A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (21)
6.3. Tornamo-nos filhos e herdeiros de Deus
Apesar de a eleição estar escondida no conselho secreto de Deus (que é a causa de nossa salvação), ainda assim a adoção de todos os que são implantados no corpo de Cristo pela fé no Evangelho é indiscutível. – João Calvino.[1]
Somos filhos de Deus; nosso status legal é fornecido em Cristo e garantido pelo Espírito Santo como um penhor até o dia da redenção total. Essa doutrina oferece o maior conforto e segurança aos crentes e os capacita a realizar grandes obras. – Herman Bavinck.[2]
Somente quando a cruz de Cristo satisfez sua exigência de santidade, foi possível ao Pai receber os homens como filhos. – H. Leitch.[3]
Alegres todos jubilemos,
Ao grande Salvador cantemos!
Ele como filhos seus nos escolheu
Ricas bênçãos ele já nos concedeu.
Seja “avante” o nosso lema triunfal,
Pois seguimos para o lar celestial – João Diener (1889-1963).[4]
Pela genuína fé em Cristo todos nós nos tornamos filhos de Deus, passando a ser guiados pelo Espírito. (Jo 1.12; Rm 8.14-17; Gl 3.26). Watson (c. 1620-1686) escreve de forma contundente: “A adoção é uma misericórdia proveniente das entranhas da graça”.[5]
É muito comum nos acostumarmos com privilégios que temos. Nesta acomodação, incorremos na banalização do que é significativo, distintivo e grandioso. Alguns tópicos que facilmente são desconsiderados como bênçãos de Deus, são: saúde, família, trabalho, amigos, liberdade, conforto, manutenção, estudo, estações de ano, tempo, etc.
As Escrituras declaram que somos filhos de Deus. Ele nos predestinou na eternidade tendo esta meta em vista, tornar-nos seus filhos. Quando Paulo se refere a Deus como pai (path/r) (Ef 1.2), destaca uma relação especial de Deus conosco.
Ainda que os conceitos complementares de nossa filiação divina e da paternidade divina estejam expressos em toda a Escritura,[6] o ensino de que somos filhos adotivos de Deus é característico do Novo Testamento. A palavra adoção é usada exclusivamente por Paulo para descrever o ato de Deus e os seus efeitos.[7] Pedro e João falam do mesmo assunto usando a palavra regeneração.[8]
Entre os gregos e romanos a prática da adoção envolvia a transferência de senhorio, uma redenção. O filho adotado passava da posse e controle do pai natural para o pai adotivo. Paulo parece valer-se deste conceito para mostrar que a nossa adoção envolve a libertação do pecado para Deus.[9]
Paulo diz que o propósito eterno de Deus é nos tornar seus filhos. Deus não apenas nos redime e restaura à sua comunhão o que por si só é extraordinário, mas ele nos quer como filhos. O seu amor eterno e paternal se materializa na concretização de uma nova relação onde ele se declara nosso pai e nós, como que aprendendo a falar, possamos, pelo Espírito dizer, “Abba Pai”: “Nos predestinou para ele, para a adoção de filhos (ui(oqesi/a)[10]” (Ef 1.5). “Aos olhos de Deus só somos verdadeiramente gerados quando somos enxertados em Cristo, fora de quem nada é encontrado senão morte”.[11]
Enquanto que pela justificação somos declarados justos perante Deus visto que Cristo, o Justo, levou sobre si os nossos pecados, a adoção consiste na declaração legal de que agora, um inimigo de Deus foi reconciliado com ele, nascendo de novo e, foi adotado como seu filho, ingressando na família de Deus, se relacionando pessoalmente com o seu Pai, passando, desta forma, a ter todos os privilégios e responsabilidades como tal.[12] A regeneração e a justificação se constituem no fundamento de nossa adoção. Tornamo-nos filhos porque Deus pelo Espírito nos gerou para ele. Por meio de Cristo, fomos declarados justos: não há mais condenação para nós (Rm 8.1).[13]
Fazendo uma analogia entre a adoção e a justificação, Packer diz: “A justificação é a bênção básica, sobre a qual a adoção se fundamenta; a adoção é a bênção do coroamento, para a qual a justificação abre o caminho”.[14] Aqui encontramos uma das maiores expressões de nossa eleição. Deus nos torna seus filhos por meio de seu Filho, Jesus Cristo.
A nossa adoção, como todas as demais bênçãos que temos é por meio de Jesus Cristo, segundo a vontade prazerosa do Pai (Ef 1.5). Deus por inteira graça nos escolheu para nos tornar seus filhos em Cristo. Assim, a obra sacrificial de Cristo sempre esteve dentro do propósito eterno de Deus.
Após a ressurreição, Jesus diz a Maria Madalena: “Vai ter com os meus irmãos, e dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus” (Jo 20.17). Devemos ressaltar que, se a nossa filiação é por adoção, a de Jesus Cristo é de natureza eterna: ele é eterna e necessariamente Filho de Deus. Nós, diferentemente, o somos pela graça. Daí, Jesus não falar de “nosso Pai”, mas, sim de “meu Pai e vosso Pai”.TodossomosfilhosdeDeus,contudo,anossarelaçãoédiferenteemcomparaçãoàfiliaçãodoVerboeterno.
Com exceção da ideia de criação de todas as coisas (At 17.24-29), a Bíblia em nenhum momento ensina a paternidade universal de Deus. Deus é Pai apenas do seu povo. Esta é a doutrina bíblica.
No próximo post continuaremos desenvolvendo esse tema.
Maringá, 05 de março de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
*Este post faz parte de uma série. Acesse aqui a série completa
[1]João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dedicatória) p. 32.
[2]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 182.
[3] H. Leitch, Adoção: In: Merril C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 1, p. 100.
[4]Hino Saudação, nº 179 no Hinário Novo Cântico. Música de João Diener (1889-1963) com arranjo e adaptação do missionário e compositor norte americano, que viveu muitos anos no Brasil (1980-2004), Ralph Eugene Manuel (1975).
[5]Thomas Watson, A Fé Cristã: Estudos baseados no breve catecismo de Westminster, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 270.
[6] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001.
[7] Ver: W.V. Martitz; E. Schweizer, ui(oqesia: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 8, p. 399.
[8]Cf. P.H. Davids, Adoção: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 19.
[9] Cf. H. Leitch, Adoção: In: Merril C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 1, p. 98. Calvino comenta: “O espantoso poder de Deus se exibe quando somos trazidos da morte para a vida; e quanto, sendo nós filhos do inferno, somos transformados em filhos de Deus e herdeiros da vida eterna” (João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.19), p. 43).
[10] ui(oqesia: *Rm 8.15,23; 9.4; Gl 4.5; Ef 1.5.
[11]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1997, (1Co 4.15), p. 143. “Cristo possui este nome por direito, ainda que, por natureza, seja o único Filho de Deus. Ele, porém, compartilha esta honra conosco por meio da adoção, quando somos enxertados em seu corpo” (João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.16), p. 133).
[12]Veja-se: Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo, Carlisle, Pennsylvania: El Estandarte de La Verdad, (s.d). p. 177. “A adoção conferia direitos, mas também tinha uma lista de deveres” (P.H. Davids, Adoção: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 19). “Pode-se definir adoção como proclamação da nova criatura em sua relação com Deus como Seu filho. Pela adoção, então, nos tornamos filhos de Deus, e nos são apresentados e dados os privilégios pertinentes à categoria da família de Deus” (D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 107). “Na regeneração Deus nos dá uma nova vida espiritual interior. Na justificação dá-nos o direito legal de estar diante dele. Mas na adoção Deus nos faz membros de sua família” (Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 615).
[13]“A natureza do cristão como novo homem em Cristo, como filho, é determinada, não pela adoção, e sim pela regeneração. Tornamo-nos filhos de Deus porque nascemos de novo, porque nos tornamos ‘participantes da natureza divina’, porque o Espírito Santo entra em nós, porque nascemos de cima, porque somos uma nova criação” (D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 107).
[14] J.I. Packer, Teologia Concisa, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 157.
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