A Pessoa e Obra do Espírito Santo (79)
6.1.9. A praticidade e eficácia da Palavra
O escritor da Epístola aos Hebreus declara que “a Palavra de Deus é viva e eficaz” (Hb 4.12). Ela não é uma verdade morta, que desperta curiosidade apenas por fazer parte do ossuário, das relíquias, da arqueologia ou da historiografia, sendo estudada unicamente como um exercício de reflexão histórica para a nossa mera curiosidade, ou, quem sabe, para entendermos como viviam os povos na Antiguidade. Não, a Palavra de Deus é uma verdade viva, que tem a mesma vivacidade de quando foi revelada por Deus aos seus servos, que a registraram inspirados pelo Espírito Santo. Ela continua com a mesma eficácia para os questionamentos existenciais do homem moderno.
Muitas vezes, o problema de nós, homens do século XXI – e até mesmo para muitos de nós cristãos, e digo isso com pesar – é que amiúde, sem percebermos, trocamos os preceitos da Bíblia por conselhos de revistas, por modismos veiculados pelos meios de comunicação, pelo modus vivendi e faciendi contemporâneos. Substituímos a Bíblia pela psicologia, filosofia, sociologia, antropologia e até mesmo, astrologia, colocando-as como o nosso parâmetro de comportamento, em detrimento da inerrante, infalível Palavra de Deus, que é a verdade verdadeira, viva e eficaz de Deus para nós. Isso tudo nós fazemos, em nome de uma suposta “prática”, esquecendo-nos de que toda e cada parte do ensino bíblico é urgente e necessariamente prática, relevante para nós.
Como escreveu Lloyd-Jones: “Não há livro mais prático do que a Bíblia. Ela é o livro que fala ao mundo como ele se encontra neste exato momento”.[1]
Jesus Cristo, a Palavra encarnada, nos diz: “Eu sou a luz (fw=j) do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz (fw=j) da vida” (Jo 8.12/Is 49.6).[2] Somente a Palavra de Deus pode transmitir a alegria real e duradoura ao nosso coração. Ela dispersa as nuvens de incertezas e contradições de uma sociedade pervertida, nos mostrando os verdadeiros valores. No ato de seguir as veredas de Deus, vamos descobrindo a sensatez e alegria da obediência: os nossos caminhos vão se aclarando: “A vereda dos justos é como a luz (rAa) (‘ôr) da aurora, que vai brilhando (rAa)[3] (‘ôr) mais e mais até ser dia perfeito” (Pv 4.18).
Assim, gradativamente, esta alegria vai se refletindo até mesmo em nosso semblante: “Quem é como o sábio? E quem sabe a interpretação das coisas? A sabedoria do homem faz reluzir o seu rosto (rAa) (‘ôr), e muda-se a dureza da sua face” (Ec 8.1).
Quando adotamos esta “prática” destoante das Escrituras, cometemos uma total inversão de valores: Assimilamos os conceitos humanos que, quando corretos, nada acrescentam à Palavra, mas que, na realidade, na maioria das vezes, estão totalmente equivocados, porque desconhecem a dimensão do eterno, os valores celestiais para a nossa vida aqui e agora e, por isso mesmo, apresentam ensinamentos mundanos, frutos de uma geração corrompida.
Tais conceitos assumem na vida da Igreja um papel orientador! A Igreja, ao contrário disso, é chamada a ser uma antítese ativa contra os valores deste século. Ela é convocada a viver a Palavra, a considerá-la como de fato é, a Palavra infalivelmente viva e eficaz para a nossa vida. A Palavra final de Deus para a nossa existência terrena.
A Bíblia não é um livro teórico, com regras ultrapassadas, circunscritas a épocas e culturas; antes, ela é um livro prático, que traz princípios preventivos e profiláticos para todos os problemas antigos, modernos e futuros.
O que dificulta a nossa situação. é que, na história da humanidade, nenhum povo observou fielmente os mandamentos de Deus. Contudo, podemos notar que aqueles que, ainda que por um pouco de tempo da sua história, procuraram moldar a sua prática pela Palavra de Deus, colheram os frutos das promessas divinas, guardados para aqueles que lhe obedecem.
A Lei de Deus continua sendo o princípio norteador de toda a vida cristã. Deus continua ordenando que nós não adulteremos, não roubemos, não matemos, que honremos os nossos pais, que o adoremos com exclusividade. Por isso é que “entre todas as filosofias de vida, a única que nos orientará seguramente para agradá-lo tem de ser aquela ensinada na Bíblia”, resume Shedd (1929-2016).[4]
Especialmente à luz do Salmo 119 e de seu resumo, o Salmo 19, meditemos um pouco sobre a praticidade da Palavra de Deus, analisando como ela permanece um guia prático e atual para todo o nosso pensar e agir.
A) Fortalece
O salmista confessa e suplica a Deus: “A minha alma de tristeza verte lágrimas: fortalece-me segundo a tua palavra” (Sl 119.28).
Nos momentos de angústia e dificuldade; quando temos a nítida consciência de nossa fraqueza, podemos buscar na Palavra de Deus a sua força que nos ampara e fortalece: a Palavra de Deus é um sustentáculo para todos nós.
Por certo todos já tivemos esta experiência com Deus, de encontrar na sua Palavra a força para resistir às tentações, superá-las, para prosseguir em nossa caminhada, para dizer não ao pecado e às pressões, que muitas vezes querem nos distanciar de Deus e da sua Palavra.
A Palavra nos sustenta em nosso abatimento não permitindo que soçobremos, desanimemos e, assim, possamos continuar de modo perseverante em nossa caminhada de obediência.
A promessa de Deus permanece para sempre: “Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres porque eu sou o teu Deus; eu te fortaleço e te ajudo, e te sustento com a minha destra fiel”(Is 41.10).
O Salmista descreve a sua experiência: “Não fosse a tua lei ter sido o meu prazer, há muito já teria eu perecido na minha angústia” (Sl 119.92).
Graham (1918-2018) ilustra esse ensinamento citando um ex-prisioneiro da guerra do Vietnã, que narra como muitos americanos que eram prisioneiros como ele, desenvolveram um sistema de código por meio do qual se comunicavam entre si, sem serem compreendidos pelos inimigos, passando seus nomes e números, bem como versículos bíblicos de que tinham lembrança. Muitos foram desta forma, sustentados pelo Espírito, por meio da Palavra, para que pudessem resistir àquele sofrimento.[5]
Quando Paulo estava preso, escreveu a Timóteo:“Quando vieres, traze a capa que deixei em Trôade em casa de Carpo, bem como os livros, especialmente os pergaminhos”(2Tm 4.13). Paulo, na gélida e úmida prisão romana, desejava sua capa para aquecer o seu corpo (por isso pede a Timóteo que vá ter com ele antes do inverno) (2Tm 4.21) e, mais do que isto, anelava ardentemente pelos seus livros (papiros?), e pergaminhos; aqueles (talvez) para escrever suas cartas, estes, os pergaminhos, provavelmente para se fortalecer com as porções do Antigo Testamento neles contidas. A sua confiança em Deus era evidente. Escreve:
Na minha primeira defesa ninguém foi a meu favor; antes, todos me abandonaram (…). Mas o Senhor me assistiu e me revestiu de forças, para que, por meu intermédio, a pregação fosse plenamente cumprida, e todos os gentios ouvissem; e fui libertado da boca do leão. (2Tm 4.16,17).
A experiência do velho Paulo, prisioneiro, aparentemente derrotado, era de força, emanada daquele poder que não provém de homem algum; por isso, por entre as grades da prisão romana, encontramos o seu brado de vitória, amparado no poder fortalecedor de Deus:
Aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado, como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância, como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece. (Fp 4.11-13).
Paulo, temendo que os crentes efésios titubeassem em sua fé devido ao sofrimento do apóstolo, ora a Deus para que Ele, pelo seu Espírito, fortalecesse a Igreja de Éfeso; o que de fato fez, por meio de sua Palavra:
Portanto vos peço que não desfaleçais nas minhas tribulações por vós, pois nisso está a vossa glória. Por esta causa me ponho de joelhos diante do Pai, de quem toma o nome toda família, tanto no céu como sobre a terra, para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior. (Ef 3.13-16).
Em outro lugar, ainda escrevendo aos efésios, após tratar do enchimento do Espírito Santo, bem como de suas manifestações na vida prática, Paulo vai descrever a nossa batalha espiritual contra as hostes demoníacas e, antes de adentrar o assunto, ora: “Quanto ao mais, sede fortalecidos no Senhor e na força do seu poder” (Ef 6.10). (Vejam-se: Cl 1.11; 1Tm 1.12).
Meus irmãos, a nossa caminhada em santificação envolverá sempre a certeza de que Deus, por meio da sua Palavra, irá nos fortalecer. Ela deve ser a nossa fortaleza em todos os momentos, em todas as tentações e desafios. Assim poderemos dizer como o salmista Davi: “Eu sou pobre e necessitado, porém o Senhor cuida de mim; tu és o meu amparo e o meu libertador; não te detenhas, ó Deus meu!” (Sl 40.17). E, desta forma, teremos a experiência da bem-aventurança proferida pelo salmista:“Bem-aventurado o homem cuja força está em ti….” (Sl 84.5).
Minha oração é que, em todos os nossos embates, nos lembremos sempre que a nossa força está em Deus e em sua Palavra. Por isso, podemos ter presente a certeza de que Ele cumpre o seu propósito de santificação em nós, por meio do Espírito que age por intermédio da sua Palavra. Meditar na Palavra é uma forma de dizer: “seja feita a Tua vontade”, pois Deus deseja que esta meditação se transforme em nossa prática de vida.
Maringá, 21 de dezembro de 2020.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]David M. Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro: Textus, 2004, p. 13. “Uma coisa muito maravilhosa que transparece quando você lê a Bíblia e aprende a conhecê-la inteiramente é descobrir que ela é um livro atualizado e muito contemporâneo. É um livro que fala a todas as épocas e gerações, porque a humanidade permanece a mesma em todas as suas qualidades essenciais, e Deus continua o mesmo. Assim, a mensagem de Deus para o mundo é ainda esta velha mensagem, e eu quero mostrar-lhe quão relevante ela é para o mundo de hoje” (David M. Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, p. 12).
[2] “Sim, diz ele: Pouco é o seres meu servo, para restaurares as tribos de Jacó e tornares a trazer os remanescentes de Israel; também te dei como luz (rAa) (‘ôr) para os gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra” (Is 49.6).
[3] A grafia de “luz”, “ser luz”, “tornar-se luz” e “brilhar” é a mesma no hebraico.
[4] R.P. Shedd, Lei, Graça e Santificação, São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 90.
[5]Billy Graham, O Espírito Santo, São Paulo: Vida Nova, 1988, p. 48.