O Livro de Ester: Soberania, Providência e Circunstância
Introdução
Uma das grandes dificuldades dos homens em todos os tempos é reconhecer a Deus como Deus; recebê-lo tal qual Ele se revela, não cedendo à tentação de construí-lo dentro de nossos pressupostos culturais ou mesmo do nosso gosto pessoal.
No Livro de Ester, encontramos elementos importantes para nosso estudo, evidenciando o poder de Deus e seu controle sobre a história e circunstâncias.
1. Circunstâncias do Livro
O Livro de Ester, cujo nome hebraico é Hadassa, que significa murta, deve ter sido escrito por volta do 5º século antes de Cristo, sendo redigido por um judeu que foi testemunha ocular dos fatos narrados, nascido na Pérsia vivendo na cidade de Susã (atual cidade de Shush, no Irã), uma das três capitais persas. O livro retrata uma história contemporânea, evidenciando intenso nacionalismo judaico.
O rei Assuero, personagem do Livro, é também conhecido como Xerxes (486-465 a.C.), sendo também mencionado em Ed 4.6. É provável que os judeus descritos no Livro sejam aqueles que não quiseram retornar à Palestina no ano 536 a.C. desobedecendo à ordem divina. Os fatos narrados no livro de Ester devem ser colocados entre os livros de Esdras e Neemias.
2. A Começar em mim
Uma das questões difíceis da vida humana que perpassa o coração de todo crente fiel é: como identificar a vontade de Deus? Como relacionar as circunstâncias à resposta de Deus e às nossas orações? Neste Livro temos uma descrição que nos instrui de modo sensível a procurar compreender como o Deus da história é também o Senhor das circunstâncias.
Diante da trama de Hamã para destruir todos os judeus que viviam no império Persa (da Índia à Etiópia) (Et 3.7-13), Mordecai, um judeu nacionalista e piedoso da tribo de Benjamin cuja família foi transportada para a Babilônia, que adotara sua prima Ester (Et 2.5-7), entende que a condição de Ester como rainha não era meramente casual. Ali, conforme enxergara, estava a oportunidade de ela ser o instrumento de Deus para a preservação de seu povo (Et 4.14). Mordecai estava certo.
3. Trabalho, oração e risco
Às palavras de Mordecai, Ester respondeu:
16 Vai, ajunta a todos os judeus que se acharem em Susã, e jejuai por mim, e não comais, nem bebais por três dias, nem de noite nem de dia; eu e as minhas servas também jejuaremos. Depois, irei ter com o rei, ainda que é contra a lei; se perecer, pereci. 17 Então, se foi Mordecai e tudo fez segundo Ester lhe havia ordenado. (Et 4.16-17).
A. Oração e Jejum
A situação era gravíssima. Nem sempre temos o discernimento claro da gravidade da situação ou, se temos, podemos nos considerar acima disso, conforme Mordecai provocativamente manda dizer a Ester (Et 4.13). Mordecai entende que se Ester se acomodasse ou se amedrontasse, Deus usaria de outro meio para livrar o seu povo, contudo, o que se configurava diante dele como o meio ordinário era a intervenção de Ester (Et 4.14).
Ester pede oração e ela mesma se dispõe a isso. No jejum há um quebrantamento de nosso coração nos conduzindo à oração humilde, rogando a Deus a sua misericórdia, perdão e discernimento. O jejum quebranta os nossos corações pois deixamos de cuidar durante algum tempo de algo fundamental para a nossa existência a fim de nos focalizarmos em algo mais importante. O jejum revela o nosso senso de prioridades e a concentração de nossas atenções na resposta de Deus.
B. Os Riscos próprios da obediência
Ester orou, pediu oração e agiu dentro do que lhe parecia possível naquelas circunstâncias, ainda que isso fosse arriscado. Ela sabia que o seu silêncio poderia gerar uma chacina e, também, sabia que desobedecer ao rei poderia ser algo fatal, ainda mais no caso dela sendo uma judia. A história recente revelara isso no que se refere à rainha Vasti (Et 1.10ss). No entanto, se ela orara sinceramente, os seus atos deveriam ser condizentes com isso.
Toda a nossa oração deve ser comprometida com aquilo que pedimos. Ou seja: a oração não é para desencargo de consciência, antes, é a nossa confissão de limitação e de confiança em Deus que age por nosso intermédio ou por outros meios. Ester disse: “Depois, irei ter com o rei, ainda que é contra a lei; se perecer, pereci” (Et 4.16). Ela se dispôs a correr os riscos próprios por ser fiel aos seus valores.
C. Hora de agir: Ester diante do Rei
Ester procura o rei. Este era um momento de tensão. Ela se apresenta diante dele sem ser convidada. A morte por tal ato poderia ser decretada (Et 4.10-11). Ela então convida o rei para um banquete que prepararia. Pede ao soberano que leve consigo a Hamã.
Vemos aqui a sabedoria de Ester e o controle de suas emoções. Ela está diante do rei que agia por impulsos e diante do possivelmente segundo homem mais poderoso da Pérsia e, que odiava o seu povo, já tendo data marcada para exterminar a todos. A rainha era judia. No entanto, ali está Ester, sendo dirigida por Deus, com discernimento próprio, agindo com aparente frieza, não deixando transparecer seus sentimentos. Neste banquete Ester renova o convite para outro banquete no dia seguinte para os dois ilustres convidados.
Hamã passa a contar vantagens para a sua família e trama a morte de Mordecai que não se inclinou perante ele (Et 5.7-14).
Que pedido Ester fez? O rei a atendeu? Ester pereceu? E Mordecai, odiado por Hamã, o que lhe aguardava? Hamã ficou ainda mais forte? Veremos isto no próximo artigo.
Algumas Aplicações
- A soberania de Deus se manifesta ordinariamente por intermédio de meios. Em nossas orações devemos nos indagar sinceramente a respeito de nosso papel no cumprimento da promessa de Deus.
- O Livro de Ester mesmo sem mencionar o nome de Deus O revela em seus atos soberanos por meio de fatos aparentemente casuais. Nada escapa ao seu controle.
- A intercessão deve ser uma prática comum na vida cristã. (Rm 15.20). A oração intercessória aproxima os irmãos e é altamente agradável diante de Deus.
- A nossa vocação é múltipla dentro das esferas as quais Deus nos chama a atuar. Certamente Ester nunca se vira no papel que veio a desempenhar; poderia se contentar em ser mais um lindo rosto. No entanto, ela não pôde fugir à sua vocação que gradativamente foi se configurando diante de si.
- A fé não elimina a nossa responsabilidade de pensar. Pensar não exclui a nossa fé. Ambas as atitudes devem caracterizar a vida do cristão a fim de que a nossa fé seja compreensível e a nossa razão seja guiada pela fé. Ester acreditava no Deus soberano; orou, jejuou e se valeu de sua inteligência. Mesmo que isso aos olhos humanos fracasse, não invalida o princípio de que a nossa fé e a nossa inteligência devem caminhar de mãos dadas em submissão a Deus.
São Paulo, 08 de março de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
Rev. Hermisten,
Sou grato pelos livros e artigos escritos por você para a Glória de Deus.