A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (29)
Outro ponto relevante, é que a oração no Espírito é sempre por intermédio de Cristo. Isto significa que quando oramos, o fazemos por iniciativa do Espírito, por intermédio de Cristo, no nome de Cristo. Portanto, orar genuinamente significa harmonizar a nossa vontade com a do Filho, alinhando a nossa vontade com a dele.[1] Orar ao Pai não significa simplesmente usar o Seu nome, mas, sim, dirigir-nos de fato a Ele conforme os Seus preceitos, em submissão à Sua vontade.
Uma oração francamente oposta aos ensinamentos de Jesus não pode ser considerada de fato uma oração dirigida ao Pai, por mais que usemos e repitamos o nome de Jesus. Deste modo, é necessário que tenhamos cuidado para que não cometamos falsidade ideológica em nossas orações. Orar em nome de Jesus é dizer ao Pai que o Seu Filho eterno, o nosso irmão mais velho, subscreveu o que estamos dizendo. Orar no nome de Jesus significa a confiança única e exclusiva na suficiência de Seus méritos.[2]
A nossa oração não pode ser uma diminuição da santidade de Cristo. Como bem compreendeu Pink (1886-1952), ao escrever:
Solicitar algo a Deus, em nome de Cristo, quer dizer solicitar-lhe algo em harmonia com a natureza de Cristo! Pedir algo em nome de Cristo, a Deus Pai, é como se o próprio Cristo estivesse formulando a petição. Só podemos pedir a Deus aquilo que Cristo pediria. Pedir em nome de Cristo, pois, significa deixar de lado nossa vontade própria, aceitando a vontade do Senhor![3]
O Espírito nos dirige para que não usemos o nome do Filho em vão; porque somente Ele pode nos mostrar qual é a vontade de Deus e nos capacitar a aceitá-la com fé. Quando oramos no Espírito estamos confessando a nossa pequenez e, ao mesmo tempo, testemunhando a nossa fé na soberania de Deus.
“O Espírito constrói uma determinada atmosfera em torno de toda a oração autêntica, e dentro desse círculo próprio é que a oração vive e triunfa; fora dele, a oração é apenas uma formalidade morta”, enfatiza Spurgeon (1834-1892).[4]
Agostinho (354-430), comentando o Salmo 102.2 – quando o salmista diz “… inclina-me os teus ouvidos; no dia em que eu clamar; dá-te pressa em acudir-me” – faz uma paráfrase: “Escuta-me prontamente, pois peço aquilo que queres dar. Não peço como um homem terreno bens terrenos, mas já redimido do primeiro cativeiro, desejo o reino dos céus”.[5]
Paulo, discorrendo sobre a fraqueza humana, a exemplifica na vida cristã no fato de nem ao menos sabermos orar como convém (Rm 8.26-27).[6] Por isso o Espírito que em nós habita nos auxilia em nossas orações, fazendo-nos pedir o que convém, capacitando-nos a rogar de acordo com a vontade de Deus. A oração eficaz é aquela que tem o Espírito como seu autor. Sem o auxílio do Espírito jamais oraríamos com discernimento.
Calvino, analisando o fato de que pedimos tantas coisas erradas a Deus e que, se Ele nos concedesse o que solicitamos, traria muitos males sobre nós,[7] ao tratar da Oração do Senhor, afirma:
Nem podemos abrir a boca diante de Deus, sem grave perigo, a não ser que o Espírito nos instrua sobre a norma certa de orar [Rm 8.26]. Em quão maior apreço merece ser julgado entre nós este privilégio, quando o Unigênito Filho de Deus nos sugere à boca palavras que desvencilhem nossa mente de toda vacilação![8]
A oração genuína é sempre precedida do senso de necessidade e de uma fé autêntica nas promessas de Deus.[9]
Graças a Deus porque todos nós, em Cristo, temos o Espírito de oração (Zc 12.10), porque sem Ele jamais poderíamos orar de modo aceitável ao Pai. “A própria oração é uma forma de adoração”, instrui-nos Sproul (1939-2017).[10]
Por outro lado, o auxílio do Espírito não deve servir de pretexto para a nossa indolência e irresponsabilidade espiritual.
Interpreta Calvino em textos diferentes:
Aqui não se diz que, lançando o ofício da oração sobre o Espírito de Deus, podemos adormecer negligentes ou displicentes, como alguns se acostumaram a blasfemar, dizendo: devemos ficar à espera, sem nenhuma preocupação, até que o Espírito chame a atenção da nossa mente, até então ocupada e distraída com outras coisas. Muito ao contrário, aqui somos induzidos a desejar e a implorar tal auxílio, com aversão e desgosto por nossa preguiça e displicência.[11]
Quando nos sentirmos frios, e indispostos para orar, supliquemos logo ao Senhor que nos inflame com o fogo de seu Espírito, pelo qual sejamos dispostos e suficientes para orar como convém.[12]
Muitas vezes estamos tão confusos diante das opções que temos, que não sabemos nem mesmo como apresentar os nossos desejos e as nossas dúvidas diante de Deus. Todavia o Espírito nos socorre. Ele “ora a nosso favor quando nós mesmos deveríamos ter orado, porém não sabíamos para que orar”.[13]
Comentando o Salmo 91.12, diz o reformador: “Nunca podemos aquilatar os sérios obstáculos que Satanás poria contra nossas orações não nos sustentasse Deus da maneira aqui descrita”.[14]
Ele ilustra a sua tese:
Chamo tentação espiritual quando não somente somos açoitados e afligidos em nossos corpos; senão quando o diabo opera de tal modo em nossos pensamentos que Deus se nos converte em inimigo mortal, ao que já não podemos ter acesso, convencidos de que nunca mais terá misericórdia de nós.[15]
Precisamos, portanto, “que o mesmo Deus nos ensine, conforme ao que Ele sabe que convém, e que Ele nos leve guiando como que pela mão, e que nós o sigamos”.[16] Orar como convém é orar segundo a vontade de Deus, colocando os nossos desejos em submissão com o santo propósito de Deus; isto só é possível pelo Espírito de Deus que Se conhece perfeitamente (1Co 2.10-12).[17] Assim, toda oração genuína é sob a orientação e direção do Espírito (Ef 6.18; Jd 20).[18]
O Catecismo Maior de Westminster ensina:
Não sabendo nós o que havemos de pedir, como convém, o Espírito nos assiste em nossa fraqueza, habilitando-nos a saber por quem, pelo quê, e como devemos orar; operando e despertando em nossos corações (embora não em todas as pessoas, nem em todos os tempos, na mesma medida) aquelas apreensões, afetos e graças que são necessários para o bom cumprimento do dever.[19]
São Paulo, 15 de março de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
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[1]“A oração não é um recurso conveniente para impormos a nossa vontade a Deus, ou para dobrar a Sua vontade à nossa, mas, sim, o meio prescrito de subordinar a nossa vontade à de Deus. É pela oração que buscamos a vontade de Deus, abraçamo-la e nos alinhamos com ela. Toda oração verdadeira é uma variação do tema, ‘Faça-se a tua vontade'” (John R.W. Stott, I,II e III João, Introdução e Comentário, São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1982, p. 159). Na mesma perspectiva, escreveu MacArthur: “A oração ajuda a alinhar os nossos desejos com a vontade de Deus. Ela agrada a Deus porque é um ato de obediência à Sua Palavra, mas não fornece informações adicionais a Ele” (John MacArthur, Deus: Face a face com sua majestade, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2013, p. 61).
[2]Charles Hodge, Systematic Theology, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1976 (Reprinted), v. 3, p. 705.
[3]A.W. Pink, Deus é Soberano, Atibaia, SP.: FIEL, 1977, p. 134. Veja-se também: R. Youngblood, Significados do Nomes nos Tempos Bíblicos. In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 3, p. 25.
[4] C.H. Spurgeon, Firmes na Verdade, Lisboa: Edições Peregrino, LDA., 1987, p. 85.
[5] Agostinho, Comentários aos Salmos, São Paulo: Paulus, 1998, v. 3, p. 12.
[6]“26 Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. 27 E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos” (Rm 8.26-27).
[7]Bernardo de Claraval (1090-1153), disse: “Não permitam que eu tenha tamanha miséria, pois dar a mim o que desejo, dar a mim o que meu coração almeja, é um dos mais terríveis julgamentos do mundo” (Apud Jeremiah Burroughs, Aprendendo a Estar Contente, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1990, p. 28).
[8]João Calvino, As Institutas ou Tratado da Religião Cristã, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, III.20.34. Comentando o texto de Romanos 8.26, Calvino segue a mesma linha: “O Espírito, portanto, é Quem deve prescrever a forma de nossas orações” (João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 8.26), p. 291). Ver também, J. Calvino, O Catecismo de Genebra, Perg. 254.
[9] Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, p. 34.
[10] R.C. Sproul, O Ministério do Espírito Santo, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 187.
[11]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 3, (III.9), p. 95.
[12]João Calvino, Catecismo de Genebra, Perg. 245. In: Catecismos de la Iglesia Reformada, Buenos Aires: La Aurora, 1962.
[13] Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo, Edinburgh: El Estandarte de la Verdad, (s.d.), Edição Revista, p. 190.
[14] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 91.12), p. 454.
[15]Juan Calvino, El Carácter de Job, Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 1), p. 28.
[16]J. Calvino, Catecismo de Genebra, Perg. 254.
[17]Leenhardt, comenta: “Para orar ‘como convém’ é preciso orar ‘segundo a vontade de Deus’; isto, entretanto, não pode advir senão de Deus, Que só Se conhece. O mais é ação estéril” (Franz J. Leenhardt, Epístola aos Romanos, São Paulo: ASTE., 1969, p. 226).
[18]“Com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito e para isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os santos” (Ef 6.18). “Vós, porém, amados, edificando-vos na vossa fé santíssima, orando no Espírito Santo” (Jd 20).
[19] Catecismo Maior de Westminster, Perg. 182.
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