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“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (64) - Hermisten Maia

“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (64)


 5.7. A Santificação e a responsabilidade do crente (Continuação)

O testificar do Espírito

            O Espírito não somente testifica que somos filhos de Deus, mas, também, nos ensina pela Palavra a nos comportar como filhos (Rm 8.14),[1]desenvolvendo em nós, ou seja, em todos os cristãos, o caráter de Cristo que consiste no fruto do Espírito.[2]

            Deus nos santifica (limpa) por meio da Palavra. É isto que Jesus Cristo nos diz: “Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado”(Jo 15.3). Fomos regenerados. Agora, limpos, fomos declarados justos por intermédio da Palavra de Cristo, e ela continua nos santificando num processo contínuo.  

            A justificação – que é uma ação exclusiva de Deus – envolve o início de um processo contínuo de “limpeza”, para que produzamos, pela graça, frutos que evidenciem a nossa fé. É assim que Jesus ensina aos seus discípulos: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto, limpa, para que produza mais frutos ainda”(Jo 15.1-2).

            Essa purificação gradativa e intensiva dá-se pela nossa obediência à Palavra de Deus, que é a verdade, como escreve Pedro: “Tendo purificado as vossas almas, pela vossa obediência à verdade….” (1Pe 1.22). A santificação consiste na aplicação honesta e piedosa da verdade, não da experiência. A experiência cristã é resultante do aprendizado e prática da Palavra.

Conhecer, experimentar e obedecer

            Lloyd-Jones  pontua: “A santificação é primariamente a aplicação da verdade a nós mesmos, não primeiramente e acima de tudo ter ou receber uma experiência”.[3]

            A santificação, portanto, não é uma experiência autônoma, antes é o exercício de compreensão e aplicação da Palavra à nossa vida. Insisto: A experiência é o resultado concomitante deste processo. As nossas experiências não servem de fundamento sólido para a nossa fé. As nossas percepções e experiências não significam, necessariamente, compatibilidade com a realidade.  Por sua vez, a realidade é incomparavelmente mais relevante do que a experiência. A autoridade não é derivada da experiência, mas, da Palavra.

            A experiência deve ser examinada à luz das Escrituras. A Palavra de Deus é o firme fundamento de nossa fé. A Palavra deve ser a intérprete, norteadora e corretora do que experimentamos. Uma teologia fiel às Escrituras é de extrema relevância nesse processo.[4] Quando priorizamos a experiência, caímos na armadilha de tornar a Palavra algo secundário e, por isso mesmo, temos uma fé frágil, inconstante, sendo movidos ao sabor de nossas paixões e interesses circunstanciais.

            Alguém pode então indagar: e a experiência não tem valor algum? Claro que sim. A vida cristã e fundamentalmente experienciável. A nossa relação com Deus é percebida pela certeza subjetiva de nossa filiação, do seu cuidado para conosco e da convicção de que, ainda que os frutos de nossa fé não sejam visíveis agora, nós sabemos quem é o nosso Deus. Podemos perseverar em obediência porque conhecemos o nosso Deus que é justo, santo, sábio e misericordioso. Notem que o fundamento desta certeza é a Palavra. No entanto, à medida que caminhamos, vamos experimentando a confirmação do que Deus nos ensina na Escritura: Deus honra a sua Palavra; isto faz parte também da experiência cristã.

            Por isso, quando alguém resume a vida cristã à obediência, comete o equívoco de não perceber que a obediência envolve conhecimento (Jo 17.3).[5] Deus não nos chama à uma fé cega, vazia e puramente emotiva, antes, ao conhecimento de Deus em Cristo que nos permite conhecer aspectos do caráter de Deus, nos relacionando com Ele, aprendendo a conhecê-lo, a levar a sério os seus mandamentos e a descansar em suas promessas. Como afirmamos anteriormente, a obediência é a fé manifestada. Obedecer é fé em exercício. 

            A Palavra do Espírito é eficaz no propósito de santificação estabelecido por Deus. Paulo escreve aos cristãos tessalonicenses:

Outra razão ainda temos nós para incessantemente dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de homens, e, sim como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes. (1Ts 2.13).

            A forma ordinária da qual Deus se vale para edificar a sua igreja é por meio da Palavra. Ele nos regenera (1Pe 1.23); chama (Rm 10.17),edifica e santifica (Jo 17.17) pela Palavra.

            Paulo, quando se despede dos presbíteros de Éfeso, confiando a igreja aos seus cuidados, tem certeza da presença sustentadora e santificadora de Deus, operando pela sua Palavra. Apresenta, então, o caminho seguro para a perseverança da igreja: confiar em Deus, obedecendo a sua Palavra: “Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à palavra da sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados” (At 20.32).

 Este é o caminho que devemos seguir. O apóstolo orou neste sentido. O mesmo devemos fazê-lo, buscando na Palavra a direção de nosso caminhar.

Maringá, 05 de junho de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Veja-se: Hendrikus Berkhof, La Doctrina del Espíritu Santo,Buenos Aires: Junta de Publicaciones de las Iglesias Reformadas; Editorial La Aurora, (1969), p. 80. Do mesmo modo, A.A. Hoekema, Salvos pela Graça,São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 37.

[2]Veja-se: James M. Boice, Fundamentos da Fé Cristã: Um manual de teologia ao alcance de todos, Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2011, p. 330-333.

[3]D.M. Lloyd-Jones, Santificados Mediante a Verdade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (Certeza Espiritual, Vol. 3), 2006, p. 84.

[4] “A teologia cristã oferece uma estrutura pela qual as ambiguidades da experiência podem ser interpretadas. A teologia visa interpretar a experiência. É como uma rede que podemos lançar sobre a experiência, a fim de capturar seu sentido. A experiência é vista como algo para ser interpretado, em vez de algo que em si é capaz de interpretar. A teologia cristã visa assim a dirigir-se a, interpretar e transformar a experiência humana”  (Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo,  São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 66-67).

[5]“E a vida eterna é esta: que te conheçam (ginw/skw) a ti, o único Deus  verdadeiro (a)lhqino/j), e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17.3).

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