Diáconos e Presbíteros: Servos de Deus no Corpo de Cristo (23)
4. Definição
Os diáconos são homens “constituídos pela Igreja para distribuir esmolas e cuidar dos pobres, como seus procuradores”, resume Calvino.[1] Analisando Atos 6, Calvino diz na primeira edição da Instituição (1536): “Vede aqui o ministério dos diáconos: cuidar dos pobres e ajudar-lhes. Daqui lhes vem o nome; e por isso são tidos como ministros”.[2]
O Art. 53 e alíneas da Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil (CI/IPB) (1950), apresenta uma definição que segue a mesma linha bíblica de Calvino; porém, amplia a sua função, adaptando-a às necessidades da Igreja no Brasil:
Art. 53 – O diácono é o oficial eleito pela Igreja e ordenado pelo Conselho, para, sob a supervisão deste, dedicar-se especialmente:
- a) à arrecadação de ofertas para fins piedosos;
- b) ao cuidado dos pobres, doentes e inválidos;
- c) à manutenção da ordem e reverência nos lugares reservados ao serviço divino;
- d) exercer a fiscalização para que haja boa ordem na Casa de Deus e suas dependências.
Analisemos agora o que as Escrituras nos ensinam sobre os requisitos necessários ao diaconato.
5. Requisitos para o ofício de Diácono
Devemos observar que os requisitos para o diaconato e para o presbiterato são, em geral, exigências comuns aos membros da Igreja. Isto aponta para a seriedade proposta para a vida cristã.
No entanto, devemos estar atentos para o que foi destacado por Miller (1769-1850):
Todos esses requisitos são muito mais importantes e exigidos num grau muito mais elevado daqueles a quem se confiou a inspeção e supervisão espirituais da igreja. Assim como ocupam lugar de maior honra e autoridade que o dos outros membros da igreja, detêm do mesmo modo uma posição de muito maior responsabilidade.[3]
5.1. Ser vocacionado
Na Igreja de Cristo a vocação não é uma questão de escolha pessoal: ninguém tem autonomia para se autonomear. Deus condena a autovocação[4] (Jr 23.21,32).[5] Portanto, Pastor, Presbíteros e Diáconos, todos, sem exceção, precisam ser vocacionados por Deus para estes ofícios (Jo 10.1-2; Hb 5.4).[6]
Não estamos a nosso serviço, mas, de Deus. Somos embaixadores de Deus em nome Cristo (2Co 5.20),[7] soldados de Cristo (2Tm 2.3),[8] mordomos da despensa de Deus (1Co 4.1).[9] É Deus quem vocaciona e comissiona. A obra é Dele. Ele é o Senhor dos meios e dos fins.
Calvino expõe essa questão:
As únicas pessoas que têm o direito de ser ouvidas são aquelas a quem Deus enviou e que falam a palavra de Sua boca. Portanto, para qualquer homem exercer autoridade, duas coisas são requeridas: o chamamento [divino] e o desempenho fiel do ofício por parte daquele que foi chamado.[10]
A CI/IPB., Art. 108, prescreve isto, com adequada compreensão bíblica: “Vocação para ofício na Igreja é a chamada de Deus, pelo Espírito Santo, mediante o testemunho interno de uma boa consciência e a aprovação do povo de Deus, por intermédio de um concílio” (Veja-se também, Art. 109 e §§).
Calvino (1509-1564) comenta em lugares diferentes a importância fundamental da vocação divina:
O que torna válido um ofício é a vocação, de modo que ninguém pode exercê-lo correta ou legitimamente sem antes ser eleito por Deus (…). Nenhuma forma de governo deve ser estabelecida na Igreja segundo o juízo humano, senão que os homens devem atender à ordenação divina; e, ainda mais, que devemos seguir um procedimento de eleição preestabelecido, para que ninguém procure satisfazer seus próprios desejos. (…) Segundo é a promessa de Deus de governar sua Igreja, assim ele reserva para si o direito exclusivo de prescrever a ordem e forma de sua administração.[11]
Agora, pois, quando em uma assembleia sagrada tudo deva ser feito “em ordem e com decência” [1Co 14.40], não há nada que importe observar com mais diligência do que o estabelecimento do governo, porquanto em coisa alguma o perigo é maior do que quando algo é feito sem a devida ordem. Assim sendo, para que não se introduzissem temerariamente homens inquietos e turbulentos a ensinar ou a governar, o que de outra sorte haveria de acontecer, tomou-se precaução expressamente a que alguém não assuma para si ofício público na Igreja sem a devida vocação. Portanto, para que alguém seja considerado verdadeiro ministro da Igreja, primeiro importa que tenha sido devidamente chamado [Hb 5.4]; então, que responda ao chamado, isto é, empreenda e desempenhe as funções a si conferidas. Isto é possível notar frequentemente em Paulo, o qual, quando quer provar seu apostolado, quase sempre menciona sua vocação juntamente com sua fidelidade em executar seu ofício. Se um tão grande ministro de Cristo não ousa arrogar para si autoridade para ser ouvido na Igreja, senão porque não só foi nisso constituído por mandado do Senhor, mas também leva fielmente a bom termo o que lhe foi confiado, quão grande impudência será, se qualquer dos mortais, destituído de uma ou outra destas duas credenciais, reivindique para si uma honra desta natureza![12]
A Deus pertence com exclusividade o governo de sua Igreja. Portanto, a vocação não pode ser legítima a menos que proceda dele.[13]
Maringá, 02 de julho de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
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[1]João Calvino, As Institutas (2006), IV.3.9.
[2]Juan Calvino, Institución de la Religión Cristiana, (1536), Buenos Aires; México: La Aurora; Casa Unida de Publicaciónes, (Obras Clasicas de la Reforma, v. 15 e 16), (1958), T. 2, p. 102. Veja-se também, As Institutas, IV.3.9.
[3] Samuel Miller, O Presbítero Regente: Natureza, Deveres e Qualificações, São Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 38.
[4] Devo esta expressão a Turretini. Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 263-264, 292.
[5]“Não mandei esses profetas; todavia, eles foram correndo; não lhes falei a eles; contudo, profetizaram” (Jr 23.21). “Eis que eu sou contra os que profetizam sonhos mentirosos, diz o SENHOR, e os contam, e com as suas mentiras e leviandades fazem errar o meu povo; pois eu não os enviei, nem lhes dei ordem; e também proveito nenhum trouxeram a este povo, diz o SENHOR” (Jr 23.32).
[6]“Ninguém, pois, toma esta honra para si mesmo, senão quando chamado por Deus, como aconteceu com Arão” (Hb 5.4). Em 1967, Lloyd-Jones foi enfático: “O problema conosco, digo eu, é que as pessoas estão se enviando a si mesmas, nomeando-se a si próprias como pregadores. Certamente isso é totalmente errado. (…) Homem nenhum tem o direito de simplesmente levantar-se e pôr-se a pregar, ou a fazer o que ele pensa que é pregar. (…) A maneira ideal e certa é que a vocação venha de Deus ao homem e seja confirmada pela igreja e eu duvido que alguém tenha direito de pregar, a não ser que esses dois elementos estejam presentes em seu caso particular. (…) Só existe uma coisa mais perigosa do que ser pregador, é ser pregador leigo” (D.M. Lloyd-Jones, Discurso feito em setembro de 1967 numa conferência estudantil no Seminário Teológico de Westminster, em Filadélfia. In: Discernindo os Tempos, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1989, p. 274-275).
[7]“De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus” (2Co 5.20).
[8]“Participa dos meus sofrimentos como bom soldado de Cristo Jesus” (2Tm 2.3).
[9]“Assim, pois, importa que os homens nos considerem como ministros de Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus” (1Co 4.1).
[10]João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 1.1), p. 15.
[11]João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 5.4), p. 127-128.
[12] João Calvino, As Institutas (2006), IV.3.10.
[13]João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 1.1), p. 22. Vejam-se também alguns comentários e passagens na vida do Reformador que são elucidativos: João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.31), p. 71 As Cartas de João Calvino, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 49-50; Gálatas-Efésios-Filipenses-Colossenses, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2010, (Fp 2.21), p. 430-431; As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 6.12), p. 173; Efésios, São Paulo: Paracletos, 2008, (Ef 4.11), p. 119; O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v, 1, (Sl 4.3), p. 96).