê ou não na existência de Deus. Existência é um pseudoconceito. A questão importante é ‘Quem é Deus?’. A esta pergunta o Cristianismo oferece uma resposta trinitariana. – Gordon H. Clark (1902-1985).[2]

Na Grécia antiga, ateísmo,[3] na realidade, “impiedade” (a)se/beia) para com os deuses[4] era a acusação comum feita àqueles que fizessem crítica à religião predominante, sendo descuidados para com as suas obrigações rituais. Este comportamento era considerado antissocial.[5] Se a pessoa fosse pública ou influente, essa acusação poderia servir como forma de vingança ou, para desacreditá-la diante da opinião pública. O caso mais conhecido é o do filósofo Sócrates (469-399 a.C.), que entre outras acusações, teve a de “não crer nos deuses em que o povo crê e sim em outras divindades novas”.[6]

Mas, na realidade – apesar de listas antigas de “ateus” gregos,[7] cuja crença é denominada por Platão (427-347 a.C.) de “doença”[8] – tem sido extremamente difícil provar além de qualquer contestação, que algum pensador grego tivesse sido ateu “puro”. No entanto, o que acontecia era coisa diferente: apesar do paganismo grego da Antiguidade ser cheio de lendas e superstições, de quando em quando alguns pensadores se levantavam contra as crenças e costumes populares, declarando algo de relevo. Muitas das críticas estavam relacionadas – ainda que não solitariamente –, à fragilidade moral dos deuses tão candidamente descrita nas obras de cunho histórico-religioso e que dominava a mente dos povos.[9]

Encontramos, por exemplo, a percepção de que os homens tendiam a fazer seus deuses à sua imagem e semelhança. Aliás, esta é uma característica do ser humano, projetando o seu mundo a partir de si mesmo,[10] dando uma espécie de “troco” a Deus.

Calvino (1509-1564), diz que o homem pretende usurpar o lugar de Deus: “Cada um faz de si mesmo um deus e virtualmente se adora, quando atribui a seu próprio poder o que Deus declara pertencer-lhe exclusivamente”.[11] No entanto, a compreensão de Calvino (1509-1564) a respeito do homem crente, permanece: “o coração fiel não inventa um deus a seu gosto, mas põe a sua atenção no único Deus verdadeiro, e não Lhe atribui o que lhe parece bom, mas se alegra com o que de Deus lhe é revelado”.[12] E, “O único fundamento de toda a religião é a imutável verdade de Deus”.[13]

São Paulo, 31 de outubro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


[1] Taciano, Discurso contra os Gregos, São Paulo: Paulus, 1995, 14. p. 80.

[2] Gordon H. Clark, Ateísmo: In: Carl Henry, org. Dicionário de Ética Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 63.

[3]No grego clássico existiam os termos a)/qeoj (“sem deus” ou “abandonado pelos deuses”)(Cf. Liddell & Scott; Bauer) (Ef 2.12) e a)qeo/thj (“irreligiosidade”, “incredulidade”, “impiedade”). A palavra ateísmo surgiu apenas no século XVI sendo usada pela primeira vez em francês (athéisme) e posteriormente em inglês (atheism) por Miles de Coverdale (1488-1569). A Bíblia traduzida por ele foi a primeira edição completa das Escrituras impressa em inglês (04/10/1535). Em francês a palavra é empregada para se contrapor a outra palavra, também nova, deísmo, criada pelos socianos que não queriam que seu pensamento fosse confundido com o pensamento ateu (Cf. Deísmo: In: A. Lalande, Vocabulário técnico e crítico da filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 236). É neste sentido que o teólogo calvinista, amigo e correspondente de Calvino, Pierre Viret (1511-1571) usou a expressão em 1564: “Há vários que confessam que acreditam que existe um Deus e uma Divindade, como os Turcos e os Judeus. Ouvi dizer que há nesse bando aqueles que se chamam Deístas, uma palavra totalmente nova que eles querem opor ao Ateísmo” (P. Viret, Instruction Chrétienne. Apud Deísmo: In: A. Lalande, Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, p. 236). Em português a palavra é também datada do século XVI (Vejam-se: https://en.wikipedia.org/wiki/Atheism (consultado em 30/10/19); R. Albert Mohler Jr., Ateísmo Remix: um confronto cristão aos novos ateístas, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2009, p. 21-22; Ateísmo: José Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, São Paulo: Loyola, 2000, v. 1, p. 213; Dios: J. Corominas; J.A. Pascual, Diccionario crítico etimológico de la lengua castellana, Madrid: Editorial Gredos, 2007 (6. reimpresión), v. 2, p. 498-500; R. Albert Mohler Jr., O modo como o mundo pensa: um encontro com a mente natural no espelho e no mercado. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 58). Quanto à complexidade do uso do termo, vejam-se: Ateísmo: In: A. Lalande, Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 98-99; Giulio Girardi, Introduccion: In: Giulio Girardi, dir. El Ateísmo Contemporáneo, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1971, v. 1, Tomo I, p. 27-104; Anton Anwander, El problema de los pueblos ateos: In: Giulio Girardi, dir. El Ateísmo Contemporáneo, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1971, v. 1, T. II, p. 563-574.

[4] No grego clássico a palavra não era reservada apenas ao conteúdo religioso, tinha um emprego mais amplo, envolvendo a conduta (conteúdo ético). Platão, por exemplo, a emprega no sentido de “impiedade (…) para com os deuses e para com os pais” (Platão, A República, 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1993), 615c) e, desprezo para com os homens (Platão, A República, 391c). Vejam-se diversos exemplos em: W. Foerster, a(sebh/j, etc: In: G. Friedrich; Gerhard Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8. ed. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, v. 7, p. 185-187. Consulte também: W. Günther, Piedade: In: Colin Brown, ed. ger. O novo dicionário internacional de Teologia do Novo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 544-547. No Novo Testamento a palavra tem o emprego comum de impiedade: * Rm 1.18; 11.26; 2Tm 2.16; Tt 2.12; Jd 15,18.

[5]Quanto à progressiva distinção entre os termos a)qeo/thj e o a)sebe/ia, veja-se: W. Foerster, a(sebh/j, etc: In: G. Friedrich; Gerhard Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament,v. 7, p. 186.

[6] Platão, Defesa de Sócrates,São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 2), 1972, 24b-c. p. 17. (Veja-se: Jean-Yves Lacoste, Ateísmo: In: Jean-Yves Lacoste, dir. Dicionário crítico de Teologia, São Paulo: Paulinas; Loyola, 2004, p. 204-205). Evidentemente, há inúmeros outros casos. Outro bem conhecido é o de Diágoras de Melos (c. 465-410 a.C.) – aliás, em todas as menções feitas ao seu nome, aparece o apelido de “o ateísta” –, discípulo de Demócrito, que foi acusado de impiedade quando ensinava em Atenas (411 a.C.) devido ao seu suposto ateísmo (Veja-se: Cicero, The nature of the Gods,England: Pinguin Books, 1972, I.1. p. 69; III.88-90, p. 232). (Ver: W.K.C. Guthrie, Os sofistas,São Paulo: Paulus, 1995, p. 220-221; Atheism: In: William Fleming, The vocabulary of philosophy, mental, moral, and metaphysical, 2. ed. New York: Sheldon & Company, 1869, p. 54-55).

[7] Cf. W.K.C. Guthrie, Os sofistas, p. 220-221. Vejam-se: Cicero, The nature of the gods,I.1; João Calvino, As Institutas, I.3.3.

[8] Platão usa a expressão: “doença do ateísmo” (Platão, As Leis,p. 357-358, 402). O capítulo X de sua obra é dedicado à defesa da religião combatendo algumas formas de ateísmo. Veja-se um bom resumo deste capítulo em: Ateísmo: N. Abbagnano, Dicionário de filosofia,2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 82-83.

[9] Vejam-se alguns exemplos de insatisfação In: W.K.C. Guthrie, Os Sofistas,p. 212ss.

[10] “O homem em geral, e o homem primitivo em particular, tem tendência para imaginar o mundo exterior à sua imagem” (Bronislaw Malinowski, Magia, ciência e religião,Lisboa: Edições Setenta, (s.d.), p. 20).

[11]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 2002, v. 3, (Sl 100.1-3), p. 549.

[12]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 1, (I.1), p. 61.

[13]João Calvino, As pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.2), p. 303.

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