A Pessoa e Obra do Espírito Santo (52)
2) Tudo pertence a Ele (Continuação)
Domínio partilhado
Esse domínio de Deus é voluntariamente partilhado com o homem. Foi assim desde o início, conforme descreve o livro de Gênesis. Deus delega a Adão e a Eva poderes para cultivar (db;[‘) (‘abad) (lavrar, servir, trabalhar o solo) e guardar (rm;v’) (shãmar) (proteger, vigiar, manter as coisas)[1] o jardim do Éden (Gn 2.15/Gn 2.5; 3.23), validando a sua relação de domínio, não de exploração e destruição, antes, um cuidado consciente, responsável e preservador da natureza:[2]
6Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste: 7 ovelhas e bois, todos, e também os animais do campo; 8 as aves do céu, e os peixes do mar, e tudo o que percorre as sendas dos mares. (Sl 8.6-8).
Aqui o primeiro casal, atendendo ao mandato cultural (civilizatório), em uma atividade familiar exclusivamente humana, pode desenvolver e aprimorar a sua capacidade e potencialidades, refletindo a sua condição de imagem e semelhança de Deus. “Cabe-lhe desenvolver não somente a agricultura, a horticultura e a criação de animais, mas também, a ciência, a tecnologia e a arte”, pontua Hoekema (1913-1988).[3]
Na sequência, continua Hoekema:
Mas o homem ‒ isto é nós mesmos ‒, deve dominar a natureza de tal modo que seja também seu servo. Devemos preservar os recursos naturais e fazer o melhor uso possível deles. Devemos evitar a erosão do solo, a destruição temerária das florestas, o uso irresponsável da energia, a poluição dos rios e dos lagos e a poluição do ar que respiramos. Devemos ser mordomos da terra e de tudo o que há nela e promover tudo o que venha a preservar a sua utilidade e beleza para a glória de Deus.[4]
Todavia, todas essas atividades envolvem o trabalho compartilhado por Deus com o ser humano. O nomear, procriar, dominar, guardar e cultivar refletem a graça providente e capacitante de Deus.[5] Nesse processo vemos o exercício da inteligência e não arbitrariedade do homem, conforme o Senhor lhe concedera.[6] É neste particular – domínio – que o homem foi bastante aproximado de Deus pelo poder que lhe foi outorgado.
O homem percebia a essência da coisa, criando, assim, a linguagem. Ele tinha clareza, discernimento e unidade de pensamento incomparáveis. Sem dúvida, perdemos muito disso com a queda.[7]
O salmista escreve: “Os céus são os céus do SENHOR, mas a terra, deu-a ele aos filhos dos homens” (Sl 115.16).
Glorificamos a Deus no uso adequado de nossos talentos
Quando usamos adequadamente dos recursos que Deus nos confiou para dominar a terra, estamos cumprindo o propósito da criação, glorificando a Deus. É necessário, portanto, que glorifiquemos a Deus em nosso trabalho pela forma legítima como o executamos. Devemos estar atentos ao fato de que o nosso domínio está sob o domínio de Deus. A Criação pertence a Deus por direito; a nós por delegação de Deus (Sl 24.1; 50.10-11; 115.16).[8] Ele mesmo compartilhou conosco este poder, contudo, não abdicou dele.[9] Teremos de prestar-lhe contas.
Nesse sentido, ainda que o nosso domínio seja validado, especialmente pelo avanço da ciência, novos desafios surgem. A plenitude desse domínio é encontrada em Cristo Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Algo admirável no salmo 8 é que o salmista em seu hino começa referindo-se a Deus, glorificando o nome de Jeová (hwhy), e conclui tornando a ele, testemunhando com júbilo a magnificência de seu nome em toda a terra: “Ó SENHOR, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome! Pois expuseste nos céus a tua majestade. (…) 9 Ó SENHOR, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome! (Sl 8.1,9).
A Criação revela de forma majestosa o nome de Deus. No homem, de modo especial, tal majestade é vista de forma ainda mais eloquente.[10]
Maringá, 14 de novembro de 2020.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Vejam-se: Gn 3.24; 30.31; 2Sm 15.16; Sl 12.7; Is 21.11-12.
[2]Vejam-se: Francis A. Schaeffer, Poluição e a Morte do Homem, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 48-50; Gerard van Groningen, Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, v. 1, p. 90.
[3]Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 95.
[4] Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus, p. 96.
[5] Ver: Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1995, p. 97.
[6] É muito interessante a abordagem deste exercício de Adão analisado pelo campo da semiótica. Veja-se: Umberto Eco, A Busca da Língua Perfeita na Cultura Europeia, 2. ed. Bauru, SP.: EDUSC, 2002, p. 25ss.
[7] Cf. Abraham Kuyper, Sabedoria & Prodígios: Graça comum na ciência e na arte, Brasília, DF.: Monergismo, 2018, p. 47-62.
[8]Veja-se: John W. R. Stott, O Discípulo Radical, Viçosa, MG.: Ultimato, 2011, p. 45.
[9] Veja-se: Gerard Van Groningen, Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, v. 1, p. 86-87, especialmente a nota 47.
[10]“O homem, por haver sido criado à imagem de Deus, nos revela muito sobre o ser do Criador” (H.H. Meeter, La Iglesia y Estado,3. ed. Grand Rapids, Michigan: TELL., (s.d.), p. 26). . Calvino comentou: “Por esta causa, alguns dos filósofos antigos chamaram, não sem razão, ao homem, microcosmos, que quer dizer mundo em miniatura; porque ele é uma rara e admirável amostra do grande poder, bondade e sabedoria de Deus, e contém em si milagres suficientes para ocupar nosso entendimento se não desdenharmos considerá-los” (J. Calvino, As Institutas,I.5.3). Comentando Gênesis 5.1, Calvino diz que Moisés repetiu o que ele havia dito antes, porque“a excelência e dignidade deste favor não podiam ser suficientemente celebradas. Já era uma grande coisa que se desse ao homem um lugar primordial entre as criaturas; mas é uma nobreza muito mais exaltada que ele portasse semelhança com seu Criador, como um filho com seu pai” (John Calvin, Commentaries on the First Book of Moses Called Genesis,Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (Reprinted), v. 1, p. 227. (Veja-se também: J. Calvino, As Institutas,II.1.1).