Diáconos e Presbíteros: Servos de Deus no Corpo de Cristo (42)
5.6. Ser respeitável
“Semelhantemente, quanto a diáconos, é necessário que sejam respeitáveis (semno/j)” (1Tm 3.8).
Semno/j (honestidade, dignidade, gravidade, seriedade, digno de respeito). (*Fp 4.8; 1Tm 3.8,11; Tt 2.2). Na literatura clássica a palavra era empregada para os deuses e as coisas divinas demonstrando a sua magnificência e majestade.
O diácono deve ter um procedimento sério, nobre, digno de todo respeito e admiração, como resultado da submissão dos seus sentimentos e pensamentos a Deus. A palavra grega confere o sentido de graça, dignidade e honradez. A respeitabilidade aqui exigida combina de forma bela e harmoniosa a simplicidade com a nobre honradez.[1]
Notemos que não seria o ofício que lhe conferiria isso. A respeitabilidade deve ser uma característica daqueles irmãos que a igreja deveria eleger. Por esse homem ter essa visível dignidade demonstrada em sua vida ao longo dos anos, é que poderia ser considerado como um candidato ao diaconato. Afinal, espera-se que o diácono exerça o seu ofício com honradez em todas as suas demandas.
Na literatura do segundo século podemos perceber que esse princípio continuou mantido e, devido à sua importância, recomendado.
Inácio (30-110 AD), na referida carta aos Tralianos, diz que todos deverão “respeitar os diáconos como a Jesus Cristo”.[2] Em outro lugar, ordena: “Acatem os diáconos, como à lei de Deus”.[3]
No Didaquê (c. 120 AD),[4] lemos:
Elegei, então, para vós mesmos bispos e diáconos dignos do Senhor, varões mansos e não amantes de dinheiro, verdadeiros e aprovados, porque também eles vos ministram os serviços dos profetas e mestres. Não os desprezeis, pois, porque são dignos de igual honra, como os profetas e mestres.[5]
5.7. Ter uma só palavra
Relacionando o texto de Atos quando o ofício de diácono foi instituído, com as prescrições de Paulo feitas mais tarde, para o diaconato, encontramos novos preceitos.
“Semelhantemente, quanto a diáconos, é necessário que sejam respeitáveis, de uma só palavra (mh\ di/logoj)” (1Tm 3.8).
A construção é negativa mh\ di/logoj, só ocorrendo aqui. A ideia é de que o diácono não deve ter “duas palavras”.
A expressão pode ser entendida de três formas não excludentes:
a) O diácono não deve ser um difamador, levando e trazendo casos dos lares onde visita (não deve ser mexeriqueiro);
b) Não deve ser alguém que pense uma coisa e diga outra;
c) Não deve ser alguém que diz uma coisa para uma pessoa e algo diferente para outra, falando de acordo com o interesse do seu interlocutor conforme as circunstâncias.
A respeitabilidade dos diáconos se evidenciaria de modo especial em sua palavra digna, correta, de acordo com a Escritura, sabendo também manter discrição a respeito dos problemas aos quais teve acesso.
O seu ofício propiciaria ocasião de tomar conhecimento de problemas delicados de famílias: crises financeiras, pecados encobertos, frieza espiritual, desavenças matrimoniais, familiares, carências, etc. Sem dúvida, ele poderia ajudar a essas famílias diretamente (socorrendo materialmente, buscando recursos, aconselhando, orando) ou, indiretamente por meio de uma conversa com o pastor ou presbíteros da igreja, os atualizando quanto à necessidades percebidas que ultrapassavam às suas competências ou possibilidades, bem como relatando qual foi o seu procedimento.
O fato, é que conforme o diácono se tornasse mais efetivo em seu ofício, angariaria maior confiança por parte dos membros da igreja, o que o levaria a conhecer particularidades de muitas famílias. Por isso mesmo, precisaria ter bastante prudência no falar e se conduzir, não se tornando, por vezes, até involuntariamente, um socializador de informações privadas.
5.8. Não deve ser inclinado a muito vinho
“Semelhantemente, quanto a diáconos, é necessário que sejam respeitáveis, de uma só palavra, não inclinados a muito vinho” (1Tm 3.8).
Aqui devem ser observadas algumas particularidades: a) A questão cultural; b) A provisão inadequada de água; c) A atenuação do vinho com água no período romano, até mesmo por uma questão de paladar[6] (Cf. 2Mac 15.39);[7] d) Essa orientação de Paulo indica o perigo da embriaguez, ao que parece, existente mesmo entre os crentes (1Co 11.21).
Sobre o diácono pesava grande responsabilidade. Conforme mencionamos, ele teria acesso aos lares, tomaria conhecimento de problemas íntimos e, também teria de administrar os bens da Igreja dedicados aos necessitados. Como confiar num bêbado? Ou, aliando ao requisito anterior, como ter respeitabilidade se corresse entre os fiéis a fama de que dito diácono “é ótima pessoa quando está sóbrio, porém, quando bebe, é um problema…”. Os casos seriam inúmeros a respeito de pessoas que em determinada situação contaram algo para ele e tiveram uma má experiência porque perceberam que naquele dia ele estaria de “fogo”. As situações adversas são por demais óbvias para que gastemos mais tempo com isso.
Notemos que Paulo não exige total abstinência. Ele fala de moderação (1Tm 3.3; Tt 1.7). Todavia, cremos que a abstinência seja recomendável (Rm 14.21/1Ts 5.22).
A bebedice é uma das características do modo gentio de viver (1Pe 4.3) como obra da carne (Gl 5.21). Os cristãos não podem ser confundidos com os pagãos em seu comportamento.
Maringá, 16 de agosto de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Vejam-se: Richard C. Trench, Synonyms of the New Testament, 7. ed. rev. enlar. London: Macmillan and Co. 1871, § xcii, p. 325-329; William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1988 (reimpressão), p. 178-181.
[2]Inácio, Carta aos Tralianos, 3. In: Cartas de Santo Inácio de Antioquia, p. 58.
[3]Inácio, Carta aos Esmirnenses, 8. In: Cartas de Santo Inácio de Antioquia, p. 81.
[4]Obra amplamente aceita nos primeiros séculos da Era Cristã devido a sua pretensão – não verdadeira –, de ter sido redigida pelos apóstolos, daí o seu nome completo: Didaquê: Ensino do Senhor Através dos Doze Apóstolos.
[5] Didaquê, XV. In: J.G. Salvador, ed. O Didaquê, São Paulo: Imprensa Metodista, 1957, p. 76.
[6] Cf. A.C. Schultz, Vinho e Bebida forte: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 5, p. 1140.
[7] Como bem sabemos, os livros de Macabeus não são “canônicos”; isto é, não fazem parte dos 66 Livros considerados inspirados por Deus. No entanto, eles têm um valor histórico-informativo, nos ajudando a entender melhor aspectos da história dos judeus no segundo século a.C. O autor conclui assim o livro: “De fato, como é nocivo beber somente vinho, ou somente água, ao passo que o vinho misturado à água é agradável e causa um prazer delicioso” (2Mac 15.39).