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Diáconos e Presbíteros: Servos de Deus no Corpo de Cristo (5) - Hermisten Maia

Diáconos e Presbíteros: Servos de Deus no Corpo de Cristo (5)

1.3. É preservada por Cristo (Continuação)

 

É extremamente difícil combater a um inimigo invisível.[1]  Satanás procura confundir a Igreja, usando para isto várias táticas; uma delas é semear o joio no meio do trigo, para que não saibamos quem é quem e, na pressa de distinguirmos um do outro, percamos parte do trigo e fiquemos com o joio (Mt 13.24-30; 36-43).

 

No entanto, a despeito de nossa debilidade, Deus preserva a sua Igreja. Satanás usa de suas artimanhas para destruir a Igreja de Deus, entretanto, ela é sustentada pelo próprio Cristo. “O diabo não é tão contra nós como é contra Deus. Nada somos aos olhos seus, exceto que somos o povo de Deus. A paixão e ambição consumidora do diabo é danificar e destruir a obra de Deus”, escreve Lloyd-Jones (1899-1981).[2]

 

Satanás é muito poderoso. Sozinhos jamais poderíamos vencê-lo. Servos de Deus, em tempos diferentes, destacaram este ponto:

 

Aqueles que a tal combate se preparam na confiança de si próprios não compreendem suficientemente com quão aguerrido e bem equipado adversário se tenham de haver.[3]

Existe um inimigo superior, inevitável, a quem é totalmente impossível resistir se Deus não vêm em nosso auxílio.[4]

O homem que ainda não descobriu o poder da tentação é o mais típico novato em questões espirituais (…). O poder do inimigo contra nós somente é inferior ao poder de Deus. Ele é mais poderoso que qualquer homem que jamais viveu; e os santos do Velho Testamento caíram diante dele.[5]

 

O nosso conforto é-nos assegurado pelas Escrituras, conforme escreve Paulo e Pedro respectivamente: “Todavia, o Senhor é fiel; ele vos confirmará e guardará do Maligno” (2Ts 3.3). “Sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo. Nisto exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações” (1Pe 1.5).

 

A História é o palco das artimanhas de Satanás contra a Igreja de Deus, mas, também, é a descrição da vitória de Cristo conforme o enredo escrito na eternidade. O mundo é o teatro de Deus e Ele mesmo tem o controle perfeito de todo o enredo e de todas as pessoas que ali estão. Satanás já condenado está.

 

            Em nossos dias, a Igreja enfrenta uma batalha ideológica, para a qual devemos estar preparados, tendo como elemento norteador a Palavra de Deus, que nos apresenta valores eternos que não se confundem.

 

Há também o fascínio do relativismo, subjetivismo, pragmatismo, toleracionismo, entre outros ismos que assolam a igreja. Um mal evidente é a falta de relevância do sentido de verdade. Onde não existe verdade, não há pecado.[6]

 

Em uma sociedade pragmática e imediatista onde o verdadeiro é o que funciona, e me proporciona mais conforto e sucesso, já não existe interesse pela verdade. Ela tornou-se irrelevante.[7] No entanto, a busca da verdade pela verdade é uma característica fundamental da Igreja.

 

Já que cabe à Igreja o privilégio de proclamar a Palavra, ela tem de compreender as Escrituras para anunciá-la com fidelidade e vivenciá-la para proclamar com autoridade. Por isso, a Igreja é chamada de “coluna e baluarte da verdade”, porque a ela foram confiados os oráculos de Deus (Rm 3.2/1Tm 3.15).

 

A Igreja como baluarte da verdade está amparada no fundamento que consiste na obra de Deus realizada por intermédio de Cristo (Mt 16.18/Ef 2.20).[8] “Escrevo-te estas coisas, esperando ir ver-te em breve; para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna (stu=loj)[9] e baluarte (* e(drai/wma) da verdade (a)lh/qeia) (1Tm 3.14-15).

 

Bavinck (1854-1921) aplica o conceito paulino:

 

A Igreja deve ser o pilar e o terreno da verdade (1Tm 3.15), ou seja, deve ser um pedestal e uma fundação sobre a qual a verdade seja apresentada, mantida e estabelecida contra o mundo. Quando a Igreja negligencia e se esquece do seu dever com relação à Escritura ele se torna remissa em seu dever e mina sua própria existência.[10]

 

Deus se dignou em preservar a verdade por meio da sua Igreja. Quando ela falha, neste propósito, ainda que a verdade não seja abalada em sua essência, ela se torna fragilizada em sua exposição e aceitação.

 

A igreja enfrenta aqui dois perigos evidentes:

a) A “barganha” com o mundo. Na pretensão de ser ouvida de forma impactante, negocia os seus valores por meio da assimilação dos valores seculares. Na adoção desta prática, perde totalmente a sua relevância como voz profética de Deus para a sua geração. A igreja é chamada a ser o sinal da presença de Deus no mundo e na história. A sua diferença deveria ser evidente não pelo fato de querer ser diferente ou ser igual, mas, porque em sua natureza ela não é obra de carne e sangue, mas do Espírito. Por isso, a sua existência não pode negar a sua essência.

 

No Antigo Testamento, “o santuário era o penhor ou emblema do pacto de Deus”, argumenta Calvino.[11] Era o sinal concreto e visível da presença de Deus que, obviamente, ultrapassava em muito os limites do templo.

 

Assim como no Antigo Testamento, o templo era o símbolo da presença de Deus no meio de Israel, a Igreja, constituída de todos os eleitos de Deus, deve refletir, na atualidade, a realidade da presença dele entre os homens. A Igreja é o testemunho da presença e da atuação de Deus entre os homens. A Igreja é o reflexo da presença de Deus.

 

A Igreja diz ao mundo mediante a sua própria realidade histórica e testemunho, que ainda há esperança de salvação. A Igreja como luz do mundo e sal da terra, constitui-se numa bênção inestimável para toda a humanidade.[12]

 

A Igreja, portanto, é a presença de Jesus Cristo por meio de seu povo, em prol do mundo. Embora provisória, essa presença é real, humana e histórica. Cristo age por meio da Igreja realizando sua obra e confirmando sua vitória. Nesse sentido, não há salvação fora da Igreja, desde que esta se disponha a servir e glorificar Jesus Cristo.[13]

 

Portanto, a igreja não foi constituída para barganhar com o mundo, antes para apresentar em sua vida e testemunho o Evangelho de Jesus Cristo e o seu poder transformador.

 

b) A “privatização” da fé: a minha religião e nada mais. Criamos aqui uma espécie de tribalismo religioso onde cultivamos a nossa fé intramuros e nada temos a ver com o que se passa “lá fora”, exceto, quem sabe, por meio da internet ou televisão. Neste caso, a palavra de ordem é a autopreservação. Queremos apenas preservar nossos valores, associando o progresso a uma maior semelhança conosco. No profeta Jonas, temos um tipo ideal desta compreensão equivocada.[14]

 

Kuyper (1837-1920) nos alerta quanto a esse perigo de forma eloquente:

 

(…) Muito menos, devem os crentes se retirar para seus nichos eclesiásticos, e, satisfeitos com o simples ato de possuírem fé, deixar nas mãos dos descrentes a construção do templo da ciência, como se esta não lhes dissesse respeito. Os cristãos não podem agir assim porque o empreendimento científico não é um exercício do orgulho humano, mas, sim, um dever que o próprio Deus nos delegou.[15]

 

A igreja é chamada a atuar no mundo, tendo uma compreensão missionária de sua essência e existência. Esta compreensão programática engloba uma agenda que envolve uma mudança de perspectiva em nossa relação familiar, profissional, social, econômica, política e religiosa. A relevância da verdade sustentada pela igreja deve se manifestar em todas as esferas.

 

A Igreja tem, portanto, a grande responsabilidade de estudar a Palavra, proclamá-la e vivenciá-la. Ela é o meio de demonstração desta verdade (Ef 3.8-11).[16] A nossa responsabilidade primeira é com a verdade de Deus.[17] Um desafio para a igreja, portanto, é pregar esta verdade com integridade, profundidade, firmeza e humildade.[18]

 

A relevância da igreja está na essência de sua proclamação. Deus se dignou em preservar a verdade por meio da Igreja. Deus continua e continuará preservando o Seu povo.

 

Maringá, 6 de junho de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

*Acesse todos os textos dessa série aqui.


[1]“Quando o inimigo é invisível, maior é o perigo” (João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 6.12), p. 190). “A vida cristã não é um mar de rosas; é um campo de batalha, na qual o crente tem de lutar continuamente pela sua vida. A primeira regra para o sucesso é: conheça o seu inimigo” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 76-77).

[2]D.M. Lloyd-Jones, O Combate Cristão, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 85.

[3]J. Calvino, As Institutas, III.20.46.

[4]Karl Barth, La Oración, Buenos Aires: La Aurora, 1968, p. 86.

[5]D.M. Lloyd-Jones, Por Que Prosperam os Ímpios?, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 16-17. Em outro lugar, Lloyd-Jones diz: “Se você não reconhecer que, todo o tempo em que estiver nesta vida e neste mundo, haverá este terrível poder infernal dentro de você, ao seu redor e sobre você, então será um mero neófito nestes assuntos! (…) O primeiro passo é que o homem tem que reconhecer e confessar sua pecaminosidade” (David M. Lloyd-Jones, O Clamor de um Desviado: Estudos sobre o Salmo 51, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1997, p. 16-17). “Só o cristão imaturo pensa que pode lidar com a tentação”. Somente este é que diz: “‘Isto nunca vai acontecer comigo. Não caio nessa’” (Tony Evans, Chega de Ceder à Tentação: In: Bruce H. Wilkinson, ed. ger. Vitória sobre a Tentação, 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1999, p. 177).

[6] Para um estudo mais abrangente destas questões, veja-se: Hermisten M.P. Costa, Introdução à Cosmovisão Reformada, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2016.

[7] Veja-se: William L. Craig, Apologética Cristã para Questões difíceis da vida, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 11.

[8] Ver: J. Blunck, Firme: In: Colin Brown, ed. ger., O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 246.

[9] * Gl 2.9; 1Tm 3.15; Ap 3.12; 10.1.

[10]Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste,SP.: SOCEP., 2001, p. 129.

[11] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 28.1), p. 601. Veja-se também: João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 27.7), p. 532-533.

[12]Veja-se: R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Christiana Reformada, 1985, p. 242-247.

[13]Jacques de Senarclens, Herdeiros da Reforma, São Paulo: ASTE, 1970, p. 357.

[14]Veja-se: Tullian Tchividjian, Surpreendido pela graça, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 99-100.

[15] A. Kuyper, Sabedoria e prodígios: graça comum na ciência e na arte, Brasília, DF.: Monergismo, 2018, p. 93.

[16] 8 A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo 9 e manifestar qual seja a dispensação do mistério, desde os séculos, oculto em Deus, que criou todas as coisas, 10 para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e potestades nos lugares celestiais, 11 segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Ef 3.8-11).

[17] Ver: Wayne A. Mack; David Swavely, A Vida na Casa do Pai, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 17-24.

[18]Veja-se: Joshua Harris, Ortodoxia humilde: defendendo verdades bíblicas sem ferir as pessoas, São Paulo: Vida Nova, 2013, p. 21.

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