A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (9)
Davi demonstra que a sua fé se amparava no fato de Deus ser Santo (Sl 11.4). Ele está no seu santo templo (Hc 2.20). Davi sabia que podia confiar num Deus justo, que ama a justiça (Sl 11.7). Deus é justo em Si mesmo e, por isso mesmo, em Suas manifestações. A justiça de Deus se caracteriza por Sua ação coerente com o Seu padrão; por isso, Suas ações são sempre perfeitas e retas, pois o Seu padrão é a perfeição: “Justiça e direito são o fundamento do Teu trono” (Sl 89.14). Por isso, “A maior desonra que alguém poderia lançar sobre Seu nome é a de contestar Sua justiça”[1]
Davi tem também como fundamento de sua fé, a certeza de que Deus reina. Ele é santo e rei: “nos céus tem o Senhor o seu trono” (4). O trono celestial de Deus é o Seu verdadeiro templo (lk’yhe) (heykal) (Mq 1.2; Hc 2.20).[2] Seus amigos tem uma visão apenas terrena, enquanto que Davi vai além da aparente onipresença desta crise, que sabe ser circunstancial.
O Reino de Deus é o reinado de Deus: o Seu governo absoluto sobre todas as coisas, visíveis e invisíveis. A Sua providência é exercida sobre todos os homens; nada Lhe escapa. Todo o poder é derivado de Deus; toda autoridade tem a Deus como Autor supremo. Confiar em qualquer manifestação de poder ou autoridade fora de Deus é pura tolice. Deus é a fonte de todo o poder. Somente Ele é autopoderoso. Todo poder está em Deus e todo poder é preservado por Deus, fora de Deus nada nem ninguém pode autoexistir. Como autor de todas as coisas, Ele tem autoridade sobre toda a realidade e poder.[3]
O Deus soberano com a Sua vontade perfeita tem todo o poder. O reino e a glória lhe pertencem eternamente. A Sua soberana vontade é caracterizada pela perfeição: a Sua vontade é perfeita (Rm 12.2) envolvendo toda a realidade e as nossas necessidades em particular.
Davi sabia quem era o Seu Deus: Aquele que reina sobre todas as coisas. Por isso, não há impedimentos na concretização de Suas promessas.
No Novo Testamento, é justamente isso que diz o anjo a Maria, surpresa, diante de sua gravidez anunciada: “Porque para Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas” (Lc 1.37).
É preciso que entendamos que a soberania de Deus não significa algo abstrato, antes, o seu cuidado para conosco: “….os seus olhos estão atentos, as suas pálpebras sondam os filhos dos homens” (Sl 11.4).
A figura quer demonstrar que Deus observa com atenção; a Sua soberania não é distante ou indiferente. O nosso Deus é um Deus transcendente e presente. Ele tem o controle de toda situação, de toda esta crise que o salmista está vivendo. Portanto, mais do que um simples exercício intelectual, a soberania de Deus é um desafio à nossa confiança no Deus poderoso e providente.
Jesus Cristo, no Sermão do Monte, instrui e consola:
Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo quanto ao que haveis de vestir (…). Não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal. (Mt 6.25,34).
Paulo, preso, seguindo os ensinamentos de Cristo, escreve aos filipenses: “Não andeis ansiosos de cousa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graça” (Fp 4.6). “É pela fé que tomamos posse de Sua providência invisível”, conclui Calvino.[4]
Deus sabe das nossas necessidades. O saber de Deus não é apenas intelectual: Deus sabe e por isso cuida (Mt 6.8). Ele não dorme, antes, sabe do que necessitamos antes mesmo que tenhamos consciência das nossas necessidades: A Bíblia também nos ensina que Deus nem sempre nos dá aquilo que pedimos; entretanto, sempre nos dá aquilo de que necessitamos de fato e de verdade, mesmo que nem ainda tenha penetrado em nosso coração a realidade da carência. A nossa demorada consciência de nossas próprias carências não escapa à providência de Deus, nem à Sua graciosa provisão.
Deus não é indiferente ao nosso clamor. Davi declara que “os olhos do Senhor repousam sobre os justos, e os seus ouvidos estão abertos ao seu clamor” (Sl 34.15). Ele cuida permanentemente de nós: “Ele não permitirá que os teus pés vacilem: não dormitará aquele que te guarda. É certo que não dormita nem dorme o guarda de Israel” (Sl 121.3-4). O Seu cuidado é pessoal. Deus, o nosso Pai, cuida de cada um de nós como se fôssemos o único que Ele teria para cuidar; Ele cuida “pessoalmente” de nós.[5] As nossas orações são o testemunho desta certeza. O Deus que preservou a Elias, enviando os corvos para lhe levarem alimento (1Rs 17.1-6), é o mesmo que é o nosso Pai onisciente e providente. Portanto, podemos fazer eco ao testemunho de fé e vida de Davi: “O Senhor, tenho-o sempre à minha presença; estando Ele à minha direita não serei abalado” (Sl 16.8).
O melhor antídoto contra a ansiedade é a oração sincera e confiante, por meio da qual expomos a Deus as nossas dúvidas, temores e confiança.[6] Portanto, orar é exercitar a nossa confiança no Deus da Providência, sabendo que nada nos faltará, porque Ele é o nosso Pai.
Maringá, 22 de fevereiro de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
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[1]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 50.21), p. 417.
[2] Veja-se: Leonard J. Coppes, Hêkãl: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 352-354.
[3] “Quando falamos de soberania divina, estamos falando sobre autoridade de Deus e sobre o poder de Deus. Como soberano, Deus é a suprema autoridade do céu e da terra. Toda outra autoridade é uma autoridade menor. Toda outra autoridade que existe no universo é derivada e dependente da autoridade de Deus. Todas as outras formas de autoridade existem ou pela ordem de Deus ou pela permissão de Deus.
“A palavra autoridade contém em si a palavra autor. Deus é o autor de todas as coisas sobre as quais Ele tem autoridade. Ele criou o universo. Ele possui o universo. Sua propriedade lhe dá certos direitos. Ele pode fazer com seu universo o que for agradável à sua santa vontade.
“Da mesma maneira, todo o poder no universo flui do poder de Deus. Todo o poder no universo é subordinado a Ele. Até mesmo Satanás não tem poder para agir sem a soberana permissão de Deus” (R.C. Sproul, Eleitos de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p. 19-20).
[4]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 13.1), p. 262.
[5]Agostinho (354-430) exulta: “Ó bondosa Onipotência que olhais por cada um de nós como se dum só cuidásseis, velando por todos como por cada um!” (Agostinho, Confissões, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 6), 1973, III.11.19, p. 67). (Ver também, J. Calvino, As Institutas, I.17.6).
[6]Calvino comentando essa passagem Rm 12.12, enfatiza que “a diligência na oração é o melhor antídoto contra o risco de soçobrarmos” (João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 12.12), p. 438). “O grande antídoto para ansiedade é aproximar-se de Deus em oração” (Jerry Bridges, A Vida Frutífera, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 76).
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