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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (76) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (76)

          D) Verdadeira (Continuação)

A revelação de Deus, tanto a Geral como a Especial, são um ato livre, voluntário e prazeroso de Deus. O Senhor  se deu a conhecer a nós a fim de que possamos nos relacionar com Ele em alegria e adoração.[1] Só se tornou possível falar de Deus e se relacionar com Ele porque Ele se revelou e o fez, como ser pessoal que é.

    Spurgeon (1834-1892), bem ao seu estilo, comenta: “O homem sábio lê o livro do mundo e o livro da Palavra como dois volumes da mesma obra e pensa a respeito deles: ‘Meu Pai escreveu os dois’”.[2]

    Como cristãos cremos que a Bíblia é a verdade sobre todas as coisas que trata. Isto não é o mesmo que dizer que a Bíblia contenha verdades. Verdades podemos encontrar em diversas obras, como na República de Platão, no Discurso do Método de Descartes, na multifacetada obra de Shakespeare ou, até mesmo, no Príncipe de Maquiavel.[3]

    No entanto, quando falamos das Escrituras estamos afirmando que Ela é em toda a sua extensão e profundidade, a verdade.

    A convicção da fidelidade de Deus associada à sua soberania pressupõe a necessidade de crer na fidelidade de sua Palavra.

    Isso é fundamental porque, como escreveu Sproul (1939-2017): “A fé cristã é teocêntrica. Deus não está à margem da vida dos cristãos, mas no centro. Ele define toda nossa vida e nossa visão do mundo”.[4]

     Deus se revela demonstrando aspectos de sua grandeza, santidade e majestade. Desse modo, a sua revelação corresponde adequadamente ao ser de Deus ainda que não exaustivamente. Portanto, é possível conhecer a Deus verdadeiramente ainda que não completamente.

    Algumas questões devem ser destacadas. Quando falamos da fidelidade do ser de Deus que se estende à sua revelação, estamos pressupondo a sua coerência ad intra e ad extra.

    1) Aqui temos uma questão de coerência ontológica (Deus não é contraditório em sua natureza essencial).

    A contradição normalmente está associada pelo menos a uma dessas três coisas que vou classificar provisoriamente como segue abaixo:

    a) Inconsistência racional (ignorância dos pontos que sustentamos gerando uma contradição).

    b) Inconsistência moral (sustento pontos excludentes conscientemente porque desejo enganar e levar algum tipo de vantagem).

    c) Inconsistência de poder (Ainda que tenha conhecimento adequado do que sustento e não deseje enganar, sou conduzido a uma postura da qual discordo, contudo, não tenho poder para fazer diferente. Aqui há em geral um erro de cálculo no que se refere ao meu poder deliberativo e/ou executivo). Assim, por exemplo, prometo coisas que, posteriormente não poderei cumprir ainda que tenha feito a promessa crendo que aquilo era o melhor, desejável e realizável, mas, descobri posteriormente, que não tinha poderes para levar adiante a promessa, quer por limitações físicas, contratuais, de esfera de poder, etc.

    2) Uma questão de coerência ética (Deus não se relaciona conosco fundamentado em mentira e engano).

    Deus não incorre em nenhum desses problemas. Deus é Deus e tem perfeita ciência de quem é. A sua natureza perfeitamente harmoniosa em todos os seus aspectos e na infinidade de sua glória, não escapa ao seu perfeito conhecimento. Deus é perfeito e perfeito é o seu conhecimento. Temos aqui um círculo completo. Ninguém lhe acrescenta nada (Rm 11.33-36).

Deus é verdadeiro e deseja que o conheçamos como Ele de fato é. Portanto, a sua revelação é fiel e leal.

    Quanto à primeira questão, escreve Bavinck:

Se o conhecimento de Deus foi revelado por ele mesmo em sua palavra, ele não pode conter elementos contraditórios ou estar em conflito com aquilo que se sabe de Deus a partir da natureza e da história. Os pensamentos de Deus não podem se opor uns aos outros e, assim, necessariamente formam uma unidade orgânica.[5]

    Os atributos de Deus são revelados de forma verdadeira, expressando assim, a sua natureza real.[6]

    Por mais evidente que seja a Criação em revelar aspectos da gloriosa majestade e santidade de Deus, nada é mais eloquente do que a sua Palavra revelada e registrada.

Em 19 de junho de 1555, Calvino pregando sobre o livro de Deuteronômio (5.11), proclamou:

Observemos os céus e a terra: vemos Deus em todo lugar. Pois o que é a terra senão uma imagem viva (como diz Paulo) na qual Deus se declara? Apesar de ser invisível em sua essência, ele se mostra nessa, para que o adoremos. Mas nas Sagradas Escrituras existe uma imagem da qual Deus se declara de modo muito mais familiar a nós do que nos céus ou na terra. Apesar de iluminarem a terra, nem o sol nem a lua demonstram a majestade do mesmo modo que a Lei, os Profetas e o Evangelho.[7]

    Schaeffer (1912-1984), argumentando em prol da genuinidade da revelação de Deus em forma de proposição e história, escreve:

Deus inseriu a revelação da Bíblia na História; Ele não a forneceu (como poderia ter feito) em forma de livro-texto teológico. Localizando a revelação na História, que sentido teria para Deus ter-nos fornecido uma revelação cuja história fosse falsa? Também o homem foi inserido neste universo que, como as Escrituras mesmo dizem, fala de Deus. Que sentido, então, teria para Deus ter nos oferecido a sua revelação em um livro cheio de falsidades acerca do universo? A resposta para ambas as questões deve ser “nada disso faria qualquer sentido!”

Está claro, portanto, que, do ponto de vista das Escrituras em si, podemos observar uma unidade por todo o campo do conhecimento. Deus falou, numa forma linguística e proposicional, verdades sobre si mesmo e verdades sobre o homem, a sua história e o universo.[8]

    Assim sendo, podemos e devemos confiar inteiramente em sua Palavra. O Deus fiel se revela com verdade e autenticidade. A sua Palavra por ser a verdade (Jo 17.17), corresponde ao que Ele quer que saibamos genuinamente a respeito de sua natureza real, e obedeçamos. Decorrentemente, tentar ir além do revelado é cair em um labirinto resultante de uma mente especulativa e pecaminosa.

    Maringá, 12 de dezembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“A revelação geral está arraigada na criação, é dirigida ao homem na qualidade de homem, e mais particularmente à razão humana, e acha seu propósito na concretização do fim da sua criação, conhecer a Deus e assim desfrutar comunhão com Ele. A revelação especial está arraigada no plano de redenção de Deus, é dirigida ao homem na qualidade de pecador, pode ser adequadamente compreendida e assimilada somente pela fé, e serve ao propósito de assegurar o fim para o qual o homem foi criado a despeito de toda a perturbação produzida pelo pecado. Em vista do plano eterno de revelação, deve-se dizer que esta revelação especial não apareceu como um pensamento posterior, mas estava na mente de Deus desde o princípio” (Louis Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 39). Veja-se: B.B. Warfield, The Biblical Idea of Revelation: In: The Inspiration of the Bible, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House (The Work’s of Benjamin B. Warfield), 2000 (Reprinted), v. 1, p. 6).

[2]C.H. Spurgeon, El Tesoro de David, Barcelona: CLIE., (1989), v. 1, (Sl 19), p. 127.

[3] Veja o ilustrativo artigo de Murray que trata da mudança da compreensão de que a Escritura é a Palavra para conter a Palavrae as suas consequências em igrejas da Escócia no final do século XIX e início do século XX.(Iain Murray, Como a Escócia perdeu sua firmeza na Palavra: In: John F. MacArthur, org.,  A Palavra Inerrante, São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 149-171).

[4]R.C. Sproul, A Santidade de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 225.

[5]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 44.

[6]Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 98.

[7]I. Calvini In: Herman J. Selderhuis, ed., Calvini Opera Database 1.0, Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 26, col. 281.

[8]Francis A. Schaeffer, O Deus que intervém, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 146.

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