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O Palhaço e o Profeta: Uma indefinição vocacional e as suas graves consequências - Hermisten Maia

O Palhaço e o Profeta: Uma indefinição vocacional e as suas graves consequências

Costumamos lamentar, hoje em dia, que os ministros não sabem pregar; mas não é igualmente verdadeiro que nossas congregações não sabem ouvir”[1]

J.I. Packer

Certa vez, um circo se instalou próximo de uma cidadezinha dinamarquesa. Este circo pegou fogo. O proprietário do circo vendo o perigo do fogo se alastrar e atingir a cidade, mandou o palhaço, que já estava vestido a caráter, pedir ajuda naquela cidade a fim de apagar o fogo, falando do perigo iminente. Mas, inútil foi todo o esforço do palhaço para convencer os seus ouvintes. Os aldeões riam e aplaudiam o palhaço entendendo ser esta uma brilhante estratégia para fazê-los participar do espetáculo. Quanto mais o palhaço falava, gritava e chorava, insistindo em seu apelo, mais o povo ria e aplaudia. O fogo se propagou pelo campo seco, atingiu a cidade e esta foi destruída.[1]

     De forma semelhante, temos muitas vezes apresentado uma mensagem incompreensível aos nossos ouvintes, talvez porque ela também seja incompreensível a nós.

     As pessoas se acostumaram a nos ouvir brincar e baratear tanto as coisas sagradas, que já não conseguem descobrir o sagrado em nossas brincadeiras. Alguns pregam como se estivessem no picadeiro. A nossa mensagem parece ser feita de palha, como as vestes dos palhaços eram preenchidas originariamente.

     Por outro lado, nossos ouvintes, por não perceberem a diferença entre o propósito de cada função, comentem uma falsidade ideológica-vocacional. Assim, o picadeiro (afeito ao palhaço) e o púlpito (afeito ao profeta), se intercambiam. Esse comportamento mutante, seria até tolerável por parte do palhaço, reforçado por um aplauso, por vezes, literal, quase litúrgico.

     Deste modo, a profecia (pregação) torna-se motivo de simples gostar ou não gostar e o circo perde um de seus prováveis talentosos componentes. Assim, sem nos darmos conta, estamos compactuando com a indiferença de nossos ouvintes, que, de certa forma, estão “cansados” da palavra “Evangelho”, sem que na realidade, nunca tenham sido ensinados a respeito do Evangelho de Cristo.

     Nesse caso, a avaliação da mensagem pregada fica restrita ao gostar ou não do ouvinte. Se gostei foi boa, se não, é ruim. Criamos uma categoria arbitrária e solitária do que de fato ou pretensamente fato é verdadeiro ou não a partir do gosto, como se este também não fosse afetado pelas consequências do pecado. Na realidade, o gostar ou não deve estar subordinado ao exame das Escrituras (At 17.11). Procedendo como os bereanos, examinando as Escrituras, descobriremos, para surpresa nossa, o quão o nosso gosto pode ser pecaminoso e inconsequente em muitas situações.

     O Evangelho é uma mensagem acerca de Deus – da sua Glória e de Seus atos salvadores -; acerca do homem – do seu pecado e miséria -; acerca da salvação e da condenação condicionada à submissão ou não a Cristo como Senhor de sua vida. Essa mensagem que envolve uma decisão na história, ultrapassa a história, visto ter valor eterno. Portanto, não podemos brincar com ela, não podemos fazer testes: estamos falando de vida e morte eternas (Jo 3.16-18).[2]

      Albert Martin apresenta uma crítica pertinente:

O esforço desnatural de certos pregadores para serem “contadores de piadas”, entre a nossa gente, constitui uma tendência que precisa acabar. A transição de um palhaço para um profeta, é uma metamorfose extremamente difícil.[3]

     O mundo por sua vez, deseja ansiosamente ouvir, porém, não a Palavra de Deus (1Jo 4.5). Como há falsos pregadores e falsos mestres, é necessário provar o que está sendo proclamado para ver se o seu conteúdo se coaduna com a Palavra de Deus (At 17.11,12/1Jo 4.1-6).

     No entanto, neste período de grandes e graves transformações, torna-se evidente que os homens, de forma cada vez mais veemente, querem ouvir mais o reflexo de seus desejos e pensamentos, a homologação de suas práticas. Assim sendo, a palavra que deveria ser profética, tende com demasiada frequência – mesmo assinando o seu obituário – a se tornar apenas algo apetecível ao público alvo, aos seus valores e devaneios, ou, então, nós pregadores, somos tentados a usar de nossa eloquência para compartilhar generalidades da semana, sempre, é claro, com uma alusão bíblica aqui ou ali, para justificar a nossa pregação. O fato é que uma geração incrédula, é sempre acintosamente crítica para com a palavra profética.

     Parece-me correto o comentário de Vincent (1834-1922) quando declara que: “A demanda gera o suprimento. Os ouvintes convidam e moldam os seus próprios pregadores. Se as pessoas desejam um bezerro para adorar, o ministro que fabrica bezerros logo é encontrado”.[4]

     Portanto, é preciso atenção redobrada para não cairmos nesta armadilha já que não é difícil confundir os efeitos de uma mensagem pelo conteúdo do que anunciamos: A proclamação cristã deve ser avaliada primeiramente pelo seu conteúdo, não simplesmente pelo seu aparente resultado. O que Deus exige de nós é fidelidade. Os resultados estão nas mãos de Deus porque, de fato, pertencem a Deus.  

     Iain Murray está correto ao afirmar:

O crescimento espiritual na graça de Cristo vem em primeiro lugar. Onde esse crescimento é menosprezado em troca da busca de resultados, pode haver sucesso, mas será de pouca duração e, no final, diminuirá a eficácia genuína da Igreja. A dependência de número de membros ou a preocupação com números frequentemente tem se confirmado como uma armadilha para a igreja.[5]  

     Evangelizar é declarar o poder de Deus, que transforma os homens, unindo-os a si, preservando-os até o fim.

     Imaginem um jovem entre centenas de outros, ansiosamente procurando seu nome nas listas afixadas nas paredes na universidade a fim de saber se foi aprovado ou não no vestibular. De repente surge um amigo com um sorriso largo e com os braços abertos, dizendo: “parabéns, você foi aprovado”. O jovem dá-lhe um abraço apertado, pula, grita, ri, chora, comemora… Depois de alguns minutos de euforia, aquele “amigo” diz: “É brincadeira; seu nome não consta entre os aprovados”. Se você fosse aquele vestibulando, como reagiria? Pense nisto: Se você corretamente não admite brincadeiras com coisas sérias, o Evangelho, que envolve vida e morte eternas seria passível de brincadeiras, de gracejos? A pregação é assunto para profetas, não para palhaços. As vocações são diferentes. Pensemos nisso.

     Maringá, 10 de outubro de 2019

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Esta parábola é contada por Kierkegaard (1813-1855) e aplicada nas obras de Harvey Cox, (A Cidade do Homem, 2. ed.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971, p. 270) e J. Ratzinger (Introdução ao Cristianismo, São Paulo: Herder, 1970, p. 7-8). Todavia a aplicação que ambos fazem é distinta uma da outra. A que faço é diferente da de ambos.

[2]“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus” (Jo 3.16-18).

[3] Albert N. Martin, O Que há de errado com a pregação de hoje? São Paulo: Fiel, (s.d.), p. 23. Mais recentemente escreveu Lawson: “Esse tipo de pregação nominal satisfaz aos ouvintes por substituir a exposição bíblica por entretenimento. Substitui a teologia por teatro. Oferece avaliações saudáveis no lugar da sã doutrina. Nesta mudança infeliz, o drama da redenção dá lugar a simples apresentações teatrais. Essa pregação desprezível tem transformado muitos púlpitos em um palco de fim de semana para atores que se mascaram de pregadores” (Steven J.  Lawson, O tipo de pregação que Deus abençoa,  São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 37).

[4] Marvin R. Vincent, Word Studies in the New Testament,  Peabody, Massachusetts: Hendrickson  Publishers, (s.d),v. 4, (2Tm 4.3), p. 321.

[5]Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso: In: Fé para Hoje,São José dos Campos, SP.: Fiel, nº 6, 2000, p. 27.


[1]J.I. Packer, Entre os gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã,São José dos Campos, SP.: FIEL, 1996, p. 275.

7 thoughts on “O Palhaço e o Profeta: Uma indefinição vocacional e as suas graves consequências

  • 14 de outubro de 2019 em 13:01
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    Dr. Hermisten, realmente o púlpito exige uma seriedade muito grande. O mundo está em chamas. Mas há muitos palhaços pregando e alguns poucos profetas.

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  • 14 de outubro de 2019 em 13:18
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    Foi profundo Reverendo. Tem sido uma bênção mim os seus artigos

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  • 14 de outubro de 2019 em 13:40
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    Excelente reflexão, pastor! Obrigado!

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  • 14 de outubro de 2019 em 23:23
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    Querido Hermstein
    Você foi extremamente feliz nesta mensagem; feliz é pouco para definir o que você escreveu: profundo e certamente inspirado pelo Espírito Santo !!!!

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  • 15 de outubro de 2019 em 14:37
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    Boa reflexão meu caro! Entendo que nós estamos vivendo na era de Salomão. Era “salomonica”, foi uma era perigosa. Uma era da administração estatal, dos grandes projetos do estado,um tempo da admiração e busca do prazer sexual…. Etc.

    Dizem os nossos cronistas sagrados que Salomão possuía 1000 mil mulheres, e mais. E em seu tempo foi a era que mais desagradou a Deus. Foi dada tanta ênfase ao luxo e a beleza das formas que o povo se esqueceu de Deus.

    Salomão mandou matar todos os profetas, e os seus contrários. Ao começar em sua posse, ele inicia matando o sacerdote Abias, Joabe, e seu irmão Adonias etc. Que começaram a revolta.

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  • 15 de outubro de 2019 em 15:02
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    Em nossos dias temos a busca do prazer sexual exagerado. Tudo isso comandado pelos gays, lésbicas, bissexuais, transsexual etc.

    Um tempo perigoso,a igreja foi afetada por meio desse movimento Universal. E os bons profetas estão sendo expulsos das nossas igrejas, e todos os seus contrários.

    E o que sobrou…? Temos uma elite de pastores fariseus que dominam e dirigem as nossas igrejas. E eles só pensam no lucro, nos dízimos, nas ofertas, no luxo, na beleza da forma etc.

    A igreja moderna virou um palco de pastores artistas da oratória,cantores e palhaços da pregação, um desfile de artistas das vaidades humanas.

    A igreja de televisão, uma igreja cara, uma igreja virtual, fraca da graça de Deus. E afundando-se na depravação do pecado, e todos indo para o inferno. E também todos indo na rejeição do verdadeiro evangelho de Cristo.

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  • 16 de outubro de 2019 em 06:41
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    Muito bem colocado a triste realidade que atualmente vivemos.

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