A Trindade e o culto legítimo
“Nós adoramos a Deus porque Ele nos criou para adorá-Lo” – Hughes Oliphant Old.[1]
Paulo em sua maravilhosa doxologia (Ef 1.3-14) declara que Deus nos tem abençoado continuamente em Cristo. Ele bendiz a Deus com uma expressão de ação de graças, considerando as bênçãos de Deus que recebemos por Cristo: “que nos tem abençoado (eu)logh/saj) (eulogésas)” (3). O particípio aoristo (eu)logh/saj), indica dentro deste contexto, um fato consumado e a ação continuada de Deus.
Podemos interpretar que Deus na eternidade já nos abençoou definitivamente; a sua bênção é completa; todavia, ela é-nos comunicada constantemente ao longo da história. Essas bênçãos são multifacetadas: “toda sorte” (pa/sh), na realidade, “todas” e “cada” bênção que temos, sem exceção, provém do Senhor. As “regiões celestiais” (e)n toi=j e)pourani/oij = lit. “dos céus”, “celestiais”)[2] indicam a procedência das bênçãos. Elas provêm de Deus, o Pai que habita os céus (Mt 6.9) e, para onde Ele mesmo nos levará (2Tm 4.18).
Devemos estar atentos ao fato de que tudo que temos provém de Deus, por meio de Cristo, sendo comunicado pelo Espírito. De modo especial, o texto destaca algumas dessas bênçãos: a eleição (4-5), a redenção (7), o selo do Espírito (13-14). Portanto, “é uma tentação muito grave, ou seja, avaliar alguém o amor e o favor divinos segundo a medida da prosperidade terrena que ele alcança”.[3] As bênçãos são espirituais porque se originam em Deus, sendo-nos comunicadas pelo Espírito. Essas bênçãos relacionam-se diretamente ao ministério de Cristo, que é celestial (2Tm 4.18), tendo um alcance cósmico (Ef 3.10).
Isso também denota a nossa nova condição: Deus “nos fez assentar nos lugares celestiais (e)pourani/oij) (epouraníois)” (Ef 2.6) juntamente com Cristo (Ef 1.20). Essa realidade é altamente estimulante: cada bênção de Deus, o Seu cuidado mantenedor e preservador constitui-se na administração de Sua graça, concedida em Cristo Jesus desde a eternidade. Devemos, então, considerar que “se desejamos refrear nossas paixões, devemos recordar que todas as coisas nos têm sido dadas com o propósito de que possamos conhecer e reconhecer o seu autor”.[4]
Considerando essas bênçãos, que ultrapassam em muito a nossa capacidade de pensar, sentir ou imaginar (Ef 3.20), devemos buscar o reino de Deus (Mt 6.33); as “coisas lá do alto” onde Cristo está à direita de Deus (Cl 3.1).
Tudo que temos é “em Cristo”. “Vê-se então que a fé nos ensina que todo o bem que nos é necessário e que em nós mesmos não existe está em Deus e em Seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, em quem o Senhor constituiu toda a plenitude das Suas bênçãos e da Sua liberalidade”.[5] Neste texto, Efésios 1.3-14, há pelo menos 12 referências diretas a Cristo, indicando a verdade de que, fora de Cristo nada somos e nada temos; Ele é o fundamento da Igreja. Juntamente com os dons celestiais, Cristo dá-se a Si mesmo por nós (Rm 8.32). A eleição tem um sentido escatológico: é da eternidade para a eternidade em santificação: até que a nossa salvação seja consumada na glorificação. Contudo, a grande, a maior bênção Cristã quer aqui, quer na eternidade é o próprio Jesus Cristo. Todas as demais coisas, por mais relevantes que sejam – e são –, decorrem de uma Pessoa: Jesus Cristo, o Deus encarnado.[6]
Paulo inicia a doxologia bendizendo a Deus, demonstrando que Deus é digno de ser bendito. A palavra bendito, (Eu)loghto\j = “louvado”, “bem-aventurado”) (Hebraico: Baruk; Latim: Benedictus) ocorre oito vezes no Novo Testamento e é sempre usada para Deus (Mc 14.61; Lc 1.68; Rm 1.25; 9.5; 2Co 1.3; 11.31; Ef 1.3; 1Pe 1.3).[7] A fraseologia desta saudação, também empregada em 2Co 1.3, assemelha-se à de Pedro em 1Pedro 1.3. Na Epístola aos Coríntios, Paulo bendiz a Deus considerando o fato de que é Ele quem nos conforta em toda a nossa tribulação; Pedro, bendiz a Deus considerando a nossa regeneração efetuada pela misericórdia de Deus, para que tenhamos uma viva esperança por intermédio da ressurreição de Cristo. Em Efésios, Paulo, contemplando a extensão da obra do Deus triúno de eternidade a eternidade efetuando a nossa eleição, dá graças a Deus. (Ver o Salmo 103).[8]
Paulo diz que Deus, o Pai, tem, ao longo da história, manifestado as suas bênçãos eternas para conosco – Paulo, os efésios e todos os santos em todos os tempos – nas regiões celestiais em Cristo Jesus. Notemos aqui, que Deus é Pai do “nosso Senhor Jesus Cristo” (path\r tou= kuri/ou h)mw=n )Ihsou= Xristou=).
Paulo dá graças a Deus considerando então as bênçãos de Deus derramadas sobre o seu povo: No passado: (Eleição) (Ef 1.3,4); No presente: (Redenção) (Ef 1.7); No futuro: (Posse definitiva da vida eterna) (Ef 1.12-14).
O mesmo Espírito que nos abençoa, orienta-nos em nossa adoração, a fim de que ofereçamos a Deus «hinos e cânticos espirituais» (Ef 5.19), conforme acentuou Old: “Os hinos e salmos que são cantados na adoração sãos músicas espirituais, isto é, elas são as músicas do Santo Espírito (At 4.25; Ef 5.19)”.[9] (Ver: Cl 3.16).
Paulo bendiz a Deus contemplando a extensão da obra do Deus triúno de eternidade a eternidade efetuando a nossa eleição. Os eleitos bendizem a Deus pelo que Ele é e pelo que Ele fez por nós. A gratidão deve nortear o nosso relacionamento com Deus. “Não há um caminho mais direto (à gratidão), do que o de tirarmos nossos olhos da vida presente e meditar na imortalidade do céu”.[10]
Deus deve ser sempre o alvo de nossa adoração sincera, resultante de um coração consciente e agradecido, que reconhece a Sua Glória e os Seus atos salvadores e abençoadores (2Ts 2.13/Ef 5.20). Comentando o Salmo 6, Calvino assim se expressa: “Depois de Deus nos conceder gratuitamente todas as coisas, ele nada requer em troca senão uma grata lembrança de seus benefícios”.[11]
Fomos eleitos por Deus na eternidade para que O adoremos. Portanto, no culto a igreja vivencia o propósito de sua eleição: o fim principal do homem é glorificar a Deus! A igreja é a comunidade de adoradores que se congrega para testemunhar publicamente os atos graciosos de Deus.
Maringá, 21 de novembro de 2018.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Hughes Oliphant Old, Worship: That Is Reformed According to Scripture, Atlanta: John Knox Press, 1984, p. 1.
[2]E)poura/nioj: Mt 18.35 (variante textual); Jo 3.12; 1Co 15.40,48,49; Ef 1.3,20; 2.6; 3.10; 6.12; Fp 2.10; 2Tm 4.18; Hb 3.1; 6.4; 8.5; 9.23; 11.16; 12.22.
[3] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 17.14), p. 346.
[4]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 72.
[5] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 91.
[6]D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 42.
[7] Na Septuaginta, a única vez que a palavra é usada para referir-se ao homem é em Gênesis 24.31.
[8]Ver: R.C.H. Lenski, The Interpretation of St. Paul´s Epistles to the Ephesians, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1998, (Ef 1.3), p. 349.
[9]Hughes Oliphant Old, Worship: That Is Reformed According to Scripture, Atlanta: John Knox Press, 1984, p. 6.
[10]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 73.
[11]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 6.5), p. 129. Por sua vez, “os ímpios e hipócritas correm para Deus quando se vêem submersos em suas dificuldades; mas assim que se vêem livres delas, olvidando seu libertador, se regozijam com frenética hilaridade” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 28.7), p. 608).