“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (20)
Sobre o poder operante da Palavra de Deus, destaquemos alguns testemunhos.
Pedro diante do abandono de alguns “discípulos temporários” e a pergunta do Senhor se ele e os demais não queriam seguir o mesmo caminho de fuga, responde: “Senhor, para quem iremos? tu tens as palavras da vida eterna” (Jo 6.68).
Anos depois, o próprio Pedro escreveria às igrejas, lembrando o chamado daqueles irmãos: “Pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente” (1Pe 1.23). Do mesmo modo, Paulo escrevera aos crentes romanos: “Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego” (Rm 1.16).
Esta é a experiência de toda cristandade. Quantos de nós já não tivemos a nossa experiência transformadora por meio da Palavra de Deus?: “O Evangelho é o poder de Deus”. Ele o é como sempre o foi. Ainda hoje a Palavra do Senhor precisa ser crida, recebida e, conseguintemente, vivida. Foi assim na vida de Pedro, Tiago, João, Marcos, Mateus, Justino, Agostinho, Lutero, Calvino, Spurgeon, Simonton e de outras milhões de pessoas irmanadas conosco na mesma fé, recriadas por Deus por meio da Palavra.
O que fazia com que o mundo odiasse os discípulos de Cristo era o fato de eles terem agora, após um confronto com a Palavra de Deus, uma vida diferente. Eles assumiram valores que expressavam a ética do Reino. O Reino não é a igreja, contudo, “o Reino se revela na Igreja”.[1] Se a ética do Reino é a ética do Senhor Jesus, então deve ser a ética absoluta e final para todo cristão.[2]
O Reino tem valores, praxes e agendas diferentes do mundo, daí o inevitável conflito. No entanto, o conflito primeiro do mundo é com Cristo; o Deus encarnado que foi rejeitado (Jo 1.11), mas, pela graça de Deus, recebido por nós (Jo 1.12). Ele mesmo disse a respeito de seus discípulos: “Eles não são do mundo, como também eu não sou”(Jo 17.14).
Devemos, portanto, aprender de Cristo. Paulo, olhando para Cristo e para as suas necessidades e as da jovem e confusa igreja de Corinto, os instrui: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo” (1Co 11.1). Aos colossenses, mostra-lhes um nobre ideal condizente com a sua nova natureza: “Buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra” (Cl 3.1-2).
Na República, Platão (427-347 a.C.) referindo-se àqueles que adquiriram o conhecimento verdadeiro, demonstra como os demais saberes tornaram-se secundários: “Os que ascenderam àquele ponto não querem tratar dos assuntos dos homens, antes se esforçam sempre por manter a sua alma nas alturas”.[3]
A Igreja – sendo constituída de pecadores regenerados –, é intimada a agir no mundo, com os valores eternos do Reino, numa nova era que foi instaurada. A Igreja é desafiada a ser uma amostra concreta, histórica e visível do que Deus tem proposto à humanidade.
A Igreja é chamada a ser instrumento de transformação, não de acomodação. Esta transformação será operada dentro de nós e, partir daí, de forma natural em nossa visão do mundo e, consequentemente, em nossa atuação. O modo acomodatício é o mais natural; no entanto, o desafio de Deus para nós é para transformar o mundo tendo como padrão avaliativo e de comportamento a mente de Cristo. Paulo após falar da majestade de Deus, de Sua sabedoria e glória, desafia a igreja a não entrar nos moldes deste mundo, antes transformá-lo: “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”(Rm 12.2).
Algumas observações devem ser feitas:
- Não esperemos ser maioria. Isto seria uma anormalidade.
- Não esperemos simpatias. Isto seria no mínimo estranho. Por outro lado, não tenhamos mania de perseguição. Deus pode e, de fato, usa quando Lhe apraz, todos os homens para o benefício do Seu povo.
- O nosso compromisso primeiro é com Deus; por isso, sejamos fiéis a Ele. Deus em Cristo nos transformou para que vivamos em novidade de vida.
São Paulo, 19 de fevereiro de 2020.
Rev.
Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Herman Ridderbos, La Venida del Reino, Buenos Aires: La Aurora, 1988, v. 2, p. 66.
[2] Veja-se: George E. Ladd, Teologia do Novo Testamento, Rio de Janeiro: JUERP., 1985, p. 120.
[3]Platão, A República, 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1993), 517c-d.