Eu lhes tenho dado a tua Palavra (Jo 17.1-26) (113)
7.4. A Igreja é constituída e preservada por Deus (Continuação)
A Igreja é o Corpo de Cristo; o povo constituído por Deus por intermédio do seu Espírito, para cultuá-Lo, viver a sua Palavra e proclamar a sua salvação em Cristo.[1] Portanto, é o Deus Trino quem elege o seu povo e o chama eficazmente por meio da Palavra, para fazer parte da sua Igreja. O próprio Senhor Jesus nos instrui:
37Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora. (…) 44 Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia. (…) 65 E prosseguiu: Por causa disto, é que vos tenho dito: ninguém poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido (Jo 6.37,44,65).
Quando o apóstolo Paulo fala aos presbíteros de Éfeso, lhes instrui: “Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à palavra da sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados”(At 20.32).
A forma ordinária da qual Deus se vale para edificar a sua igreja é por meio da Palavra. Ele nos regenera (1Pe 1.23); chama (Rm 10.17),edifica e santifica (Jo 17.17) pela Palavra.
Paulo diz que passou três anos pregando todo o desígnio de Deus (At 20.27,31). Ele não se deteve em sabedoria humana, em debates frívolos ou em exibicionismo de saber, antes anunciou o Evangelho da graça de Deus (At 20.24).
Calvino também não se deixou levar por essa tentação. Em 1551, escreveu em resposta a uma carta de Laelius Socino (1525-1562),[2] onde ele fazia várias especulações:
Certamente, ninguém pode ser mais adverso ao paradoxo do que eu, e não tenho nenhum deleite em sutilezas. No entanto, nada jamais me impedirá de confessar abertamente aquilo que tenho aprendido da Palavra de Deus, pois nada, senão o que é útil, é ensinado na escola desse mestre. Ela é meu único guia, e aquiescer às suas doutrinas manifestas será a minha constante regra de sabedoria. (…) Se você tem prazer em flutuar em meios a essas especulações etéreas, permita-me, peço-lhe eu, humilde discípulo de Cristo, meditar naquilo que conduz à edificação da minha fé.[3]
Por isso, Paulo quando se despede, prevê as dificuldades que viriam, surgidas muitas delas dentro da própria Igreja,[4] até mesmo, é possível, da parte de presbíteros (At 20.29-30),[5]no entanto, ele não estabelece nenhum método mirabolante, antes os orienta a ficarem atentos – contínua e perseverantemente[6] – e os encomenda à Palavra (At 20.31-32).[7] Demonstra também a necessidade de autovigilância (At 20.28).
Stott (1921-2011) comenta:
Notamos que os pastores efésios devem primeiro vigiar a si mesmos, e só depois ao rebanho que lhes foi confiado pelo Espírito Santo. Pois eles não podem dar um cuidado adequado aos outros se negligenciarem o cuidado e a instrução de suas próprias almas.[8]
A Palavra de Deus é um antídoto contra os lobos vorazes que desejam se apossar do rebanho e contra os homens pervertidos que procuram corromper o povo de Deus. A Palavra é poderosa para nos edificar e santificar. Por isso, caberia àqueles presbíteros, pregar a Palavra, assim como Paulo o fizera.
Em Corinto, a despeito de grupos na igreja desejarem moldar o Evangelho às suas preferências e gostos pessoais, o apóstolo Paulo continuava firme, sem tergiversar em sua mensagem:
22Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; 23mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios. (…) 4A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, 5para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana; e, sim, no poder de Deus (1Co 1.22-23; 2.4-5).
Deus fornece-nos todos os meios para o nosso crescimento; precisamos, portanto, aprender na própria Palavra, a nos valer desses meios.
Pedro instrui a igreja:
Pelo seu divino poder nos têm sido doadas todas as cousas que nos conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude, pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas para que por elas vos torneis coparticipantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo (2Pe 1.3-4). (Destaques meus)
Maringá, 30 de julho de 2020.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Calvino comentando Gálatas 4.26, diz: “A Igreja enche o mundo todo e é peregrina sobre a terra. (…) Ela tem sua origem na graça celestial. Pois os filhos de Deus nascem, não da carne e do sangue, mas pelo poder do Espírito”. Continua: “Eis a razão por que a Igreja é chamada a mãe dos crentes. E, indubitavelmente, aquele que se recusa a ser filho da Igreja debalde deseja ter a Deus como seu Pai. Pois é somente por meio do ministério da Igreja que Deus gera filhos para si e os educa até que atravessem a adolescência e alcancem a maturidade” (João Calvino, Gálatas,(Gl 4.26), p. 144).
[2]Este é tio de Fausto Paolo Socino (1539-1604), teólogo italiano que entre outras heresias fruto de uma interpretação puramente racional das Escrituras, negava a doutrina da Trindade, a divindade de Cristo, sustentando a ressurreição apenas de alguns fiéis etc. O movimento herético conhecido como Socinianismo é derivado dos ensinamentos de ambos.
[3]João Calvino, Cartas de João Calvino, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 93. “O propósito divino não é satisfazer nossa curiosidade, e, sim, ministrar-nos instrução proveitosa. Longe, com todas as especulações que não produzem nenhuma edificação”(J. Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 2.14) p. 233). Veja-se também: Segundo Prefácio de Calvino à tradução da Bíblia feita por Pierre Olivétan (1546), In: Eduardo Galasso Faria, ed. João Calvino: Textos Escolhidos, São Paulo: Pendão Real, 2008, p. 34.
[4]“Se existe algo que a história nos ensina, este ensino é que os ataques mais devastadores desfechados contra a fé sempre começaram com erros sutis surgidos dentro da própria igreja” (John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho,São José dos Campos, SP.: Fiel, 1997, p. 11).
[5] 1Tm 1.3; 2Tm 1.15; Ap 2.1-7.
[6] O presente imperativo do verbo (grhgore/w) (de onde vem Gregório), vigiar, ficar acordado, desperto, indica uma vigilância contínua e perseverante.
[7] “Grande prudência é requerida daqueles que têm a incumbência da segurança de todos; e grande diligência, daqueles que têm o dever de manter vigilância, dia e noite, para a preservação de toda a comunidade” (João Calvino, Exposição de Romanos,São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 12.8), p. 434).
[8] John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: Até os confins da terra,São Paulo: ABU, (A Bíblia Fala Hoje), 1994, (At 20.28-35), p. 369.