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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (81) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (81)

C) Ensina

“Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para ensino, (didaskali/a)[1] para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2Tm 3.16).

    Muitas pessoas querem saber do seu futuro, o que as aguarda e se serão bem sucedidas em seus projetos, buscando para isso orientação em cartas de baralho, jogo de búzios, em mapas astrais, por meio da necromancia, revelações sobrenaturais e “caixinhas de promessa”. Todavia, Paulo diz que a Palavra de Deus é útil para o nosso ensino; não para fazer previsões, para ficar entregue aos nossos casuísmos interpretativos ou, para satisfazer às nossas curiosidades pecaminosas. Ela é útil para o ensino. Deus quer nos falar por intermédio da sua Palavra.

    Por isso, Paulo enfatiza a responsabilidade de Timóteo e Tito – como de todos os Ministros de Deus –, de meditar, preservar e ensinar a sã doutrina (1Tm 4.6,13,16; Tt 1.9; 2.1,7) pois, diz ele:

Haverá tempo (kairo/j)[2] em que não suportarão a sã doutrina (didaskali/a); pelo contrário, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas (mu=qoj = lenda, mito).[3] (2Tm 4.3-4).

    Pode soar estranho, mas, ao que parece, a gravidade do ensino bíblico juntamente com seriedade de suas reivindicações, fazem com que o homem não queira saber dele, preferindo uma mensagem mais “light”, que quando muito mexa com seus músculos, mas não com a sua mente e coração.

    Para muitas pessoas, a religião ocupa um lugar reservado para as crianças, as mulheres, os pobres, os velhos ou, quando a medicina confessa a sua impotência, aí, nesta brecha, a religião pode ter algum relevo: peço ou encomendo algumas orações. O homem longe de Deus e avesso à sua Palavra, quando possível, fabrica e molda seus mestres e, domestica os outros.

    Na mesma linha de raciocínio, o escritor de Hebreus pede aos seus leitores que suportem aquela exortação que fizera; em outras palavras, pede que suportem a “sã doutrina”: “Rogo-vos ainda, irmãos, que suporteis (a)ne/xomai) a presente palavra de exortação; tanto mais quanto vos escrevi resumidamente” (Hb 13.22).

    Por sua vez, não devemos “suportar” os falsos mestres com seus ensinos enganosos. Paulo receia isso pelos coríntios. Logo eles que eram tão críticos em relação a Paulo e tão tolerantes para com o ensino enganoso, que se constituía num “evangelho” estranho e oposto ao ensinado pelo Apóstolo. Notemos que os falsos mestres não apresentavam uma imagem de Jesus corrompida, mas, tentavam distorcer os seus ensinamentos:

Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a Cristo. Se, na verdade, vindo alguém, prega outro (a)/lloj) Jesus que não temos pregado, ou se aceitais espírito diferente (e(/teroj) que não tendes recebido, ou evangelho diferente (e(/teroj) que não tendes abraçado, a esse, de boa mente (kalw=j), o tolerais (a)ne/xomai) (2Co 11.3-4).

    À frente, Paulo acusa os coríntios de estarem alegremente (“boa mente” h(de/wj),[4] com satisfação e deleite, “tolerando” os insensatos: “Porque, sendo vós sensatos, de boa mente tolerais (a)ne/xomai) os insensatos” (2Co 11.19).

    A Palavra de Deus nos ensina preventivamente. Cabe aos ministros de Deus ministrá-la fielmente, para que a Igreja seja aperfeiçoada em santidade e, assim,“não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro, e levados ao redor por todo vento de doutrina (didaskali/a), pela artimanha (kubei/a)[5]dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro” (Ef 4.14).

    Calvino enfatiza que “Deus nos deu sua Palavra na qual, quando fincamos bem as raízes, permanecemos inamovíveis; os homens, porém, fazendo uso de suas invenções, nos extraviam em todas as direções”.[6]

    Somente quando a Igreja se dispõe a aprender com discernimento a Palavra  pode, de fato, ter discernimento para interpretar corretamente os outros ensinos.

    Paulo alerta a Timóteo como pastor:

Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos (didaskali/a)de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentiras, e que têm cauterizada a própria consciência. (1Tm 4.1-2).

Infelizmente, muitas vezes, nós procuramos na Palavra apenas uma confirmação de nossos intentos, de nossos propósitos; queremos apenas que ela nos diga o que desejamos ouvir. Contudo, a observação de Paulo permanece: Toda a Escritura é proveitosa para o ensino… “Pois tudo quanto outrora foi escrito, para o nosso ensino (didaskali/a)foi escrito” (Rm 15.4). Precisamos ter a “santa modéstia” de deixar que as Escrituras corrijam a nossa teologia e a nossa prática.

    Por outro lado, vemos também a responsabilidade dos Ministros: Usar a Palavra dentro do propósito para a qual Ela nos foi dada.

    Calvino, pastoralmente orienta: “Deus mesmo não desce do céu para nós, nem diariamente nos envia mensageiros angelicais para que publiquem sua verdade, senão que usa as atividades dos pastores, a quem destinou para esse propósito”.[7] À frente: “Em relação aos homens, a Igreja mantém a verdade porque, por meio da pregação, a Igreja a proclama, a conserva pura e íntegra, a transmite à posteridade”.[8]

    Calvino entendia que “a verdade, porém, só é preservada no mundo através do ministério da Igreja. Daí, que peso de responsabilidade repousa sobre os pastores, a quem se tem confiado o encargo de um tesouro tão inestimável!”.[9]

     Escrevendo a Cranmer (jul/1552?) diz: “A sã doutrina certamente jamais prevalecerá, até que as igrejas sejam melhor providas de pastores qualificados que possam desempenhar com seriedade o ofício de pastor.”[10]

    Em outro lugar:

Quanto maior for a dificuldade em ministrar fielmente à Igreja, mais solícito deve ser o pastor em aplicar todas as suas faculdades nesse ministério; não apenas por um curto tempo, mas com inexaurível perseverança. Paulo lembra a Timóteo que, nesta obra, não há espaço para indolência ou frouxidão, pois ela requer a máxima solicitude e assiduidade.[11]    

Maringá, 21 de dezembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] A palavra significa “ato de ensino”, “instrução”, “treinamento”, podendo ser também empregada na forma passiva, indicando “aquilo que é ensinado”, “instrução”, “doutrina” (* Mt 15.9; Mc 7.7; Rm 12.7; 15.4; Ef 4.14; Cl 2.22; 1Tm 1.10; 4.1,6,13,16; 5.17; 6.1,3; 2Tm 3.10,16; 4.3; Tt 1.9; 2.1,7,10).

[2]A ideia da palavra é de “oportunidade”, “tempo certo”, “tempo favorável”, etc. (Vd. Mt 24.45; Mc 12.2; Lc 20.10; Jo 7.6,8; At 24.25; Gl 6.10; Cl 4.5; Hb 11.15). Ela enfatiza mais o conteúdo do tempo. Este termo que ocorre 85 vezes no NT é mais comumente traduzido por “tempo”, surgindo, então, algumas variantes, indicando a ideia de oportunidade. Assim temos (Almeida Revista e Atualizada): Tempo e tempos: Mt 8.29; 11.25; 12.1; 13.30; 14.1; Lc 21.24; At 3.20; 17.26; “Devidos tempos”: Mt 21.41; “Tempo determinado”: Ap 11.18; “Momento oportuno”: Lc 4.13; “Tempo oportuno”: Hb 9.10; 1Pe 5.6; Oportunidade: Lc 19.44; Gl 6.10; Cl 4.5; Hb 11.15; Devido tempo: Lc 20.10; Presente: Mc 10.30; Lc 18.30; “Circunstâncias oportunas”: 1Pe 1.11; Algum tempo: Lc 8.13; Hora: Lc 8.13; 21.8; Época: Lc 12.56; At 1.7; 1Ts 5.1 (Xro/nwn kai\ tw=n kairw=n); 1Tm 6.15; Hb 9.9; Ocasião: Lc 13.1; 2Ts 2.6; 1Pe 4.17; Estações: At 14.17; Vagar: At 24.25; Avançado: Hb 11.11.

            No texto que estamos analisando, Paulo está dizendo que aquelas pessoas que hoje ouvem a Palavra com interesse e avidez poderão não ouvir em outras épocas ou circunstâncias, daí a nossa responsabilidade de anunciar a Palavra de Deus e o nosso senso de urgência…

[3]“[A] fé saudável equivale à fé que não sofreu nenhuma corrupção proveniente de fábulas” [João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.14), p. 320]. “Se porventura desejarmos conservar a fé em sua integridade, temos de aprender com toda prudência a refrear nossos sentidos para não nos entregarmos a invencionices estranhas. Pois assim que a pessoa passa a dar atenção às fábulas, ela perde também a integridade de sua fé” (João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.14), p. 320).

[4]h)de/wj * Mc 6.20; 12.37; 2Co 11.19. A palavra é proveniente de h(donh/, “deleite”, “prazer” (*Lc 8.14; Tt 3.3; Tg 4.1,3; 2Pe 2.13). h(donh/, de onde vem o termo “hedonista”, é sempre usada negativamente no Novo Testamento. (Ver: E. Beyreuther, Desejo: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, Vol. I, p. 606-608; In: G. Stählin, h)donh/: In: Friedrich; G. Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983, Vol. II, p. 909-926).

[5]kubei/a (só ocorre aqui em todo o Novo Testamento), palavra que vem de ku/boj, astúcia, dolo, que, passando pelo latim, cubus, chegou a nossa língua como cubos, dados. Significa a habilidade para manipular os dados, usando de truques para iludir e persuadir. Paulo emprega a palavra figuradamente para se referir ao homem que usa de todos os seus truques para enganar, dar pistas erradas e driblar; revelando aqui a habilidade de um jogador profissional sem escrúpulos, que obviamente quer levar vantagem a qualquer preço.

[6] João Calvino, Efésios, (Ef 4.14), p. 128-129.

[7]João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 97.

[8]João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 98. Veja-se também, As Institutas, IV.1.5. Do mesmo modo, Lloyd-Jones:“O pastor é aquele a cujos cuidados são confiadas almas. Não é apenas um homem fino e agradável que visita as pessoas, toma uma chávena de chá com elas à tarde ou se entretém com elas. Ele é o guardião, o vigia, o preceptor, o organizador, o diretor, que governa o rebanho. O mestre ministra instrução na doutrina, na verdade” (David M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 167).

[9] João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 97.Comentando sobre a necessidade do bispo ser apegado à Palavra fiel, diz: “Este é o principal dote do bispo que é eleito especificamente para o magistério sagrado, porquanto a Igreja não pode ser governada senão pela Palavra” (J. Calvino, As Pastorais, (Tt 1.9), p. 313). Vejam-se também, As Institutas, IV.1.5; João Calvino, Efésios, (Ef 4.12), p. 124-125. “A erudição unida à piedade e aos demais dotes do bom pastor, são como uma preparação para o ministério. Pois, aqueles que o Senhor escolhe para o ministério, equipa-os antes com essas armas que são requeridas para desempenhá-lo, de sorte que lhe não venham vazios e despreparados” (João Calvino, As Institutas, IV.3.11). “Não se requer de um pastor apenas cultura, mas também inabalável fidelidade pela sã doutrina, ao ponto de jamais apartar-se dela” (J. Calvino, As Pastorais, (Tt 1.9), p. 313).

[10]Calvin to Cranmer, Letter 18. In: John Calvin Collection, The AGES Digital Library, 1998. Do mesmo modo, Letters of John Calvin, Selected from the Bonnet Edition, p. 141-142.

[11] João Calvino, As Pastorais, (1Tm 4.14), p. 124.

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