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A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (8) - Hermisten Maia

A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (8)

3.2.3. Toda a Palavra

Nada é mais solicitamente intentado por Satanás do que impregnar nossas mentes, ou com dúvidas, ou com menosprezo pelo evangelho. – João Calvino.[1]

 

“O evangelho da vossa salvação” é para ser crido (Ef 1.13). Por isso, a pregação cristã nada mais é do que a proclamação do Evangelho; o poder de Deus para a salvação (Rm 1.16). “A pregação (…) é o instrumento divino para a salvação das pessoas”, conclui corretamente Spener (1635-1705).[2]

 

Sem a Palavra, Jesus se constitui no caminho desconhecido para o Pai (Jo 20.30-31/Jo 14.6).[3]

 

A Palavra de Deus reivindica a nossa fé (Vejam-se: Mc 1.15; Jo 5.45-47; 17.20; At 4.4; Rm 10.8,14,17; Ef 1.13; 1Tm 1.15; 4.9).[4]

 

O que Deus revelou e prometeu é para ser crido (Rm 4.20). Jesus Cristo é o autor e o conteúdo,[5] o substantivo da Promessa. Por isso, crer no Evangelho, significa crer em Jesus Cristo (Mc 1.15/Rm 15.20; At 16.31).[6] Jesus Cristo conforme O conhecemos no Evangelho é a Palavra Final de Deus: Nele conhecemos o que Deus quer que saibamos e o que deseja que sejamos nesta vida.

 

Todavia, se Deus não abrir o entendimento dos homens, eles jamais crerão, como nós também jamais teríamos crido um dia; por isso, a proclamação do Evangelho deve vir acompanhada da oração.[7]

 

3.3. Apoia-se no poder, justiça e fidelidade de Deus

 

O fundamento da fé é o Deus fiel: Aquele que a gerou e a sustenta. (1Co 2.4,5; Hb 11.11; 1Pe 1.21).[8]

 

A nossa fé encontra o seu amparo na veracidade e fidelidade de Deus. A fidelidade de Deus se revela nas Suas promessas, como expressão de Seu caráter santo e fiel a Si mesmo. O Deus santo se relaciona em santidade. A glória de Deus como exteriorização de sua santidade, obviamente perpassa as Suas promessas. Por isso, está correto Calvino ao dizer que “A fé verdadeira é aquela que ouve a Palavra de Deus e descansa em Sua promessa”.[9]

 

Analisemos um caso específico.

 

O salmista inicia o Salmo 11 com sua declaração de fé e confiança, resultantes, certamente, de sua extensa e intensa experiência espiritual: “No Senhor me refugio” (1).[10] Ainda que muitos de seus amigos pudessem fazer declaração semelhante, visto que a percepção do salmista a respeito de suas adversidades não era a única, outras pessoas, possivelmente amigas, olhando a sua situação à luz de uma sociedade instável, diziam: “Foge para o monte…. os ímpios armam o arco, dispõem a sua flecha na corda para às ocultas dispararem contra os retos de coração….”.

 

Em suas cogitações e medo, em nenhum momento estes amigos conselheiros levam em consideração o nome de Deus. A concretude adversa da história por vezes faz diluir a nossa declaração eufórica de fé, contudo, sem fundamento seguro. Isto se manifesta até mesmo em nossas declarações melódicas de fé quando afirmamos querer coisas maravilhosas, como ter um coração igual ao de Deus, viver de forma gloriosa, ser inundado pela glória do Senhor, etc., e não pedimos a Deus que nos capacite a sentir alegria em permanecer no templo durante pouco mais de uma hora de culto, a sermos fieis na devolução de nossos dízimos, a trabalhar com alegria, tratar com dignidade as pessoas e as demais coisas que podem fazer parte de nossa humana rotina.

 

As aflições com frequência servem para testar a nossa fé e evidenciar as nossas carências, revelando a nós mesmos nossas fraquezas e a pequenez de nossa fé. Nenhum de nós está livre disso.

 

A avaliação estratégica de seus amigos, ainda que aparentemente sincera, foi regida pelo medo e senso de preservação, funcionando num plano puramente material. Quem poderia recriminá-los por isso? O cenário apresentado não era falseado ou descrito com cores exageradamente vivas, antes, refletia a realidade evidente: Os inimigos eram muitos, amavam a violência (5), tinham se preparado estrategicamente, estavam fortemente armados e em lugar com visão e proteção privilegiadas (2).

 

Davi, por sua vez, não ignora os perigos e as boas intenções de seus amigos. Ele, tão acostumado às batalhas e a entrar nelas em desvantagem, não é tolo. No entanto, nega-se a seguir este conselho. Com justa indignação, diz: “Ora, destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?” (3).

 

Davi também não apelou para uma suposta bondade sua, ou para uma pergunta retórica: “o que eu fiz para merecer isso?”, antes, tem uma perspectiva objetiva dos fatos, ainda que não se limite à percepção de seus conselheiros.

 

Algumas de suas vívidas questões eram as seguintes: o certo tornou-se errado? O mal tornou-se em bem? Não há mais justiça? Não há quem olhe por nós? Se não houver mais justiça, como o homem justo, de bem, poderá viver?

 

Notemos que o impasse do salmista não nos é estranho. Em determinadas situações, pensamos: a quem vamos recorrer? Se quem nos deveria defender é quem nos explora, o que fazer?

 

Analisemos estas questões por meio do possível contexto deste salmo. Resumamos o que vimos:

 

A vida de Davi está em perigo, os fundamentos do seu reino estão ameaçados; seus amigos aconselham-no a fugir para as montanhas onde teria melhor abrigo.

 

No entanto, o salmista indaga a respeito dessa atitude, considerando-a inadequada. É possível[11] que este salmo tenha sido escrito no tempo em que Absalão preparava de forma sorrateira uma rebelião contra seu pai para tentar assumir o trono. Outra possibilidade aventada, é que o escreveu durante a perseguição perpetrada por Saul.[12] Não sabemos ao certo e, também, isso pouco importa para o nosso estudo.[13]

 

Em princípio o conselho que fora dado não lhe era estranho; Davi já tivera a experiência de esconder-se nos montes devido à perseguição de Saul, no entanto o texto no livro de Samuel nos diz: “Permaneceu Davi no deserto, nos lugares seguros, e ficou na região montanhosa no deserto de Zife. Saul buscava-o todos os dias, porém Deus não o entregou na sua mão” (1Sm 23.14).

 

Davi sabia que quem lhe protegia não eram os montes, mas, Deus. Ele tinha consciência de que não podemos substituir Deus pelos montes. É Deus quem criou e sustenta os montes. Os montes podem servir como instrumento de proteção, no entanto, quem nos protege é Deus. Por isso, Davi rejeita o conselho de seus amigos, porque se refugia em Deus (Sl 16.1; 36.7).[14]

 

Nesta rejeição, que poderia parecer mera teimosia, há, na realidade, uma questão de princípio teológico, uma experiência de fé. A nossa fé é sempre um transpirar de nossa teologia. Posso me valer da fuga, contudo, devo entender que, o meu socorro está em Deus; é dentro desta perspectiva que devo caminhar. A sua visão teológica regia a sua percepção e, consequentemente a sua atitude.

 

Continuaremos no próximo post.

 

 

Maringá, 22 de fevereiro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Este artigo faz parte de uma série. Veja aqui a série completa!


 

[1] João Calvino, Efésios, (Ef 1.13), p. 35.

[2] Ph. J. Spener, Mudança para o Futuro: Pia Desideria, Curitiba, PR.; São Bernardo do Campo, SP.: Encontrão Editora; Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, 1996, p. 118.

[3] “Não há outro guia para a verdade, senão a Bíblia, na medida em que o Espírito nos ajuda a entendê-la” (William Guthrie, As Raízes de Uma Fé Autêntica, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 14).

[4] Vd. J. Calvino, As Institutas, III.2.1.

[5]Michael Green escreveu: “Aquele que veio pregando as boas novas passou a ser o conteúdo das boas novas” (Michael Green, Evangelização na Igreja Primitiva, São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 58).

[6]”A fé que nos traz à salvação é questão de querer a Cristo, ser levado a Ele, apoiar-se e ter confiança nEle” (William Guthrie, As Raízes de Uma Fé Autêntica, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 26).

[7]J.I. Packer, ressaltando a importância da convicção da Soberania de Deus no ministério evangélico, diz:

“(A) fé fervorosa na soberania absoluta de Deus (…) não somente fortalece a evangelização, como sustenta o evangelista, criando uma esperança de êxito que, de outro modo, não poderia ser realidade; e igualmente nos ensina a ligar a pregação à oração, tornando-nos ousados e confiantes perante os homens, ao mesmo tempo em que nos torna humildes e persistentes perante Deus.” (J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 84-85. Do mesmo modo, J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 121).(Vejam-se: Jo 15.5; 16.33; 1Co 15.57-58; Fp 4.13).

[8]4A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, 5 para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus” (1Co 2.4,5). Pela fé, também, a própria Sara recebeu poder para ser mãe, não obstante o avançado de sua idade, pois teve por fiel aquele que lhe havia feito a promessa” (Hb 11.11). “Que, por meio dele, tendes fé em Deus, o qual o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de sorte que a vossa fé e esperança estejam em Deus” (1Pe 1.21).

[9]João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.11), p. 318. “É peremptoriamente necessário que cortemos ocasião à nossa desconfiança; e sempre que alguma dúvida sobre a fidelidade das promessas de Deus nos assaltar, devemos empunhar contra ela esta arma: as palavras do Senhor são puras!” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 12.6), p. 256). Vejam-se também: João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 10.23), p. 270; João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 2.2), p. 49.

[10] Este Salmo tem conexão com os Salmos 5, 7, 10 e 17.

[11] Cf. C.F. Keil; F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Grand Rapids, MI: Eerdmans, (1871), v. 5, (I/III), (Sl 11), p. 186; Simeon Cf. James M. Boice, Psalms: an expositional commentary, Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 1994, v. 1, (Sl 11), p. 91).

[12] Há quem pense que o contexto deste salmo é o período no qual Davi fugia de Saul (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v.1, (Sl 11), p. 233; F.B. Meyer, Joyas de los Salmos, 2. ed. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1972, p. 18; Leslie S. M’Caw, Salmos: In: F. Davidson, ed., O Novo Comentário da Bíblia, São Paulo: Vida Nova, 1976 (reimpressão), p. 508; J.A. Motyer, Salmos. In: D. A. Carson, et. al., orgs. Comentário Bíblico: Vida Nova, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 747; C.H. Spurgeon, El Tesoro de David, Barcelona: Libros CLIE, 1989, v. 1, (Sl 11.1-3), p. 71) Se o Salmo foi escrito durante o período de Saul ou de Absalão, é uma “controvérsia perpétua” (Cf. Ernst W. Hengstenberger; John Thomson, Commentary of the Psalms, Tennessee: General Books, 2010 (Reprinted), (Sl 11), v. 1, p. 119). Por isso a indefinição: H.C. Leupold, Exposition of The Psalms, 6. Printing, Grand Rapids, MI.: Baker, © 1959, 1979, p. 125. Para uma visão panorâmica das interpretações, veja-se: W.S. Plumer, Psalms, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, © 1867, 1975 (Reprinted), p. 164.

[13]No entanto, especialmente devido à construção do verso três quando Davi fala de destruir os fundamentos, inclino-me a pensar que o Salmo foi escrito quando ele já era rei de Israel, havendo, portanto, uma subversão da ordem por meio de Absalão.

[14]Guarda-me, ó Deus, porque em ti me refugio” (Sl 16.1). Como é preciosa, ó Deus, a tua benignidade! Por isso, os filhos dos homens se acolhem à sombra das tuas asas(Sl 36.7).

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