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A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (14) - Hermisten Maia

A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (14)

 

4.4. Obediência

 

Se somos obedientes agora em atos pequenos, preparando-nos para os desafios maiores que Deus, em sua misericórdia, pode colocar em nossa jornada. Aprendamos de Jesus que toda obediência é importante. Obedeçamos nas coisas menores, para que estejamos preparados para as maiores. Entendamos o papel que os testes de fé cumprem na preparação para o que Deus pode ter planejado para nós no futuro. Sejamos mais e mais semelhantes a Jesus em sua resolução de obedecer, obedecer e obedecer, não importando o custo. – Bruce Ware.[1]

 

Em vão se tentam novas modalidades de obras para ganhar-se o favor de Deus, Cujo culto genuíno consta da só obediência. – João Calvino.[2]

 

 

“A pedra de toque da fé é quando espontaneamente recebem a palavra de Deus e continuam firmes e constantes em sua obediência a ela”, ensina Calvino.[3] 

Fé significa conhecer a Deus, e também, em saber o que Deus deseja que façamos. Fé envolve um compromisso entre nós e Deus. Nós fomos criados em Cristo para as boas obras (Ef 2.8-10). Deste modo, é inconcebível um “crente” de “muita fé” desobediente à Palavra e às determinações da Igreja – enquanto esta permanecer fiel à Palavra de Deus.

 

A obediência é fruto da genuína fé. A obediência é a fé manifestada. A fé é a obediência oculta.  A verdadeira fé se evidencia no fato de tomarmos a Bíblia como a nossa norma de vida. Não podemos crer realmente em Deus se desconsideramos a Sua Palavra e promessas.

 

A profissão de nossa fé se dá no ato de nossa obediência, conforme resumiu bem Bonhoeffer (1906-1945): “A resposta do discípulo não é uma confissão oral da fé em Jesus, mas sim um ato de obediência (…). Não há qualquer outro caminho para a fé senão o da obediência ao chamado de Jesus”.[4]

 

Portanto, ou a fé é obediente, ou senão, ela não é a legítima fé salvadora. Ninguém será salvo por uma declaração de fé, mas, pela graça, mediante uma fé declarada. A declaração vívida da fé se materializa em obediência.

 

Desse modo, assim como a fé é um dom gracioso de Deus, a nossa obediência é o resultado e fruto dessa mesma graça. A recompensa da obediência não é apenas final, mas, se processa no aprendizado da obediência submissa e sincera.[5] Obedecer é graça que se manifesta em gratidão.

 

A graça de Deus que gerou a fé em nossos corações produz invariavelmente de forma dinâmica uma poderosa influência transformadora e modeladora no nosso caráter.[6] A graça da fé nunca é estéril na construção de uma vida com novos valores e atitudes moldados pela Escritura.

 

Uma fé viva se revela em nossa caminhada, em nossas construções, desconstruções e em uma busca compromissada com a aplicação da Palavra aos desafios com os quais nos deparamos.

 

Os crentes efésios, por exemplo, eram um testemunho eloquente deste poder: A sua vida fora transformada. Paulo alude a isso considerando sempre a misericórdia operante de Deus a partir da qual ele descreve a antiga e a nova condição destes irmãos bem como os imbui de sua responsabilidade:

 

Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, 2 nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; 3 entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. 4 Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, 5 e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, — pela graça sois salvos, 6 e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; 7 para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus (Ef 2.1-7).

Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, 2 com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, 3 esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz; 4 há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; 5 há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; 6 um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos (Ef 4.1-6). (Vejam-se também: Ef 4.17-32; 5.1-21; 6.1-20)

 

Boas obras não são a causa de nossa salvação, contudo, são a evidência dela. Elas são frutos decisivos que testificam a realidade de Cristo em nossa vida.[7] Se a nossa fé em Deus não se manifestar de forma prática em um testemunho coerente e consistente, esta fé não é melhor do que a fé dos demônios.[8] Esta alegada fé solitária estaria morta. As obras que seguem à fé são resultantes de uma nova compreensão espiritual da realidade e um total engajamento com esta compreensão. Calvino acentua com propriedade: “A fé, sem a evidência de boas obras, é inutilmente pretendida, porque o fruto sempre provém da raiz viva de uma boa árvore”.[9]

 

Tiago argumenta que até mesmo os demônios têm uma fé discernidora: “Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem. Até os demônios creem e tremem” (Tg 2.19).

 

Por vezes, nas Escrituras, os demônios demonstram ter uma fé intelectualmente correta,

a) Reconhecendo a autoridade de Cristo (Mt 8.29-31; Mc 5.7),[10]

b) Sua divindade (Lc 4.41)[11] e a

c) Sua ressurreição (At 19.15).[12]

 

Contudo, isso em nada modifica a sua essência e ações malignas. Uma fé assim, inoperante, morta, não é a genuína fé salvífica.[13] De passagem, podemos dizer que esta fé não deixa de ser mais intensa do que a de muitos críticos antigos e modernos que negam a divindade e a ressurreição de Cristo.

 

Uma poderosa evidência da fé é a nossa firme perseverança na Palavra, preservando-a firmemente como fonte de orientação, correção e consolo.[14]

 

Fé significa conhecer a Deus, e também, saber o que Deus deseja que façamos. Fé envolve um compromisso entre nós e Deus. Nós fomos criados em Cristo para as boas obras (Ef 2.8-10). Deste modo, é inconcebível um “crente” de “muita fé” desobediente à Palavra e às determinações da Igreja – enquanto esta permanecer fiel à Palavra de Deus.

 

Deus é glorificado por meio de nossa obediência. Logicamente a nossa obediência não é meritória, contudo, a verdadeira fé inevitavelmente se revela em obediência. Deus tem prazer em nossa verdadeira expressão de fé por meio da obediência aos Seus mandamentos. Se a fé é graça, a obediência é gratidão.

 

Ao desobediente Saul, instrui e adverte Samuel:  “….Tem, porventura, o SENHOR tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do que a gordura de carneiros” (1Sm 15.22).

 

A satisfação de Deus reside na demonstração obediente de fé por parte de Seus filhos. Por isso a instrução de Paulo aos colossenses: “Filhos, em tudo obedecei a vossos pais; pois fazê-lo é grato diante do Senhor” (Cl 3.20).

 

Paulo, depois de apresentar diversas recomendações aos romanos concernentes ao modo de viver, inclusive em relação ao nosso próximo, declara: “Aquele que deste modo serve a Cristo é agradável a Deus e aprovado pelos homens” (Rm 14.18).

 

O escritor de Hebreus, concluindo a carta, apresenta diversas instruções. Entre elas, uma expressão de fé: “Não negligencieis, igualmente, a prática do bem e a mútua cooperação; pois, com tais sacrifícios, Deus se compraz” (Hb 13.16).

 

Jesus Cristo em Sua vida e ministério é o exemplo supremo de uma obediência perfeita e, portanto, agradável a Deus. Ele mesmo afirma de modo confiante e compromissado: “E aquele que me enviou está comigo, não me deixou só, porque eu faço sempre o que lhe agrada” (Jo 8.29). Por isso, nos momentos finais de Seu ministério terreno, ora ao Pai: “Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer” (Jo 17.4).

 

A profissão de fé que termina em si mesma, não é a fé salvadora. A fé bíblica dá um passo além, se evidenciando aos olhos humanos, em obediência.[15] A obediência cristã, portanto, é fruto da verdadeira fé. “Só o crente é obediente, e só o obediente é que crê”.[16] A fé se materializa em nossa obediência.[17] Esta inevitável expressão de fé agrada a Deus.[18] A fé correta se evidencia no fato de tomarmos a Bíblia como a nossa norma de vida, levando a sério o Senhor que nos instrui por meio de Sua Palavra (At 15.22-29; 16.4-5). (Vejam-se: Rm 1.4,5; 16.25,26; Hb 11.7,8, 17-19; Tg 2.14,20-23).

 

Agostinho (354-430), de modo poético, diz: “Ele chama e nós respondemos, não pela voz, mas pela fé; não pela língua, mas pela vida”.[19]

 

No Catecismo de Heidelberg (1563),[20] analisando a doutrina da Justificação, lemos: “Esta doutrina não torna as pessoas descuidadas e ímpias?”. Responde: “De forma alguma, pois é impossível que alguém que está enxertado em Cristo por uma verdadeira fé, não produza frutos de gratidão” (Pergunta 64).

 

Um crente seguro de sua salvação por graça, é um trabalhador ardoroso e fiel à Causa de Cristo; não um espectador irresponsável e indolente com uma suposta fé bem fundamentada.

 

Como vimos, a graça operante de Deus em nossa salvação continua a sua obra em nós de forma dinâmica nos conduzindo à obediência, conforme a Sua boa vontade. “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13).[21]

 

São Paulo, 26 de fevereiro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

Este post faz parte de uma série. Acesse aqui a série completa

 


 

[1] Bruce Ware, Cristo Jesus homem: Reflexões teológicas sobre a humanidade de Jesus Cristo, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 108.

[2]João Calvino, As Institutas, II.8.5.

[3]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 106.12), p. 676.

[4] Dietrich Bonhoeffer, Discipulado, 2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 20.

[5]“Existe uma recompensa, não somente após obedecer aos mandamentos de Deus, mas durante a obediência deles” (Matthew Henry, Comentário Bíblico de Matthew Henry, 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, (Sl 19), p. 411).

[6]D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 89; John MacArthur, Obediência: Amor ou legalismo?: In: Don Kistler, org. Crer e Observar: o cristão e a obediência, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 44.

[7]Veja-se: Robert B. Strimple, O Arrependimento em Romanos: In: M. Horton, org. Cristo o Senhor, São Paulo: Cultura Cristã, 2000, p. 64.

[8]Veja-se: J.C. Ryle, Santidade, São José dos Campos, SP.: FIEL, 1987, p. 40.

[9]John Calvin, Commentaries on the Epistle of James, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996, (Calvin’s Commentaries, v. 22/2), (Tg 2.18), p. 312. Um respeitado estudioso do pensamento e obra de Calvino, escreveu a esse respeito: “Fé e ação são absolutamente inseparáveis na ética calviniana. E esta ética não se contenta com ações ‘caritativas’ individuais, pois abarca toda a vida política coletiva no sentido mais amplo do termo, englobando as atividades econômicas e todas as relações sociais” (André Biéler, Calvino, o profeta de La era industrial: fundamentos y método de La ética calviniana de la sociedad, México, D.F.: Casa Unida de Publicaciones, 2015, p. 30).

[10]29 E eis que gritaram: Que temos nós contigo, ó Filho de Deus! Vieste aqui atormentar-nos antes de tempo? 30 Ora, andava pastando, não longe deles, uma grande manada de porcos. 31 Então, os demônios lhe rogavam: Se nos expeles, manda-nos para a manada de porcos” (Mt 8.29-31). “Exclamando com alta voz: Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Conjuro-te por Deus que não me atormentes!” (Mc 5.7).

[11]“Também de muitos saíam demônios, gritando e dizendo: Tu és o Filho de Deus! Ele, porém, os repreendia para que não falassem, pois sabiam ser ele o Cristo” (Lc 4.41).

[12]“Mas o espírito maligno lhes respondeu: Conheço a Jesus e sei quem é Paulo; mas vós, quem sois” (At 19.15).

[13]Veja-se: John MacArthur, O Evangelho Segundo os Apóstolos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2011, p. 198-199.

[14]“A pedra de toque da fé é quando espontaneamente recebem a palavra de Deus e continuam firmes e constantes em sua obediência a ela” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 106.12), p. 676).

[15] É muito esclarecedora a obra: R.C. Sproul, Estudos bíblicos expositivos em Romanos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 95-103.

[16]Dietrich Bonhoeffer, Discipulado, 2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 25.

[17]“A fé somente é fé no ato da obediência” (Dietrich Bonhoeffer, Discipulado, p. 25). “Aqueles que possuem a fé salvadora necessariamente, imediatamente começam a manifestar os frutos da fé, que são as obras da obediência” (R.C. Sproul, Justificação pela Fé Somente: a natureza forense da justificação: In: John F. MacArthur, Jr., et. al., A Marca da Vitalidade Espiritual da Igreja: Justificação pela Fé Somente, São Paulo: Editora Cultura Cristã, (2000), p. 34).

[18]“Suspeito que, da mesma maneira que Satanás acusa os cristãos para que sintam falsa culpa e falsa acusação, ele também tenta privá-los da grande alegria de conhecer o favor de Deus em suas atividades diárias e de saber que Deus se agrada com a obediência deles” (Wayne Grudem, Agradar a Deus com nossa obediência: um ensinamento negligenciado do Novo Testamento: In: S. Storms; J. Taylor, orgs. John Piper: ensaios em sua homenagem, São Paulo: Hagnos, 2013, p. 336).

[19]Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/3), 1998, (Sl (102)101), v. 3, p. 31.

[20]Esta Confissão foi escrita por dois jovens teólogos: Caspar Olevianus (1536-c. 1587) – quem recebeu influência de Melanchton (1497-1560) e de Peter Martyr Vermigli (1500-1562) – professor de teologia na Universidade de Heidelberg e Zacharias Ursinus (1534-1583), que fora aluno de Melanchton, em Wittenberg (1550-1557), bem como amigo de Calvino (1509-1564). Acusado de Criptocalvinismo (Calvinista disfarçado), foi para Zurique (1560), onde dirigiu o Collegium Sapientiae (1561). Para uma abordagem mais exaustiva, além da proveitosa e edificante leitura do Catecismo, consulte: Lyle D. Bierma, et. al. Introdução ao Catecismo de Heidelberg, São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

[21]Veja-se: John MacArthur, Obediência: Amor ou legalismo?: In: Don Kistler, org. Crer e Observar: o cristão e a obediência, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 44-45.

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