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“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (4) - Hermisten Maia

“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (4)

Algumas aplicações

1. Aprendamos de Cristo o seu senso de correta e verdadeira prioridade: “Tendo Jesus falado estas coisas, levantou os olhos ao céu e disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti” (Jo 17.1). O seu grande e único propósito, ao qual todos os outros se adequavam, era glorificar o Pai (Jo 17.4).[1]

2. Nós que somos levados a ler a Bíblia apenas para encontrar conforto para os nossos corações cansados, devemos entender que, primeira e significativamente a Palavra nos conduz ao nosso encontro com Cristo; com a sua Pessoa Santa e Majestosa. Sei que o leitor estabelece um diálogo de ressignificação com o que lê.[2] No entanto, quando estamos diante da Palavra de Deus, devemos procurar entender em um primeiro momento, o propósito do Espírito naquele texto, propósito esse que, por vezes, ultrapassa e abrange o propósito do autor secundário que o registrou, o qual nem sempre tinha um alcance da mensagem que transmitia. Num segundo momento, extrair, por graça, as aplicações daquela mensagem para nós, especialmente, na situação concreta na qual nos encontramos. O caminho a ser seguido é o da leitura, meditação, oração e obediência.

3. No Catecismo de Genebra (1541/2), nas primeiras duas perguntas, lemos:

Mestre: Qual é o fim principal da vida humana?
Discípulo: Conhecer os homens a Deus Seu Criador”.
Mestre: Por que razão chamais este o principal fim?
Discípulo: Porque nos criou Deus e pôs neste mundo para ser glorificado em nós. E é coisa justa que nossa vida, da qual Ele é o começo, seja dedicada à Sua glória.[3]

4. O Catecismo Menor de Westminster, à pergunta nº 1, “Qual é o fim principal do homem?”, responde: “O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre” (Ver: Is 43.7; 60.21; 61.3; Rm 11.36; 14.7-8; 1Co 10.31; Ef 1.5-6).

5. A felicidade do homem está condicionada ao seu genuíno conhecimento de Deus. Ela está subordinada à Glória de Deus. Só obtemos uma visão adequada dos objetivos secundários quando conseguimos enxergar corretamente o fim principal. O homem só descobre o sentido da vida e da eternidade, quando, pelo Espírito, consegue compreender que o fim principal de todas as coisas é a Glória de Deus e, então, passa a viver para este fim (1Co 10.31; Cl 3.23).

Calvino (1509-1564), então, aconselha: “Não busquemos nossos próprios interesses, mas antes aquilo que compraz ao Senhor e contribui para promover sua glória”.[4]

6. A aceitação do testemunho de Cristo implica fé na sua Pessoa: “Porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam, e verdadeiramente conheceram  que saí de ti, e creram que tu me enviaste”(Jo 17.8).

7. O único caminho para conduzir alguém a Cristo é por meio da Palavra: “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra” (Jo 17.20).

8. Aprendamos de Jesus Cristo, a sua obediência perfeita: “Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer (Jo 17.4). O grande prazer de Jesus Cristo consistia em fazer a vontade do Pai: “Disse-lhes Jesus: A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4.34).[5]

A igreja glorifica a Deus sendo-lhe obediente. “O propósito geral da minha salvação e da sua é que nós glorifiquemos o Pai. (…) O alvo, o objetivo supremo da nossa salvação é que glorifiquemos a Deus”, orienta-nos Lloyd-Jones.[6]

Fé é obediência oculta. A obediência é a fé manifestada. Obedecer é fé em exercício. Parte do fruto da obediência é obedecer.[7] Obedecer é gratidão proveniente da graça.[8] Dito de outro modo: Obedecer é graça que se manifesta em gratidão.

O Espírito dirige a Igreja na glorificação de Cristo, ensinando-lhe a obediência proveniente da fé.[9] A obediência é fruto da genuína fé. “Só o crente é obediente, e só o obediente é que crê”, afirma Bonhoeffer (1906-1945).[10] Nada que seja circunstancialmente bom e agradável pode ser essencialmente bom se consistir em atitudes e comportamentos que desobedeçam a Deus.

Na obediência a Cristo, a Igreja o glorifica. O Espírito que cumpre seu Ministério obedientemente (Jo 16.13-14),[11] conduz a Igreja a ser a glorificação de Cristo em sua obediência (Jo 17.9,10).[12]

Maringá, 28 de janeiro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “Ele veio para glorificar Seu Pai, e é isso que Ele quer fazer acima de tudo mais. E agora, quando vai deixar estas pessoas, além e acima da Sua preocupação com a morte está a Sua preocupação com a glória de Deus: é a única coisa que importa” (D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 13).

[2] Entre tantas obras e autores que fazem essa abordagem, sugiro, pela brevidade,  Roger Chartier, A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII,  Brasília, DF.: Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 11ss. Para uma leitura mais densa, veja-se, entre outras de suas obras, Michel de Certeau, A invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer, 22. ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 2019 (4ª reimpressão), p. 236ss. Para uma aplicação da questão da subjetividade na construção histórica, veja-se: Hermisten M.P. Costa, História e Método: uma relação complexa vista por um teólogo. In: Revista Ciências da Religião – História e Sociedade, São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, Jan./Jul. 2016, v. 14, n. 1, 179-216. (Disponível em: http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/cr/article/view/10286).

[3]John Calvin, Catechism of the Church of Geneva, perguntas 1 e 2. In: John Calvin, Tracts and Treatises on the Doctrine and Worship of the Church, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1958, v. 2, p. 37. Em outro lugar, Calvino escreve: “A glória de Deus é a finalidade mais elevada, à qual a nossa santificação está subordinada” (João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.4), p. 25).

[4]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã,São Paulo: Novo Século, 2000, p. 30. De forma semelhante: “Não busquemos as cousas que são nossas, mas aquelas que não somente sejam da vontade do Senhor, como também contribuam para promover-lhe a glória” (João Calvino, As Institutas, III.7.2).

[5] Ver também: Jo 5.30; 6.38. “Cristo é o exemplo de perfeita obediência, para que todos quantos são dele se esforcem zelosamente por imitá-lo, e juntos respondam ao chamado de Deus e confirmem sua vocação ao longo de toda a sua vida, pronunciando sempre estas palavras: ‘Eis aqui estou para fazer a tua vontade’.” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo:  Paracletos, (Hb 10.7), p. 259).

[6]D.M Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 1), p. 47,48. “Ora, a vida eterna e imortal só pode ser encontrada em Deus. Portanto, é necessário que a principal preocupação e solicitude de nossa vida seja buscar a Deus, aspirá-lo com toda a afeição de nosso coração e descansar nele somente” (João Calvino, Instrução na Fé, Goiânia, GO: Logos Editora, 2003,Cap. 1, p. 11).

[7]Veja-se: Matthew Henry, Comentário Bíblico de Matthew Henry, 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, (Sl 19), p. 411.

[8]“A glória da vida cristã reside em que Deus nos chama para a obediência e, então, efetua a obediência em nós”, exulta MacArthur. (John MacArthur, Jr., O Poder da Integridade, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 114). À frente, continua: “O poder de Deus age dentro de nós para que queiramos uma vida de piedade, façamos e digamos o que é certo e justo, e andemos em integridade”. (John MacArthur, Jr.,  O Poder da Integridade, p. 115).

[9]“A principal obra do Espírito Santo é glorificar ao Senhor Jesus Cristo. Portanto, não haverá valor em nossas orações, se não crermos nEle, em Sua divindade singular, em Sua encarnação, nascimento virginal, milagres, morte expiatória, ressurreição e ascensão. O Espírito O glorifica e, portanto, devemos crer nEle e ser ‘unânimes’ em nossa doutrina” (D. Martyn Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 72).

[10] Dietrich Bonhoeffer, Discipulado,2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 25.

[11]“Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará (doca/zw), porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.13-14).

[12]“É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus; ora, todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e, neles, eu sou glorificado (doca/zw) (Jo 17.9-10).

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