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Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (7) – A Doutrina da Trindade: Formulação doutrinária – Um panorama histórico (2) - Hermisten Maia

Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (7) – A Doutrina da Trindade: Formulação doutrinária – Um panorama histórico (2)

Este artigo é continuação do: Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (7) – A Doutrina da Trindade: Formulação doutrinária – Um panorama histórico (1)

Acesse aqui esta série de estudos completa.


Relação Trinitária

Outro ponto foi a questão da relação Trinitária. Ela foi compreendida pela Igreja da seguinte forma: Quando falamos do Filho em relação ao Pai, dizemos que aquele é gerado (gennhqe/nta) do Pai e quando nos referimos ao Espírito, declaramos que Ele é procedente (e)kporeuo/menon)1 do Pai e do Filho.2 Esta relação ocorre eternamente, sem princípio nem fim, jamais havendo qualquer tipo de mudança na essência (ou)si/a) divina,3 nem qualquer tipo de subordinação ontológica; “a subordinação pretendida consiste apenas naquilo que concerne ao modo de subsistência e operação, implícito nos fatos bíblicos de que o Filho procede do Pai, e o Espírito procede do Pai e do Filho, e de que o Pai opera através do Filho, e o Pai e o Filho operam através do Espírito” (Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Editora Hagnos, 2001, p. 346). Portanto, a subordinação não é ontológica (“imanente”),4 mas sim existencial (econômica). Deste modo, a nomenclatura Pai, Filho e Espírito Santo, é apenas um designativo que implica uma correlação intertrinitária que é necessária e eterna, não uma primazia de essência, no que resultaria em diferenças de honra e glória.5 Insisto: A relação Trinitária tem sido compreendida pela Igreja como uma procedência eterna e necessária, do Espírito da parte do Pai e do Filho. As palavras de Agostinho (354-430) tornaram-se basilares na compreensão Ocidental: “O Espírito Santo, conforme as Escrituras, não é somente Espírito do Pai, nem somente o Espírito do Filho, mas de ambos”.6 Daí que, a Confissão de Westminster (1647), refletindo esta compreensão bíblica conforme a tradição teológica ocidental, diz: “O Espírito Santo é eternamente procedente do Pai e do Filho” (II.3) (Jo 15.26; Gl 4.6).

Edwin H. Palmer (1922-1980), coloca a questão da “procedência” do Espírito nos seguintes termos:

Sua procedência não quer dizer que seja inferior ao Pai e ao Filho, do mesmo modo que pelo fato do Filho ser gerado tampouco significa que não esteja num plano de igualdade com o Pai. O segredo está no fato de que o Espírito foi ETERNAMENTE espirado, do mesmo modo que o Filho foi eternamente gerado. Nunca houve um tempo em que o Espírito não fosse espirado. Tem coexistido eternamente com o Pai e o Filho. Dizer que procedeu de, ou foi espirado do Pai e do Filho não implica que seja menos Deus; só fala da relação que sustenta eternamente com as outras duas Pessoas da Trindade.7

Termos limitados

Os nossos termos serão sempre limitados, meras alusões à complexidade do Ser divino,8 por isso, podemos no máximo, trabalhando dentro dos limites da Revelação, ter uma compreensão pálida deste mistério, que certamente ultrapassa em muito a nossa percepção e, mais ainda, a nossa linguagem, no esforço de expressar o que percebemos;9 no entanto, se a doutrina da Trindade foi-nos revelada nas Escrituras, fazendo parte do desígnio de Deus, tem por certo “utilidade” para a vida da Igreja;10 nada na Escritura é ocioso (At 20.27/2Tm 3.16); ocioso e ingrato (Veja-se: J. Calvino, As Institutas, III.21.4), é deixar de considerar “todo o desígnio de Deus”11 ou tentar ultrapassá-lo. Quanto a este último perigo, talvez mais tentador para nós teólogos, cabe a advertência de Calvino (1509-1564), ao encerrar o capítulo sobre a Trindade:

Espero que pelo que temos dito, todos os que temem a Deus verão que ficam refutadas todas as calúnias com que Satanás tem pretendido até o dia de hoje perverter e obscurecer nossa verdadeira fé e religião. Finalmente confio em que toda esta matéria haja sido tratada fielmente, para que os leitores refreiem sua curiosidade e não suscitem, mais do que é lícito, molestas e intrincadas disputas, pois não é minha intenção satisfazer aos que colocam seu prazer em suscitar sem medida algumas novas especulações.

Certamente, nem conscientemente nem por malícia omiti o que poderia ser contrário a mim. Mas como meu desejo é servir à Igreja, me pareceu que seria melhor não tocar nem revolver outras muitas questões de pouco proveito e que resultariam enfadonhas aos leitores. Porque, de que serve discutir se o Pai gera sempre? Tendo como indubitável que desde a eternidade há três Pessoas em Deus, este ato contínuo de gerar não é mais que uma fantasia supérflua e frívola.12

Por outro lado, se os termos são imperfeitos e imprecisos, devemos sempre lembrar que somente a Escritura é inspirada e infalível, não os nossos termos e interpretações. O ponto, portanto, que deve ser priorizado, é a realidade por trás dos termos. “Procede esta compreensão?”, deve ser sempre a pergunta do estudante sincero, desejoso de conhecer mais a Palavra de Deus.

Bavinck é-nos imprescindível em suas observações a respeito da elaboração doutrinária da Igreja:

Para satisfazer a essa exigência (tratar da diversidade e unidade) a Igreja Cristã e a teologia cristã primitiva fizeram uso de várias palavras e expressões que não podem ser encontradas literalmente nas sagradas Escrituras. A Igreja começou a falar da essência de Deus e de três pessoas nessa essência do Ser divino. Ela falava de características triúnas e trinitárias, ou essenciais e pessoais, da eterna geração do Filho e da procedência do Espírito Santo do Pai e do filho, e outros termos semelhantes.

Não há razão pela qual a Igreja Cristã e a teologia cristã não devam usar esses termos e expressões, pois as Sagradas Escrituras não foram dadas por Deus à Igreja para ser desconsideradamente repetida, mas para ser entendida em toda a sua plenitude e riqueza, e para ser reafirmada em sua própria linguagem para que dessa forma possa proclamar os poderosos feitos de Deus. Além disso, tais termos e expressões são necessários para manter a verdade da Escritura contra seus oponentes e colocá-la em segurança contra equívocos e erros humanos. E a história tem mostrado através dos séculos que a despreocupação com esses nomes e a rejeição deles conduz a vários afastamentos da confissão.

Ao mesmo tempo nós devemos, no uso desses termos, nos lembrar que eles são de origem humana e, portanto, limitados, sujeitos a erro e falíveis. Os Pais da Igreja sempre reconheceram isso. Por exemplo, eles afirmavam que o termo pessoas, que foi usado para designar as três formas de existência no Ser divino não fazem justiça à verdade, mas servem de ajuda para manter a verdade e eliminar o erro. A palavra foi escolhida, não porque fosse a mais precisa, mas porque nenhuma outra melhor foi encontrada. Nesse caso a palavra está atrás da ideia, e a ideia está atrás da realidade. Apesar de não poder preservar a realidade a não ser dessa forma, nós nunca devemos nos esquecer de que é a realidade que conta, e não a palavra. Certamente na glória outras e melhores palavras e expressões serão colocadas em nossos lábios.13

Na procedência do Espírito da parte do Pai e do Filho temos uma relação trinitária ontológica e econômica. Em outros termos, partindo do princípio de que a revelação de Deus alude à essência de Deus; por intermédio da manifestação da Trindade, vemos, limitadamente, aspectos da relação essencial da Trindade. Privar-nos desta compreensão (procedência do Pai e do Filho) equivale a empobrecer a nossa compreensão de Deus conforme nos foi dado conhecer na Palavra e definitivamente em Jesus Cristo, perdendo assim, a amplitude de nossa salvação, que passa necessariamente pela declaração de que Deus se fez carne (Jo 1.14). Corremos o risco de cair parcialmente num agnosticismo teológico. (Veja-se: Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 102).

O Quarto Concílio Ecumênico, realizado em Calcedônia (8-31/10/451) ratificou o Credo de Nicéia (325) e o de Constantinopla (381). O seu objetivo era estabelecer uma unidade teológica na Igreja. Apesar de sua preocupação dominante ser concernente às questões referentes ao Filho, encontramos na sua declaração termos que se tornaram padrão dentro da teologia para se referirem à Trindade.

A Igreja reafirma a sua fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo reconhecendo a sua grande dívida histórica para com diversos servos de Deus que, guiados pelo Espírito, em suas limitações e piedade, puderam deixar para nós uma compreensão mais ampla de tão grande doutrina. Glorifiquemos ao Deus Triúno!

 

Maringá, 21 de novembro de 2018.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


1 gennhqe/nta e e)kporeuo/menon são expressões usadas no Credo Niceno-Constantinopolitano (381). Quanto à distinção das expressões, e o significado da “procedência”, confesso minha ignorância, juntamente com Agostinho (354-430) e João Damasceno (c. 675-749) (Veja-se: F. Turretin, Institutes of Elenctic Theology, Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1992, v. 1, III.31.3; J. Oliver Buswell, A Systematic Theology of the Christian Religion, Grand Rapids, Michigan: Zondervan, © 1962, I, p. 119-120).

2 Como já mencionamos supra, a expressão “e do Filho” em latim “Filioque”, foi acrescentada no Concílio local de Toledo (589).

3“O Pai é entendido como o primeiro princípio (archê) da Trindade e, por conseguinte, como o princípio unificador da hypostases (u/po/stasij). O Filho é gerado do Pai, e o Espírito procedente do Pai através do Filho” (Trinitas: In: Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms, 4. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1993, p. 308). No entanto, a expressão do autor, “o Espírito procedente do Pai através do Filho” não corresponde à compreensão de Nicéia e Constantinopla, visto que esta fórmula, de certo modo, inspirada em Gregório de Nissa (c. 335-c.394) – que modelou a teologia oriental –, foi rejeitada por Agostinho (354-430), para evitar qualquer tipo de subordinação (Agostinho, A Trindade, V.14.15. p. 208-210).(Veja-se: J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da Fé Cristã, p. 198).

4 Conforme expressão de Olson (Roger Olson, História das Controvérsias na Teologia Cristã: 2000 anos de unidade e diversidade, São Paulo: Editora Vida, 2004, p. 196).

5 “A propriedade peculiar e pessoal da terceira pessoa é expressa pelo título Espírito. Esse título não pode expressar sua essência, visto que sua essência é também a essência do Pai e do Filho. Ele deve expressar sua eterna relação pessoal com as outras pessoas divinas, visto ser ele uma pessoa constantemente designada como o Espírito do Pai e o Espírito do Filho” (Archibald A. Hodge, Confissão de Fé Westminster Comentada por A.A. Hodge, São Paulo: Editora os Puritanos, 1999, Capítulo II, p. 91). (Veja-se: também, A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Barata & Sanches, 1895, p. 151-152).

6Agostinho, A Trindade, São Paulo: Paulus, 1994, XV.17.27. p. 522. Veja-se: também: IV.20.29; V.14.15; XV.17.29; 26.47; 27.50.

7 Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo, Edinburgh: El Estandarte de la Verdad, (s.d.), Edição Revista, p. 15. Berkhof interpreta desta forma: “O eterno e necessário ato da primeira e da segunda pessoas da Trindade pelo qual elas, dentro do Ser Divino, vêm a ser a base da subsistência pessoal do Espírito Santo, e propiciam à terceira pessoa a posse da substância total da essência divina, sem nenhuma divisão, alienação ou mudança” (L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 98). (Veja-se: também, A.H. Strong, Systematic Theology, 35. ed. Valley Forge, Pa.: Judson Press, 1993, p. 340-343; F. Turretin, Institutes of Elenctic Theology, v. 1, III.31.3ss. p. 308-310; A.A. Hodge, Esboços de Theologia, p. 151-152; Charles Hodge, Teologia Sistemática, p. 394; Loraine Boettner, Studies in Theology, p. 122-124; Herman Bavinck, The Doctrine of God, The Doctrine of God, 2. ed. Grand Rapids, Michigan: W. M. Eerdmans Publishing Co., 1955. p. 310ss; L. Berkhof, Teologia Sistemática, p. 97-98; R.L. Dabney, Lectures in Systematic Theology, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1985 (Reprinted), XIX, p. 210-211).

8 Este tipo de comentário poderia induzir o leitor à compreensão de que desvalorizamos os termos teológicos; o que estaria extremamente distante de nossa convicção e perspectiva. Os termos teológicos, em grande parte, são expressões humanas na elaboração da fé conforme revelada nas Escrituras; portanto, limitados; no entanto, servem de referências para expressar a compreensão bíblica formulada no decorrer da história. Desprestigiar gratuitamente as expressões teológicas, tem, em geral, contribuído para o empobrecimento da doutrina bíblica e, consequentemente o enfraquecimento da vida cristã.

9 “A linguagem é a primeira tentativa do homem para articular o mundo de suas percepções sensoriais. Esta tendência é uma das características fundamentais da linguagem humana” (Ernst Cassirer. Antropologia Filosófica, 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1977, p. 328).

10 “O artigo sobre a santa Trindade é o coração e o núcleo de nossa confissão, a marca registrada de nossa religião, e o prazer e o conforto de todos aqueles que verdadeiramente crêem em Cristo.

“Essa confissão foi a âncora na guerra de tendências através dos séculos. A confissão da santa Trindade é a pérola preciosa que foi confiada à custódia da Igreja Cristã” (Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, 4. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1984, p. 145).

11 Calvino também aqui tem algo dizer: “A Escritura é a escola dO Espírito Santo, na qual, como nada é omitido não só necessário, mas também proveitoso de conhecer-se, assim também nada é ensinado senão o que convenha saber” (J. Calvino, As Institutas, III.21.3).

12Juan Calvino, Institución de la Religión Cristiana, Rijswijk, Países Bajos: Fundación Editorial de Literatura Reformada, 1967 (Nueva Edición Revisada), I.13.29.

13Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, p. 157-158.

One thought on “Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (7) – A Doutrina da Trindade: Formulação doutrinária – Um panorama histórico (2)

  • 27 de novembro de 2018 em 08:35
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    Amém que as Igreja possa se voltar aos ensinos biblicos de fato, e observar os Credos e as confissões.

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