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A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (12) - Hermisten Maia

A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (12)

 

3.4. É resultado da nossa eterna eleição

 

Conforme já demonstramos, a fé nunca é autogerada por nossa suposta capacidade intelectual, emocional ou sensorial. Ela também não é geradora da graça, nem da eleição. Ao contrário, a eleição divina é-nos totalmente estranha até que nos conscientizemos desta realidade pela fé. A fé em nada é meritória. Uma fé autossuficiente seria uma negação de sua própria essência. A fé une o futuro e o além, ao aqui e agora. O passado, nesse caso, serve como elemento ilustrativo da fé de nossos irmãos que perseveraram e, também, de nossa própria fé vivenciada, a despeito de, por vezes, diminuta e cambaleante.

 

Fé é certeza do que ainda não aconteceu, do por vir como fato acontecido. Por isso, o tempo não serve de empecilho para fé, antes, para o exercício da esperança. Como exercitar a esperança no que já tenho (Hb 11.1). Ao contrário de qualquer filosofia humana, a fé cristã traz sólida esperança que é nutrida e preservada pela Palavra do Deus fiel. A esperança, por sua vez, é a expressão perseverante de fé

 

A vocação eterna é o caminho que Deus percorre para produzir fé em seus escolhidos. A vocação frutifica em fé, como resposta ao chamado divino.[1]

 

Agostinho (354-430), enfatiza: “Pois a misericórdia de Deus se lhe antecipa, sendo chamado para que cresse”.[2] A fé é um diálogo responsivo à graça, possibilitado pela graça. Pela graça Deus nos torna Seu povo, pela graça, respondemos professando a fé de que Ele é o nosso Deus e Pai. (Os 2.23; Zc 13.9/Sl 27.8; Rm 8.15-16).

 

A fé é a causa instrumental de nossa salvação; todavia, a causa essencial é a nossa eleição. Deus elege e chama eficazmente. A fé e o arrependimento são resultados da eleição.[3] Usando uma expressão de Calvino, podemos dizer que a “eleição é mãe da fé”.[4] Dito de outro modo:  “A fé é um fruto da eleição”.[5] A fé não é precondição da eleição, no entanto, ela evidencia e confirma como um selo a nossa eleição.[6] A eleição de Deus nunca cai no vazio. Na eleição eterna está embutida todos os elementos em que envolvem a nossa salvação até à consumação da obra divina em nossa vida. (Rm 8-29-31)

 

Calvino (1509-1564) resume em lugares diferentes:

 

A causa eficaz de fé não é a perspicácia de nossa mente, mas a vocação de Deus. E ele [Pedro] não se refere somente à vocação externa, que é em si mesma ineficaz; mas à vocação interna, realizada pelo poder secreto do Espírito, quando Deus não somente emite sons em nossas orelhas pela voz do homem, mas, pelo Seu próprio Espírito atrai intimamente nossos corações para Ele mesmo.[7]

O fundamento de nossa vocação é a eleição divina gratuita pela qual fomos ordenados para a vida antes que fôssemos nascidos. Desse fato depende nossa vocação, nossa fé, a concretização de nossa salvação.[8]

 

Deste modo, percebemos como Deus em Sua misericórdia em tudo se antecipou a nós;[9] a fé é dos eleitos de Deus (Tt 1.1). Aquele que crê é um eleito de Deus. No entanto, devemos enfatizar que esta relação não é mecânica: eleição e fé. Os eleitos “não são eleitos porque creram, mas são eleitos para que cheguem a crer”.[10]

 

Paulo associa o seu ministério como um serviço aos eleitos, na promoção da fé dos eleitos (Tt 1.1)

A Palavra nos ensina que fomos eleitos para que tivéssemos fé; e esta fé é gerada e sedimentada em nossos corações pelo Espírito por meio do conhecimento de Cristo. “A fé salvadora é um salto à luz porque se baseia no conhecimento do Senhor Jesus Cristo”, afirma Kuiper (1886-1966).[11] E o conhecimento de Cristo deve ser a nossa vocação incondicional. “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17.3).

 

Paulo considerou todas as outras coisas como perda, diante da realidade sublime do conhecimento de Cristo. Conhecer a Cristo era a sua prioridade. Ele declara: “Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus meu Senhor: por amor do qual, perdi todas as cousas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo” (Fp 3.8).[12]

 

Desta forma, podemos dizer que:

a) Todos os eleitos creem: Jo 10.16,27-29; 6.37,39; 17.2,9,24.

b) Só os eleitos creem: Jo 10.26.

c) Os que creem, fazem-no por serem eleitos: At 13.48/Tt 1.1.

 

Portanto, toda a honra e glória pertencem a Deus (Ef 2.5,8-10). (Vejam-se: 1Ts 1.3,4; 2Ts 2.13; Tg 2.5; Jd 3).

 

São Paulo, 26 de fevereiro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

Este post faz parte de uma série. Acesse aqui a série completa

 


 

[1] Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 670.

[2] Agostinho, A Graça (II), São Paulo: Paulus, 1999, p. 193. “É em razão de ser misericordioso que Deus primeiro nos recebe em sua graça, e então prossegue nos amando” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 1.2), p. 27).

[3] “O arrependimento não está no poder do homem” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 6.6), p. 155).

[4] Ver: J. Calvino, As Institutas, III.22.10.

[5]João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 76.

[6] Ver: J. Calvino, As Institutas, III.24.3.

[7] John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (reprinted), v. 22, (2Pe 1.3), p. 369.

[8]João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 4.9), p. 128.

[9] Veja-se: Agostinho, On The Gospel of St. John. In: Philip Schaff; Henry Wace, eds. Nicene and Post-Nicene Fathers of Christian Church, (First Series), 2. ed. Peabody, Massachusettes, Hednrickson Publishers, 1995, Tractate 86 (Jo 15.16), p. 354.

[10]Agostinho, A Graça (II), São Paulo: Paulus, 1999, p. 194. “Deus escolheu os crentes, mas para que o sejam e não porque já o eram” (Agostinho, A Graça (II), p. 195). “Não cremos porque nos escolheu, mas escolheu-nos para crermos, para que não digamos que o escolhemos….” (Agostinho, A Graça (II), p. 200).

[11]R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1985, p. 230. Figura semelhante é empregada por McGrath: “A fé, portanto, tem de ser vista como uma forma de crença motivada ou justificada. Não é um salto cego no escuro, mas a jubilosa descoberta de um quadro mais abrangente das coisas, do qual fazemos parte. É algo que induz e convida à sanção racional, e não algo que a compele. A fé diz respeito a ver as coisas que os outros deixaram passar e apreender sua relevância mais pofunda” (Alister E. McGrath, Surpreendido pelo sentido: ciência, fé e o sentido das coisas, São Paulo: Hagnos, 2015, p. 14).

[12] “O conhecimento de Deus não está posto em fria especulação, mas Lhe traz consigo o culto” (João Calvino, As Institutas, I.12.1) “Jamais poderemos conhecer demasiadamente as grandes doutrinas da fé, mas se esse conhecimento não nos leva a uma experiência cada vez mais profunda do amor de Cristo, não passa de conhecimento que ‘incha’ (1Co 8.1)” (D.M. Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 8. “Prefácio”). “O conhecimento é absolutamente essencial; sem conhecimento não pode haver nenhum crescimento. Todavia o conhecimento, no sentido verdadeiramente cristão, nunca é meramente intelectual. É assim, e isso porque é o conhecimento de uma Pessoa. O propósito de toda doutrina, o valor de toda instrução, é levar-nos à Pessoa do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (D.M. Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, p. 165).

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