Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (70)
Pedro e sua arrogante fé
Pedro quando declara sinceramente ao Senhor Jesus a sua arrogante e pretensa inabalável fé, cria nisso. Certeza subjetiva, pode indicar a nossa sinceridade, mas, não necessariamente a realidade dos fatos ou de nossas otimistas expectativas:
33 Disse-lhe Pedro: Ainda que venhas a ser um tropeço para todos, nunca o serás para mim. 34 Replicou-lhe Jesus: Em verdade te digo que, nesta mesma noite, antes que o galo cante, tu me negarás três vezes. 35 Disse-lhe Pedro: Ainda que me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei. E todos os discípulos disseram o mesmo. (Mt 26.33-35).
29Disse-lhe Pedro: Ainda que todos se escandalizem, eu, jamais! 30 Respondeu-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje, nesta noite, antes que duas vezes cante o galo, tu me negarás três vezes. 31 Mas ele insistia com mais veemência: Ainda que me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei. Assim disseram todos. (Mc 14.29-31).
Contudo, Pedro logo descobriria de forma terrivelmente amarga e irrefutável a pequenez de sua fé:
54Então, prendendo-o, o levaram e o introduziram na casa do sumo sacerdote. Pedro seguia de longe. 55 E, quando acenderam fogo no meio do pátio e juntos se assentaram, Pedro tomou lugar entre eles. 56 Entrementes, uma criada, vendo-o assentado perto do fogo, fitando-o, disse: Este também estava com ele. 57 Mas Pedro negava, dizendo: Mulher, não o conheço. 58 Pouco depois, vendo-o outro, disse: Também tu és dos tais. Pedro, porém, protestava: Homem, não sou. 59 E, tendo passado cerca de uma hora, outro afirmava, dizendo: Também este, verdadeiramente, estava com ele, porque também é galileu. 60 Mas Pedro insistia: Homem, não compreendo o que dizes. E logo, estando ele ainda a falar, cantou o galo. 61 Então, voltando-se o Senhor, fixou os olhos em Pedro, e Pedro se lembrou da palavra do Senhor, como lhe dissera: Hoje, três vezes me negarás, antes de cantar o galo. 62 Então, Pedro, saindo dali, chorou amargamente. (Lc 22.54-62).
Retornando, podemos perceber pela narrativa do salmista que outras pessoas, possivelmente amigas, olhando a sua situação à luz de uma sociedade instável, diziam: “Foge para o monte…. os ímpios armam o arco, dispõem a sua flecha na corda para às ocultas dispararem contra os retos de coração….”.
Davi, por sua vez, não ignora os perigos e as boas intenções de seus amigos. Ele, tão acostumado às batalhas e a entrar nelas em desvantagem, não é tolo. No entanto, nega-se a seguir este conselho. Com justa indignação, diz: “Ora, destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?” (3).
Resumindo: A vida de Davi está em perigo, os fundamentos do seu reino estão ameaçados; seus amigos aconselham-no a fugir para as montanhas onde teria melhor abrigo.
Qual era, então, o fundamento de sua fé?
Algumas de suas vívidas questões eram as seguintes: O certo se tornou errado? O mal se tornou em bem? Não há mais justiça? Não há quem olhe por nós? Se não houver mais justiça, como o homem justo, de bem, poderá viver?
Notemos que o impasse do salmista não nos é estranho. Em determinadas situações, pensamos: a quem vamos recorrer? Se quem nos deveria defender é quem nos explora, o que fazer? Analisemos estas questões por meio do possível contexto deste salmo.
No entanto, o salmista indaga a respeito desta atitude, considerando-a inadequada. É possível[1] que este salmo tenha sido escrito no tempo em que Absalão preparava de forma sorrateira uma rebelião contra seu pai para tentar assumir o trono.[2]
Em princípio o conselho que fora dado não lhe era estranho. Davi já tivera a experiência de esconder-se nos montes devido à perseguição de Saul. No entanto, o texto no livro de Samuel nos diz: “Permaneceu Davi no deserto, nos lugares seguros, e ficou na região montanhosa no deserto de Zife. Saul buscava-o todos os dias, porém Deus não o entregou na sua mão”(1Sm 23.14).
Davi sabia que quem lhe protegia não eram os montes, mas, Deus. Ele tinha consciência de que não podemos substituir Deus pelos montes. É Deus quem criou e sustenta os montes. Os montes podem servir como instrumento de proteção, no entanto, quem nos protege é Deus. Por isso, Davi rejeita o conselho de seus amigos, porque se refugia em Deus (Sl 16.1; 36.7).[3]
Davi também não apelou para uma suposta bondade sua, ou para uma pergunta retórica: “o que eu fiz para merecer isso?”, antes, tem uma perspectiva objetiva dos fatos, ainda que não se limite à percepção de seus conselheiros.
Nesta rejeição, que poderia parecer mera teimosia, há, na realidade, uma questão de princípio teológico, uma experiência de fé. A nossa fé é sempre um transpirar de nossa teologia. A nossa teologia fundamenta e educa a nossa fé. A fé experienciada, ilustra de modo decisivo a teologia que seguimos.
Posso me valer da fuga, contudo, devo entender que, o meu socorro está em Deus. É dentro desta perspectiva que devo caminhar, orientando a minha fé e procedimento. A sua visão teológica regia a sua percepção e, consequentemente a sua atitude.
A convicção do salmista amparava-se numa certeza: O Deus santo está no seu santo templo. Posso não ter precisão quanto ao poder bélico de meus inimigos, quantos são e se estão mesmo tão organizados. No entanto, uma certeza eu tenho: “O SENHOR está no seu santo templo” (Sl 11.4). Portanto, em lugar da fuga ou do enfrentamento, Ele busca o Senhor no seu templo.
Isto é muito revelador: por vezes não conseguimos ter clareza quanto a questões materiais e humanas, contudo, amparados na Revelação podemos afirmar com certeza verdades concernentes a Deus e a Seus atos. Aqui temos um exemplo disso. Diante dos palavrórios inúteis dos idólatras, Habacuque escreve: “O SENHOR, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra” (Hc 2.20).
Maringá,11 de junho de 2020.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Cf. C.F. Keil; F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Grand Rapids, MI: Eerdmans, (1871), v. 5, (I/III), (Sl 11), p. 186.
[2] Há quem pense que o contexto deste salmo é o período no qual Davi fugia de Saul (João Calvino,O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 11), p. 233; F.B. Meyer, Joyas de los Salmos, 2. ed. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1972, p. 18; Leslie S. M’Caw, Salmos: In: F. Davidson, ed., O Novo Comentário da Bíblia, São Paulo: Vida Nova, 1976 (reimpressão), p. 508; J.A. Motyer, Salmos. In: D. A. Carson, et. al., orgs. Comentário Bíblico: Vida Nova, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 747; Spurgeon e Simeon Cf. James M. Boice, Psalms: an expositional commentary, Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 1994, v. 1, (Sl 11), p. 91). Se o Salmo foi escrito durante o período de Saul ou de Absalão, é uma “controvérsia perpétua” (Cf. Ernst W. Hengstenberger; John Thomson, Commentary of the Psalms, Tennessee: General Books, 2010 (Reprinted), (Sl 11), v. 1, p. 119). Daí a indefinição: H.C. Leupold, Exposition of The Psalms, 6. impressão, Grand Rapids, MI.: Baker, 1979, p. 125. Para uma visão panorâmica das interpretações, veja-se: W.S. Plumer, Psalms, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, © 1867, 1975 (Reprinted), p. 164. Especialmente devido à construção do verso três quando Davi fala de destruir os fundamentos, inclino-me a pensar que o Salmo foi escrito quando ele já era rei de Israel, havendo, portanto, uma subversão da ordem por meio de Absalão.
[3]“Guarda-me, ó Deus, porque em ti me refugio” (Sl 16.1). “Como é preciosa, ó Deus, a tua benignidade! Por isso, os filhos dos homens se acolhem à sombra das tuas asas” (Sl 36.7).