O Choro Bem-Aventurado: Uma emoção Contracultural (Mt 5.4) (8)
3. Bem-Aventurados os que choram
“Bem-aventurados os que choram (penqe/w), porque serão consolados (parakale/w)” (Mt 5.4).
De todas as palavras gregas empregadas para indicar dor, tristeza e choro, possivelmente esta (penqe/w) (penthéõ) é a mais intensa. O substantivo pe/nqoj (pénthos) indica luto.[1] Descreve a tristeza dos amigos de Jesus diante de sua morte e, por incredulidade, sem esperança de ressurreição: “E, partindo ela, foi anunciá-lo àqueles que, tendo sido companheiros de Jesus, se achavam tristes (penqe/w) e choravam (klai/w)” (Mc 16.10). É a mesma palavra empregada na Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento) para descrever a tristeza de Abraão quando morre sua esposa, Sara: “…veio Abraão lamentar Sara e chorar (penqe/w) por ela” (Gn 23.2).[2]
Do mesmo modo, descreve o sofrimento de Jacó quando pensa que seu filho José havia morrido: “Então, Jacó rasgou as suas vestes, e se cingiu de pano de saco, e lamentou (penqe/w) o filho por muitos dias” (Gn 37.34). A palavra refere-se ao luto pela perda da mãe (Sl 35.14/Os 4.3; Am 1.2; Jl 1.9; Lm 1.4)[3] e o choro de Daniel pela situação de Jerusalém (Dn 10.2).
Como deve estar claro, o choro aludido na bem-aventurança indica intensidade de dor; contudo, não sejamos ingênuos a ponto de pensar que a promessa de Deus se refira ao choro provocado por qualquer grande angústia e aflição. Há angústias intensamente pecaminosas como foi o caso de Amnon que, antes de violentar a sua irmã, angustiava-se por não possuí-la[4] ou como a do rei Acabe que, por não conseguir comprar a vinha do seu vizinho, ficou triste sem querer alimentar-se até que sua esposa, Jezabel, providenciou a morte de Nabote, podendo assim seu marido ficar com a vinha.[5]
Ainda que nem todo o lamento seja apenas por questões pecaminosas, certamente a bem-aventurança não contempla a todo o pesar que se manifeste em lágrimas. Pelo contexto, podemos entender que Jesus nos ensina que é feliz o homem que consegue entender o santo padrão estabelecido por Deus, percebendo a sua pequenez, entristece-se com seus pecados, por sua incapacidade de atingir o exigido pelo Senhor. Portanto, na sua pobreza espiritual, chora de arrependimento pelos seus pecados.
Como vimos na série anterior, o arrependimento é por si só fruto da graça de Deus;[6] é uma tristeza produzida por Deus em nossos corações. Somente a verdadeira convicção do pecado, resultante da contemplação do Deus santo, pode nos conduzir à consciência de nossa pobreza espiritual e ao choro de arrependimento pelos nossos pecados.
Os que assim agem serão consolados pelo próprio Deus. Este consolo trará alegria eterna para o seu povo: “Bem-aventurados vós, os que agora chorais, porque haveis de rir” (Lc 6.21).
Esse princípio é frontalmente oposto ao de uma sociedade que prega como virtude o senso de autossuficiência e poder. Os filósofos estoicos, na Antiguidade, no seu ideal de a)pa/qeia, indiferença a todas as emoções, austeridade e imperturbabilidade, já combatiam a dor (pe/nqoj), entendendo que ela era um sentimento, uma paixão (pa/qoj) que se deveria evitar.[7] Hoje não é diferente. No entanto, nesta bem-aventurança nos deparamos com um homem que, consciente de seus pecados, arrependido diante do Senhor, os confessa com tristeza reconhecendo a sua condição de um ser totalmente incapaz de satisfazer a Deus por seus próprios méritos.
O arrependimento consiste numa mudança de mente, ocasionando um sentimento de tristeza pelos nossos pecados, que se caracteriza de forma concreta no seu abandono. O arrependimento sincero é uma “concessão” de Deus: “Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento (meta/noia = “mudança de mente”) para a salvação” (2Co 7.10/2Tm 2.25). “A bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento (meta/noia)” (Rm 2.4/Hb 12.17). Arrependimento é graça. “O arrependimento é um presente do Cristo que subiu ao céu, no seu glorioso ofício de Mediador”.[8]
O salmista, por seu zelo para com a Lei de Deus, chorava ao ver os homens desprestigiarem o reto caminho do Senhor:
136 Torrentes de água nascem dos meus olhos, porque os homens não guardam a tua lei. 137 Justo és, Senhor, e retos, os teus juízos. 138 Os teus testemunhos, tu os impuseste com retidão e com suma fidelidade. 139 O meu zelo me consome, porque os meus adversários se esquecem da tua palavra. (Sl 119.136-139).
Maringá, 01 de fevereiro de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
*Este artigo faz parte de uma série. Confira aqui a série completa.
[1] “E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto (pe/nqoj), nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (Ap 21.4). Veja-se: Richard C. Trench, Synonyms of The New Testament, 7. ed. (revised and enlarged.), London: Macmillan And Co., 1871, § lxv, p. 224-225.
[2] Na literatura Grega a associação deste termo com a morte e o luto era comum (Veja-se: R. Bultmann, Pe/nqoj: In: G. Friedrich; Gerhard Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8. ed. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, v. 6, p. 40-41).
[3] “Portava-me como se eles fossem meus amigos ou meus irmãos; andava curvado, de luto, como quem chora por sua mãe” (Sl 35.14).
[4]“Tinha Absalão, filho de Davi, uma formosa irmã, cujo nome era Tamar. Amnom, filho de Davi, se enamorou dela. 2 Angustiou-se Amnom por Tamar, sua irmã, a ponto de adoecer, pois, sendo ela virgem, parecia-lhe impossível fazer-lhe coisa alguma” (2Sm 13.1-2).
[5]“Sucedeu, depois disto, o seguinte: Nabote, o jezreelita, possuía uma vinha ao lado do palácio que Acabe, rei de Samaria, tinha em Jezreel. 2 Disse Acabe a Nabote: Dá-me a tua vinha, para que me sirva de horta, pois está perto, ao lado da minha casa. Dar-te-ei por ela outra, melhor; ou, se for do teu agrado, dar-te-ei em dinheiro o que ela vale. 3 Porém Nabote disse a Acabe: Guarde-me o Senhor de que eu dê a herança de meus pais. 4 Então, Acabe veio desgostoso e indignado para sua casa, por causa da palavra que Nabote, o jezreelita, lhe falara, quando disse: Não te darei a herança de meus pais. E deitou-se na sua cama, voltou o rosto e não comeu pão. 5 Porém, vindo Jezabel, sua mulher, ter com ele, lhe disse: Que é isso que tens assim desgostoso o teu espírito e não comes pão? 6 ele lhe respondeu: Porque falei a Nabote, o jezreelita, e lhe disse: Dá-me a tua vinha por dinheiro; ou, se te apraz, dar-te-ei outra em seu lugar. Porém ele disse: Não te darei a minha vinha. 7 Então, Jezabel, sua mulher, lhe disse: Governas tu, com efeito, sobre Israel? Levanta-te, come, e alegre-se o teu coração; eu te darei a vinha de Nabote, o jezreelita. 8 Então, escreveu cartas em nome de Acabe, selou-as com o sinete dele e as enviou aos anciãos e aos nobres que havia na sua cidade e habitavam com Nabote. 9 E escreveu nas cartas, dizendo: Apregoai um jejum e trazei Nabote para a frente do povo. 10 Fazei sentar defronte dele dois homens malignos, que testemunhem contra ele, dizendo: Blasfemaste contra Deus e contra o rei. Depois, levai-o para fora e apedrejai-o, para que morra. 11 Os homens da sua cidade, os anciãos e os nobres que nela habitavam fizeram como Jezabel lhes ordenara, segundo estava escrito nas cartas que lhes havia mandado. 12 Apregoaram um jejum e trouxeram Nabote para a frente do povo. 13 Então, vieram dois homens malignos, sentaram-se defronte dele e testemunharam contra ele, contra Nabote, perante o povo, dizendo: Nabote blasfemou contra Deus e contra o rei. E o levaram para fora da cidade e o apedrejaram, e morreu. 14 Então, mandaram dizer a Jezabel: Nabote foi apedrejado e morreu. 15 Tendo Jezabel ouvido que Nabote fora apedrejado e morrera, disse a Acabe: Levanta-te e toma posse da vinha que Nabote, o jezreelita, recusou dar-te por dinheiro; pois Nabote já não vive, mas é morto. 16 Tendo Acabe ouvido que Nabote era morto, levantou-se para descer para a vinha de Nabote, o jezreelita, para tomar posse dela” (1Rs 21.1-16).
[6]“O arrependimento não está no poder do homem” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 6.6), p. 155).
[7] Cf. R. Bultmann, Pe/nqoj: In: G. Friedrich; Gerhard Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8. ed. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, v. 6, p. 41.
[8]Sinclair B. Ferguson, Arrependimento, Recuperação e Confissão: In: James M. Boice; Benjamin Sasse, orgs. Reforma Hoje, São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 143.
Aqui é a , Angelica de Souza eu gostei muito do seu artigo seu conteúdo vem me ajudando bastante, muito obrigada.
Obrigado pelo retorno, Angélica. Deus a abençoe. Abraço.