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A quem oramos? (Mt 6.6,9) (3) - Hermisten Maia

A quem oramos? (Mt 6.6,9) (3)

Este artigo faz parte de uma série. Confira os demais textos:

A quem oramos? (Mt 6.6,9) (1)

A quem oramos? (Mt 6.6,9) (2)

 


Assim como abordamos no texto anterior, precisamos “que o mesmo Deus nos ensine, conforme ao que Ele sabe que convém, e que Ele nos leve guiando como que pela mão, e que nós o sigamos”.[1] Orar como convém é orar segundo a vontade de Deus, colocando os nossos desejos em harmonia com o santo propósito de Deus;[2] isto só é possível pelo Espírito de Deus que Se conhece perfeitamente (1Co 2.10-12).[3] Assim, toda oração genuína é sob a orientação e direção do Espírito (Ef 6.18; Jd 20). O Catecismo Maior de Westminster diz: “Não sabendo nós o que havemos de pedir, como convém, o Espírito nos assiste em nossa fraqueza, habilitando-nos a saber por quem, pelo quê, e como devemos orar; operando e despertando em nossos corações (embora não em todas as pessoas, nem em todos os tempos, na mesma medida) aquelas apreensões, afetos e graças que são necessários para o bom cumprimento do dever”.[4]

 

O Espírito ora conosco e por nós; Ele, juntamente com Cristo, em esferas diferentes, intercede por nós: “Cristo intercede por nós no céu, e o Espírito Santo na terra. Cristo nosso Santo Cabeça, estando ausente de nós, intercede fora de nós; o Espírito Santo nosso Consolador intercede em nosso próprio coração quando Ele o santifica como Seu templo”, contrasta Kuyper (1837-1920).[5]

 

A intercessão de Cristo respalda-se nos Seus merecimentos, obtendo para os Seus eleitos, os frutos da Sua Obra expiatória (Rm 8.34; Hb 7.25; 1Jo 2.1).[6] O Espírito intercede por nós considerando as nossas necessidades vitais e costumeiramente imperceptíveis aos nossos próprios olhos.

 

Calvino (1509-1564) observou que na oração, “a língua nem sempre é necessária, mas a oração verdadeira não pode carecer de inteligência e de afeto de ânimo”,[7] a saber: “O primeiro, que sintamos nossa pobreza e miséria, e que este sentimento gere dor e angústia em nossos ânimos. O segundo, que estejamos inflamados com um veemente e verdadeiro desejo de alcançar misericórdia de Deus, e que este desejo acenda em nós o ardor de orar.”[8]

 

Spener (1635-1705), falando sobre a oração, segue uma linha semelhante: “Não é suficiente que se ore exteriormente, com a boca, pois a oração verdadeira e mais necessária acontece no nosso ser interior, podendo expressar-se em palavras ou permanecer na alma, mas, de qualquer maneira, lá acha e encontra Deus”.[9]

 

O Espírito, que procede do Pai e do Filho, é Quem nos guia em nossas orações, fazendo-nos orar corretamente ao Pai. De fato, Deus propiciou para nós todos os elementos fundamentais para a nossa santificação (2Pe 1.3); a ação do Espírito aponta nesta direção, indicando também, que as nossas orações são “imperfeitas, imaturas, e insuficientes”, por isso Ele nos auxilia, nos ensinando a orar como convém.

 

Paulo fala que nós, os crentes em Cristo, recebemos o Espírito de ousada confiança em Deus, que nos leva, na certeza de nossa filiação divina, a clamar ”Aba, Pai”. ”Porque não recebestes o espírito de escravidão para viverdes outra vez atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai” (Rm 8.15). O fato de Paulo usar a mesma expressão de Cristo para nós “significa que, quando Jesus deu a Oração Dominical aos Seus discípulos, também lhes deu autoridade para segui-Lo em se dirigirem a Deus como ‘abbã’, dando-lhes, assim, uma participação na Sua condição de Filho”.[10] Somente pelo Espírito poderemos nos dirigir a Deus desta forma, como uma criança que se lança sem reservas nos braços do seu Pai Amoroso.

 

Quando oramos sabemos que estamos falando com o nosso Pai. Desta forma, a oração é uma prerrogativa dos que estão em Cristo. Somente os que estão em Cristo pela fé, têm a Deus como o seu legítimo Pai (Jo 1.12; Rm 8.14-17; Gl. 4.6; 1Jo 3.1-2). De onde se segue que esta oração (Pai Nosso), apesar de não mencionar explicitamente o nome de Cristo, é feita no Seu nome, visto que somos filhos de Deus – e é nesta condição que nos dirigimos a Deus –, através de Cristo Jesus (Gl 3.26).[11] Portanto, quando oramos o Pai Nosso sinceramente, na realidade estamos orando no nome de Jesus Cristo pois, foi Ele mesmo quem nos ensinou a fazê-lo. Assim, devemos, pelo Espírito – nosso intercessor –, no nome de Jesus – nosso Mediador –, orar: “Pai nosso que estás no céu….”.

 

O Espírito que em nós habita e nos leva à oração testemunha em nós que somos filhos de Deus. “O próprio Espírito testifica (summarture/w) com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16); O Pai Nosso é a “Oração dos Filhos”.[12]

 

Orar ao Pai não significa simplesmente usar o Seu nome, mas, sim, dirigir-nos de fato a Ele conforme os Seus preceitos, em submissão à Sua vontade. Uma oração francamente oposta aos ensinamentos de Jesus não pode ser considerada de fato uma oração dirigida ao Pai, por mais que usemos e repitamos o nome de Jesus.

 

O problema, dentro do contexto vivido por Jesus, é que muitos dos judeus, na realidade, ofereciam as suas orações aos homens, mesmo usando o nome de Deus. Usar o nome de Deus não é garantia de estarmos nos dirigindo a Ele. Do mesmo modo, podemos estar tão preocupados com a forma de nossas orações que nos esquecemos do Pai; é a Ele que a nossa oração é destinada; portanto, cabe a Ele, que vê em secreto, julgá-la. A nossa oração não necessita ter publicidade para que Deus a ouça; Ele vê em secreto e nos recompensa conforme o que vê (Mt 6.6).

 

No Antigo Testamento, por intermédio de Isaías, Deus recrimina os judeus dizendo que eles sacrificavam simplesmente porque gostavam de fazê-lo, não porque quisessem agradá-Lo. O ritual é que era prazeroso, não a satisfação de Deus: “Como estes escolheram os seus próprios caminhos, e a sua alma se deleita nas suas abominações, assim eu lhes escolherei o infortúnio e farei vir sobre eles o que eles temem; porque clamei e ninguém respondeu, falei, e não escutaram; mas fizeram o que era mau perante mim, e escolheram aquilo em que eu não tinha prazer” (Is 66.3-4).

 

Bonhoeffer (1906-1945) faz uma analogia significativa:

 

Uma criança aprende a falar porque seu pai fala com ela. Ela aprende a falar a língua paterna. Assim também nós aprendemos a falar com Deus, porque Deus falou e fala conosco. Pela palavra do Pai no céu seus filhos aprendem a comunicar-se com Ele. Ao repetir as próprias palavras de Deus, começamos a orar a Ele. Não oramos com a linguagem errada e confusa de nosso coração, mas pela palavra clara e pura que Deus falou a nós por meio de Jesus Cristo, devemos falar com Deus, e Ele nos ouvirá.[13]

 

Orar é exercitar a nossa confiança no Deus da Providência, sabendo que nada nos faltará, porque Ele é o nosso Pai. A oração tem sempre uma conotação de submissão confiante. Portanto, orar ao Pai, significa sintonizar a nossa vontade com a dEle; sabendo que Ele é santo e a Sua vontade também o é (Mt 6.9,10).

 

A presença e direção do Espírito na vida do povo de Deus é uma realidade. Desconsiderar este fato significa desprezar o registro bíblico e o testemunho do Espírito em nós (Rm 8.16). “A vida cristã é companheirismo com o Pai e com o Filho, Jesus Cristo, por meio do Espírito Santo”.[14]

 

O Espírito em nós é uma fonte de consolo e estímulo a perseverança e obediência devida a Deus. Consideremos este fato – à luz da Palavra e da nossa experiência – em todos os nossos caminhos, e o Espírito mesmo nos iluminará.

 

Maringá, 2 de janeiro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


 

[1]J. Calvino, Catecismo de Genebra, Perg. 254.

[2]“A oração não é um recurso conveniente para impormos a nossa vontade a Deus, ou para dobrar a Sua vontade à nossa, mas, sim, o meio prescrito de subordinar a nossa vontade à de Deus. É pela oração que buscamos a vontade de Deus, abraçamo-la e nos alinhamos com ela. Toda oração verdadeira é uma variação do tema, ‘Faça-se a tua vontade’.” (John R.W. Stott, I,II e III João, Introdução e Comentário, São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1982, p. 159).

[3]Leenhardt, comenta: “Para orar ‘como convém’ é preciso orar ‘segundo a vontade de Deus’; isto, entretanto, não pode advir senão de Deus, Que só Se conhece. O mais é ação estéril.” (Franz J. Leenhardt, Epístola aos Romanos, São Paulo: ASTE., 1969, p. 226).

[4] Catecismo Maior de Westminster, Perg. 182.

[5] Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, Chaattanooga: AMG. Publishers, 1995, p. 670.

[6] “Não temos como medir esta intercessão pelo nosso critério carnal, pois não podemos pensar do Intercessor como humilde suplicante diante do Pai, com os joelhos genuflexos e com as mãos estendidas. Cristo contudo, com razão intercede por nós, visto que comparece continuamente diante do Pai, como morto e ressurreto, que assume a posição de eterno intercessor, defendendo-nos com eficácia e vívida oração para reconciliar-nos com o Pai e levá-lo a ouvir-nos com prontidão” (J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 8.34), p. 304).

[7]J. Calvino, Catecismo de Genebra, Perg. 240.

[8]J. Calvino, Catecismo de Genebra, Perg. 243.

[9]Ph. J. Spener, Mudança para o Futuro: Pia Desideria, São Paulo; Curitiba. PR.: Encontrão Editora/Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, São Bernardo do Campo, SP.: 1996, p. 119.

[10] O. Hofius, Pai: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 383.

[11] Veja-se: Calvino, As Institutas, III.20.36.

[12] Conforme expressão de Lloyd-Jones (1899-1981) (D.M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, São Paulo: FIEL., 1984, p. 358). Veja-se: a relação feita por Calvino entre a oração e a convicção de nossa filiação divina (João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 8.16), p. 279-280).

[13] Dietrich Bonhoeffer, Orando com os Salmos, Curitiba, PR.: Encontrão Editora, 1995, p. 12-13.

[14]D.M. Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 1), p. 98.

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