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Eu lhes tenho dado a tua Palavra (Jo 17.1-26) (86) - Hermisten Maia

Eu lhes tenho dado a tua Palavra (Jo 17.1-26) (86)

a) Conhecimento genuíno, intenso e prático (continuação)

Como temos visto, a santificação envolve o conhecimento de Deus e da sua Palavra. É por meio da Palavra que Deus nos santifica, fazendo-nos entender os seus ensinamentos nos capacitando a aplicá-los em nossa realidade cotidiana.

Ateísmo Prático

Percebam bem este ponto, conforme temos insistido: O conhecimento de Deus por intermédio da Palavra passa necessariamente por sua aplicação. Isso não significa buscar casuísmos interpretativos para, quem sabe, endossar sorrateiramente o que queremos ou pensamos, mas, para, num ato de fé, vivenciar a Palavra em todas as esferas de nossa existência. Esse permanece sendo o grande desafio da vida cristã em todas as esferas.

No campo administrativo tenho observado isso pela forma secularizada de gerir negócios e, por vezes, de modo mais injusto do que os ímpios o fazem, agravando ainda mais a questão pelo tom convenientemente piedoso em determinados círculos, mas, essencialmente maligno de como as coisas são feitas. Aqui, mais uma vez, temos que admitir que o ateísmo prático é um mal muito mais grave e nocivo à igreja do que o puro ateísmo de pessoas estranhas à igreja. O ateísmo prático – que consiste em uma declaração de fé teológica destituída de pensamentos e decisões condizentes -,[1] além de provocar a ira de Deus, deteriora a nossa confiança em Deus, fragiliza o nosso caráter, enfraquece a nossa pregação e nega, consequentemente, a nossa fé professada. Portanto, manter departamentos em nossa vida à prova da Palavra de Deus, é o atalho fácil para a hipocrisia e uma esquizofrenia espiritual e moral.

Conhecer a Deus é obedecer aos seus mandamentos, rogando a sua iluminação para aplicá-los às situações com as quais nos deparamos em nossa existência. Portanto, conhecer é obedecer; conhecer é praticar. E é justamente nesta prática confiante e submissa que mais nos aprofundaremos no conhecimento de Deus, desenvolvendo uma comunhão mais íntima e reverente com Ele.

Ignorância abençoadora e ignorância ignorada

A ignorância sabida e insatisfeita pode ser um ingrediente maravilhoso em nosso desejo por santificação. Sei que não sei, mas, preciso saber. A ideia é de que sei o suficiente para saber que não sei e preciso saber. Isso nos impulsiona a crescer. Este sentimento conduzido pelo Espírito, sem dúvida, é esplêndido para a vida cristã.

Esse tipo de raciocínio e conclusão já é uma operação da graça de Deus em nossas mentes e corações. A consciência de nossa ignorância a respeito de Deus acompanhada pelo desejo sincero de conhecê-lo mais e mais, é graça.

Sozinhos, não assistidos pelo Espírito, tendemos a achar que nos bastamos. O que é um grande equívoco de perspectiva e de conclusão. Ou, por outro lado, podemos ser levados por um espírito depressivo de ignorância e impossibilidade de avançar em qualquer direção. Tanto a autossuficiência arrogante como a inação melancólica e depressiva, são sentimentos nocivos porque não correspondem à realidade de nossa vida e ao propósito de Deus para o homem criado à sua imagem. Deus deseja que nos alegremos nele, em seu conhecimento e comunhão obediente (Fp 3.1; 4.4). A alegria cristã é sempre teológica. Em outras palavras, depende de uma compreensão genuína da doutrina bíblica.

Por sua vez, a nossa ignorância quando se torna auto justificada produz uma insensata e suposta piedosa satisfação em não saber, acompanhada por um clima de insatisfação com o conhecimento da Palavra, que podemos julgar teórico ou apenas “da letra”.

O perigo é de simplesmente nos acomodar em nossa ignorância e trazer todos ao nosso mesmo nível de acomodação. Assim, tornamo-nos vítimas da ignorância satisfeita. Criticamos quando não entendemos culpabilizando os que ensinam. Ainda que, na realidade, deveríamos saber, nos dizemos “novos na fé”, “pessoas simples” etc.

Curiosamente, esta condição de neófito ou de humildade sutilmente proclamada, não nos impede de fazer críticas mordazes aos que procuram nos ensinar. Na realidade, não queremos crescer, estamos satisfeitos desse jeito; somos “pessoas humildes”.

Há um perigo velado de nos orgulharmos em nossa ignorância sob o manto sagrado de uma suposta humildade. É desolador nos orgulharmos da ignorância do que deveríamos saber. Em geral isso nos torna críticos e arrogantes, contentes conosco mesmos, sob o disfarce de “simplicidade”. Esquecemo-nos que a infantilidade é linda na infância, na vida madura, pode ser um sinal de decrepitude culposa. (1Co 3.1-3; Hb 5.11-14).

Sempre desconfio de irmãos nossos que com um sorrisinho no canto da boca, dizem com certo prazer, próprio de quem transfere o seu fardo para o outro, que não entenderam nada. Em geral com ênfase na palavra nada.

Este não é o propósito de Deus para seus filhos. Ele deseja que sejamos santificados por intermédio da sua Palavra que é a verdade, ensinada de forma verdadeira. Não há outro meio senão por intermédio da Palavra. Precisamos conhecer a Palavra e procurar, pela graça, vivenciá-la. Empregando uma figura do apóstolo Paulo, é necessário que nossa vida, seja um “ornamento”, uma espécie de decoração da doutrina (Tt 2.10).[2]

Maringá, 30 de junho de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “O ateísmo pode ser prático ou teórico, ou ambos. O ateu teórico nega a Deus; o ateu prático simplesmente vive como se Deus não existisse” (John Frame, Apologética para a Glória de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 149). “Uma grande porcentagem das pessoas de hoje diria que crê em Deus, mas raramente lhe dedica um pensamento e rotineiramente tomam suas decisões como se Ele não existisse” (John M. Frame, A Doutrina de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 23). Do mesmo modo, vejam-se: Luís Alonso Schökel; Cecília Carniti, Salmos I: salmos 1-72, São Paulo: Paulus, 1996, p. 255; Giulio Girardi, Introduccion: In: Giulio Girardi, dir. El Ateísmo Contemporáneo, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1971, v. 1, p. 56-61;  Louis P. Pojman, Ateísmo: In: Robert Audi, dir. Dicionário de Filosofia de Cambridge, São Paulo: Paulus, 2006, p. 54;  Hermisten M.P. Costa, O homem no Teatro de Deus: providência, tempo, história e circunstância,  Eusébio, CE.: Peregrino, 2019, p. 210-213; 226-252.

[2]“Não furtem; pelo contrário, deem prova de toda a fidelidade, a fim de ornarem (kosme/w) (= ornamentar, adornar, ataviar, decorar), em todas as coisas, a doutrina de Deus, nosso Salvador” (Tt 2.10). (kosme/w. *Mt 12.44; 23.29; 25.7; Lc 11.25; 21.5; 1Tm 2.9; Tt 2.10; 1Pe 3.5; Ap 21.2,19). (Veja-se: Francisco L. Schalkwijk, Meditações de um peregrino, São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 130).

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