O Choro Bem-Aventurado: Uma emoção Contracultural (Mt 5.4) (9)
4. Serão Consolados
“Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados (parakale/w)” (Mt 5.4).
O texto é enfático. O pronome au)toi é intensivo, enfatizando a identidade dos que serão consolados A ideia, portanto, é de que somente estes os que choram serão consolados.[1]
O verbo consolar (parakale/w) tem o sentido de: implorar (Mt 8.5; 18.29), suplicar (Mt 18.32); rogar (Rm 12.1; Ef 4.1); exortar (Lc 3.18; At 2.40; 11.23); conciliar (Lc 15.28); consolar (Mt 5.4; Lc 16.25; 15.32; 1Ts 5.11; 2Ts 2.17); confortar (At 16.40; 2Co 1.4; 7.6); contemplar (2Co 1.4); convidar (At 8.31); pedir (At 9.38; 1Co 4.13; 16.15); pedir desculpas (At 16.39); fortalecer (At 20.2,12); solicitar (At 25.2; Fm 9,10); chamar (At 28.20); admoestar (1Co 4.16; Hb 10.25); recomendar (1Co 16.12; 2Co 8.6; 9.5; 1Tm 6.2).
No texto de João 14.16, Jesus Cristo conforta os seus discípulos, prometendo-lhes “outro Consolador”, referindo-se a uma pessoa numericamente distinta que viria substituir outra – um Consolador semelhante a ele.[2] (Vejam-se também: Jo 14.26; 15.26; 16.7). Portanto, o Consolador é Jesus Cristo. O Espírito é outro, semelhante a Jesus Cristo, que veio substituí-lo neste propósito.
O Consolador é aquele que conforta, exorta, guia, instrui e defende. É um amigo que assiste seus amigos.[3] “Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14.26). Agora eles tinham a Jesus fisicamente ao seu lado. Quando viesse o Espírito, eles teriam dois consoladores (advogados): Jesus Cristo no céu e o seu Espírito neles (Jo 14.16-17).[4]
Nós hoje continuamos desfrutando deste mesmo conforto, fortalecimento e ânimo, a saber: do Espírito em nós e de Cristo no céu por nós (1Jo 2.1/Rm 8.34; Hb 7.25). Ferguson comenta: “Tão plena é a união entre Jesus Cristo e o Parácleto, que a vinda deste é a vinda do próprio Jesus Cristo no Espírito”.[5]
O Espírito nos consola, fortalece e ajuda em todas as nossas dificuldades, nos estimulando à ação. Ele age em nós como Jesus agiu com os seus discípulos e ainda age por nós (Jo 14.26; 15.26/14.16; 1Jo 2.1).[6]
Ele nos consola de várias maneiras. Creio que ele o faz de modo efetivo, testificando continuamente[7] em nós, que somos filhos de Deus (Rm 8.16).[8] É pelo testemunho do Espírito que a graça de Deus é-nos conscientizada. “Nossa mente, por iniciativa própria, jamais nos comunicaria tal segurança se o testemunho do Espírito não a precedesse”.[9]
Mas, além de nos consolar, ele nos desafia à luta, ao testemunho fiel de nossa fé. Lucas registra que a igreja, “edificando-se e caminhando no temor do Senhor e, no conforto (para/klhsij) do Espírito Santo, crescia em número” (At 9.31). O estímulo do Espírito é por si só desafiante e consolador. Paulo nos diz que “… tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação (para/klhsij) das Escrituras, tenhamos esperança. Ora, o Deus da paciência e da consolação (para/klhsij) vos conceda o mesmo sentir de uns para com os outros, segundo Cristo Jesus” (Rm 15.4-5).
Lembremo-nos de que foi o Espírito quem fez registrar as Escrituras (2Tm 3.16; 2Pe 20-21). Ele, como Deus que é, na inspiração das Escrituras, providenciava o nosso conforto, consolo e estímulo. Uma das formas eficazes que o Espírito utiliza para nos consolar é por meio da leitura e meditação na Palavra de Deus. As Escrituras foram escritas para o nosso consolo.
William Barclay (1907-1978), recorrendo à literatura grega, faz uma analogia muito oportuna que nos mostra outra vertente da questão:
Repetidas vezes achamos que parakalein é a palavra do sinal de reagrupamento; é a palavra usada dos discursos dos líderes e dos soldados que se animam mutuamente a avançarem. É a palavra usada a respeito de palavras que fazem com que soldados e marinheiros medrosos, temerosos e hesitantes entrem na batalha com coragem. Um paraklêtos é, portanto, um encorajador, uma pessoa que injeta coragem nos acovardados, que anima o braço fraco para a luta, que leva um homem muito comum a lidar heroicamente com uma situação perigosa e arriscada.
Aqui, pois, temos a grande obra do Espírito Santo. Expressando-a em linguagem atual, o Espírito Santo capacita os homens a lidarem com a vida. O Espírito Santo é, na realidade, o cumprimento da promessa.[10]
O Espírito nos consola, nos instrui e nos desafia a recorrer à graça de Deus, mostrando-nos que a nossa suficiência está em Cristo, aquele que nos consola e fortalece (Fp 4.13).[11]
Maringá, 01 de fevereiro de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
*Este artigo faz parte de uma série. Confira aqui a série completa.
[1] Cf. R.C.H. Lenski, Commentary on the New Testament: The Interpretation of St. Matthew’s Gospel, [s. cidade]: Hendrickson Publishers, 1998, (Mt 5.4), p. 187; John MacArthur, O Caminho da Felicidade, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 75.
[2] Veja-se: Richard C. Trench, Synonyms of the New Testament, 7. ed. revised and enlarged, London: Macmillan and Co., 1871, § xcv, p. 337.
[3] Vejam-se: William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1974, v. 15, (1Jo 2.1-2), p. 45-48; idem., Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1988 (reimpressão), p. 153-158.
[4]“16 E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco, 17 o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não no vê, nem o conhece; vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós” (Jo 14.16-17).
[5] Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 74.
[6]A palavra grega traduzida no Evangelho de João por “Consolador”, (Para/klhtoj) (Jo 14.16,26; 15.26) – que é usada unicamente por João no NT. –, é a mesma que é traduzida na Epístola de João, por “Advogado” (1Jo 2.1) (ARA, ARC, ACR, BJ). Para um estudo detalhado desta palavra, Vejam-se: W. Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1988 (reimpressão), p. 153-158; Johannes Behm, Para/klhtoj: In: G. Friedrich; Gerhard Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, v. 5, p. 800-814.
[7] Veja-se: A.A. Hoekema, Salvos pela Graça, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 36.
[8] “O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16).
[9] João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1987, (Rm 8.16), p. 279.
[10] W. Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, p. 157.
[11] “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.13).