Diáconos e Presbíteros: Servos de Deus no Corpo de Cristo (44)
O piedoso Asa, rei de Judá, em situação difícil por causa das guerras constantes contra Israel, compra a lealdade de Ben-Hadade, rei da Síria, em oposição a Baasa, rei de Israel:
19 Haja aliança entre mim e ti, como houve entre meu pai e teu pai. Eis que te mando um presente (dx;v;) (shahad), prata e ouro; vai e anula a tua aliança com Baasa, rei de Israel, para que se retire de mim. 20 Ben-Hadade deu ouvidos ao rei Asa e enviou os capitães dos seus exércitos contra as cidades de Israel; e feriu a Ijom, a Dã, a Abel-Bete-Maaca e todo o distrito de Quinerete, com toda a terra de Naftali (1Rs15.19-20).
Do mesmo modo procedeu o pragmático Acaz em relação à Tiglate-Pileser, rei da Assíria, quando se viu em apuros diante da Síria e de Israel:
7 Acaz enviou mensageiros a Tiglate-Pileser, rei da Assíria, dizendo: Eu sou teu servo e teu filho; sobe e livra-me do poder do rei da Síria e do poder do rei de Israel, que se levantam contra mim. 8 Tomou Acaz a prata e o ouro que se acharam na Casa do SENHOR e nos tesouros da casa do rei e mandou de presente (dx;v;) (shahad) ao rei da Assíria (2Rs 16.7-8).
O homem perverso tem prazer em torcer o juízo. Ele não se compraz no que é direito: “O perverso aceita suborno (dx;v;) (shahad) secretamente, para perverter as veredas da justiça” (Pv 17.23).
Por meio de Isaías e Miquéias, Deus demonstra como no 8º século a.C, a moralidade tornara-se baixa em Israel, estando os príncipes, juízes e sacerdotes, todos agindo por interesses, corrompendo a prática da justiça:
Os teus príncipes são rebeldes e companheiros de ladrões; cada um deles ama o suborno (dx;v;) (shahad) e corre atrás de recompensas (~ynImol.v;) (shalmon) (suborno).[1] Não defendem o direito do órfão, e não chega perante eles a causa das viúvas (Is 1.23/Is 5.23).
Os líderes além de só pensarem nos seus interesses, blasfemavam o nome de Deus, demonstrando nenhum respeito para com Ele e à Sua Lei. Todo o sistema religioso e jurídico estava corrompido. Por intermédio de Miquéias Deus os descreve:
Os seus cabeças dão as sentenças por suborno (dx;v;) (shahad), os seus sacerdotes ensinam por interesse, e os seus profetas adivinham por dinheiro; e ainda se encostam ao SENHOR, dizendo: Não está o SENHOR no meio de nós? Nenhum mal nos sobrevirá (Mq 3.11).
Aqui Deus está anunciando o cativeiro que viria se o povo não se arrependesse.
O povo foi para o cativeiro:
11O rei da Assíria transportou a Israel para a Assíria e o fez habitar em Hala, junto a Habor e ao rio Gozã, e nas cidades dos medos; 12 porquanto não obedeceram à voz do SENHOR, seu Deus; antes, violaram a sua aliança e tudo quanto Moisés, servo do SENHOR, tinha ordenado; não o ouviram, nem o fizeram (2Rs 18.11-12).
A prática do suborno confere ao homem a sensação de ser senhor da história. Na pressuposição de que todos têm seu preço, posso reger o meu destino. Assim, raciocina: O importante é descobrir o preço de cada um. Desse modo, meus recursos se constituem em meu Deus por meio do qual manipulo quaisquer situações adversas. O meu poder de persuasão, sedução, barganha e compra é a minha lei. A soberania de Deus é banida; o seu trono e cetro me pertencem. Desta forma, pensa poder dizer: “As minhas mãos dirigem meu destino”. Fútil e perigosa ilusão. Deus continua no controle. Vê todas as coisas, e não se agrada dessa prática.
O que Deus condena está tão bem sedimentado e, às vezes, até mesmo legalizado em nossa sociedade que nós já até consideramos tais práticas em nossos planejamentos e expectativas. Já ouviram falar em “custo Brasil”?
Stott (1921-2011) escreve: “A cultura do mundo e a contracultura de Cristo estão em total desarmonia uma com a outra. Resumindo, Jesus parabeniza aqueles que o mundo mais despreza, e chama de ‘bem aventurados’ aqueles que o mundo rejeita”.[2]
De fato, o caminho do mal sempre parece ser mais eficaz e rápido. Ele tende a nos fascinar pelo resultado mais fácil e imediatamente compensador. Tendemos a associar o que funciona com a verdade, nos esquecendo de que a verdade funciona, porém, nem tudo que funciona é verdadeiro.
No entanto, Deus nos propõe caminhos de vida, de integridade, honestidade e princípios (Is 33.15).[3] O sucesso não pode ser considerado apenas à luz do tempo breve ou longo, antes, a partir da eternidade.
A instrução preventiva de Deus contra tais tentações e, ao mesmo tempo, como expressão de confiança e amadurecimento na fé, é-nos transmitida por Jesus Cristo:
31 Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? 32 Porque os gentios é que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; 33 buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas (Mt 6.31-33).
Deus nos fornece princípios que permanecem. Contudo, se tornarão plenamente evidentes na eternidade. Se quisermos habitar na casa do Senhor sigamos as normas, os princípios e os mandamentos deste mesmo Senhor. O usufruir da graça sem a busca da obediência é menosprezo para com a obediência de Cristo (2Co 6.1; Ef 2.8-10; Fp 2.5-8).[4] “Se desejamos que a obediência de Cristo nos seja proveitosa, então devemos imitá-la”, conclui Calvino.[5]
Retomando agora ao diaconato, vemos que no Novo Testamento Paulo preceitua: “Semelhantemente, quanto a diáconos, é necessário que sejam respeitáveis, de uma só palavra, não inclinados a muito vinho, não cobiçosos de sórdida ganância (Mh\ ai)sxrokerdh/j)” (1Tm 3.8).
Mh\ ai)sxrokerdh/j[6] Tt 1.7/1Pe 5.2.[7] “Cobiçoso de lucro vergonhoso”; isto é, alguém que lucra desonestamente, adaptando, modificando o ensinamento aos interesses de seus ouvintes a fim de ganhar dinheiro deles. Também pode se referir ao envolvimento em negócios escusos.
O lucro em si não é pecaminoso; contudo, ele pode se tornar vergonhoso se a sua obtenção passar a ser o nosso objetivo primário, em detrimento da glória de Deus. Pedro contrapõe este sentimento à boa vontade (proqu/moj * 1Pe 5.2), que denota um zelo e entusiasmo devotados.
A ganância pode corromper qualquer ideal, por mais nobre que seja. Isso inclui, obviamente, o exercício de nosso ofício. As Escrituras nos advertem quanto a isso.
Os diáconos gozariam de respeito e admiração no seio da igreja; teria informações privilegiadas sob assuntos espirituais e, especialmente, materiais da igreja, incluindo finanças. Conheceria também a intimidade da vida de muitos de seus irmãos. Tudo isso junto, mixado em um coração ganancioso, lhe propiciaria, se caísse nessa tentação, atuar no tráfico de bens, benefícios e influências, esquecendo-se assim, da nobreza de seu ofício em socorrer os necessitados. Isso, obviamente, se tornar em algo perigo para a igreja em sua caminhada como povo de Deus. Por isso, precisamos olhar com seriedade esse princípio.
Não nos esqueçamos do princípio bíblico expresso em alguns textos, tais como 1Tm 6.10; Sl 62.10; Ec 5.10[8] e, do exemplo negativo já existente entre os falsos sacerdotes e profetas no Antigo Testamento e judaizantes contemporâneos do apóstolo (Tt 1.10,11/Mq 3.5,11).[9]
Maringá, 16 de agosto de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Esta forma só ocorre aqui.
[2]John R.W. Stott, A Mensagem do Sermão do Monte, 3. ed. São Paulo: ABU., 1985, p. 47.
[3]“15 O que anda em justiça e fala o que é reto; o que despreza o ganho de opressão; o que, com um gesto de mãos, recusa aceitar suborno (dx;v;) (shahad); o que tapa os ouvidos, para não ouvir falar de homicídios, e fecha os olhos, para não ver o mal, 16 este habitará nas alturas; as fortalezas das rochas serão o seu alto refúgio, o seu pão lhe será dado, as suas águas serão certas” (Is 33.15-16).
[4]“E nós, na qualidade de cooperadores com ele, também vos exortamos a que não recebais em vão a graça de Deus” (2Co 6.1). “8 Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; 9não de obras, para que ninguém se glorie. 10Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.8-10). “5Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, 6pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; 7antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, 8a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2.5-8).
[5] João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 5.9), p. 138.
[6]Ai)sxro/j = indecoroso, torpe, indecente. * Tt 1.11 & ke/rdoj = lucro, ganho. “Não tenha sórdida cobiça por lucro”. *1Tm 3.8; Tt 1.7.
[7] A palavra usada por Pedro, só ocorre aqui: ai)sxrokerdw=j, que significa “lucro vergonhoso”, “ambiciosamente”. Ela é da mesma raiz de ai)sxrokerdh/j.
[8] “Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores” (1Tm 6.10). “Não confieis naquilo que extorquis, nem vos vanglorieis na rapina; se as vossas riquezas prosperam, não ponhais nelas o coração” (Sl 62.10). “Quem ama o dinheiro jamais dele se farta; e quem ama a abundância nunca se farta da renda; também isto é vaidade” (Ec 5.10).
[9] “10Porque existem muitos insubordinados, palradores frívolos e enganadores, especialmente os da circuncisão. 11É preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância” (Tt 1.10-11). “5Assim diz o SENHOR acerca dos profetas que fazem errar o meu povo e que clamam: Paz, quando têm o que mastigar, mas apregoam guerra santa contra aqueles que nada lhes metem na boca. (…) 11 Os seus cabeças dão as sentenças por suborno, os seus sacerdotes ensinam por interesse, e os seus profetas adivinham por dinheiro; e ainda se encostam ao SENHOR, dizendo: Não está o SENHOR no meio de nós? Nenhum mal nos sobrevirá” (Mq 3.5,11).
O nosso país não é muito diferente no tocante à justiça.