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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (500) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (500)

c) Vivendo em Paz[1]

Pedro, partindo da certeza dos acontecimentos finais, extrai do fato algumas responsabilidades da Igreja. O pressuposto está na confiança expectante da Igreja: Esperando (prosdoka/w) estas cousas”. O verbo tem o sentido de olhar com expectação, “antever alguém ou algo”. Pedro emprega a mesma palavra nos versos 12,13 e 14.

            Pedro, diz: “empenhai-vos” (spoud/a/zw):[2] Ser diligente, esforçar-se, ser solícito, ser zeloso com entusiasmo ardente. O termo empregado é da mesma raiz da palavra usada no verso 12, traduzida por “apressando” (ARA).

Spouda/zw denota uma diligência, um “entusiasmo ardente” que se esforça por fazer todo o possível para alcançar o seu objetivo. Apenas para ampliar a compreensão da palavra, cito o fato de que Paulo, preso em Roma, pede a Timóteo esta urgência em encontrá-lo (2Tm 4.9,21). Depois, em outro contexto, solicita o mesmo a Tito (Tt 3.12). Esta palavra tem também uma implicação ética, visto que está associada, por exemplo, ao esforço que os crentes devem despender em manter a unidade (Ef 4.3), ao zelo em socorrer a outros irmãos (Gl 2.10; 2Co 8.7,8,16) e, em corrigir uma injustiça (2Co 7.11-12).

            Por sua vez, é recomendado que aquele que lidera (preside), deve fazê-lo com empenho (diligência, zelo) (Rm 12.8). Pedro demonstrou esta mesma diligência em ensinar o Evangelho às Igrejas (2Pe 1.15). Judas revela o mesmo ao escrever a sua epístola (Jd 3).

            Toda a nossa expectação deve se traduzir em uma vida que se caracterize pela paz. “Em paz” (e)n ei)rh/nh). Paz, nas Escrituras, descreve um estado de reconciliação com Deus, sendo mantida por meio de nossa comunhão com Cristo (Jo 16.33; Fp 4.7; 1Pe 5.14).

A origem de nossa paz está em Deus; por isso, é totalmente inútil procurar a paz fora dele. Paulo escreve aos romanos: “E o Deus da paz (ei)rh/nh) seja com todos vós” (Rm 15.33); “E o Deus da paz (ei)rh/nh), em breve, esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás….” (Rm 16.20). (Ver: também: 1Co 14.33; Ef 4.3). Barclay, resume bem: “Em última análise, a paz não é algo que o homem alcança – é algo que ele aceita”.[3]

            A paz é de Deus porque dele procede e, também, porque o modelo da paz temos em Deus, Aquele que não vive em ansiedade.[4]

            Como sabemos, nas saudações iniciais de Paulo em suas epístolas, encontramos a relação entre “graça” e “paz”. Ele diz: “Graça a vós outros e paz (ei)rh/nh), da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo” (1Co 1.3). Paulo toma essas duas palavras – Graça (xa/rij) (= saúde), que era a saudação dos gregos e, Paz, saudação dos judeus –, conferindo um sentido teológico: a paz é resultado da graça de Deus. Notemos que nas saudações de Paulo, ele nunca inverte esta ordem: a paz com Deus é resultado de Sua própria graça. Devemos observar, contudo, que a paz aqui, deve ser entendida como o equivalente hebraico, {Olf$ (shãlôm), “prosperidade espiritual”.[5]

Paz resultante de nossa comunhão com Deus

A paz é resultante de nossa comunhão com Deus, implicando a nossa total confiança na sua promessa: “Não há nenhuma paz genuína que seja desfrutada neste mundo senão na atitude repousante nas promessas de Deus. Os que não lançam mão delas podem ser bem sucedidos por algum tempo em abafar ou expulsar os terrores da consciência, mas sempre deixarão de desfrutar do genuíno conforto íntimo”, escreve Calvino.[6]

A graça de Deus concretiza-se em Cristo, por meio de seu sacrifício vicário. Paulo diz que Ele é a nossa paz:

Em Cristo Jesus, vós (gentios), que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque ele é a nossa paz (ei)rh/nh), o qual de ambos fez um; e, tendo derribado a parede da separação que estava no meio, a inimizade, aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse, em si mesmo, um novo homem, fazendo a paz (ei)rh/nh), e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade. E, vindo, evangelizou paz (ei)rh/nh) a vós outros que estáveis longe(gentios)e paz (ei)rh/nh) também aos que estavam perto(judeus); porque, por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito. (Ef 2.13-18). (Ver: Cl 1.20-22).

            Paulo nos ensina que em Cristo passamos a ter paz com Deus e também com o nosso próximo. Dentro do propósito imediato de Paulo, ele demonstra que os gentios, distantes das promessas de Israel, e os judeus, agora, têm acesso livre a Deus em Cristo, pelo mesmo e único Espírito.

            Notemos que em tudo isso a iniciativa é de Deus: “Tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo (…). Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo….” (2Co 5.18,19).

            A paz de Deus não pode ser explicada com argumentos; ela está além de nossa capacidade de planejamento – vejam-se os esforços ainda que notáveis mas fracassados de paz no Oriente – e compreensão. Daí, Paulo falar à igreja que passava por perseguição e, ao mesmo tempo, enfrentava dissensões internas: “E a paz (ei)rh/nh)de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus”(Fp 4.7).  

            A paz de Deus é uma característica do Reino de Deus. Portanto, vivenciá-la significa antegozar o Reino:“O reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz (ei)rh/nh), e alegria no Espírito Santo” (Rm 14.17). Isto se torna possível pelo Espírito, já que Ele mesmo produz esse fruto em nós: “O fruto do Espírito é: amor, alegria, paz (ei)rh/nh), longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (Gl 5.22-23).

Nossa responsabilidade

A rigor falando, este é o ponto do qual Pedro está tratando mais especificamente em sua epístola. Qual é a nossa responsabilidade? A resposta é simples: Viver em paz. A paz, como todo o nosso bem-estar espiritual, está relacionada à nossa submissão ao Espírito Santo. “O pendor da carne dá para a morte, mas o do Espírito, para a vida e paz (ei)rh/nh) (Rm 8.6).

            A nossa paz com Deus deve refletir-se em nossa paz com o nosso próximo, cultivando-a e preservando-a. Paulo, assim se despede da igreja de Corinto: “Quanto ao mais, irmãos, adeus! Aperfeiçoai-vos, consolai-vos, sede do mesmo parecer, vivei em paz (ei)rhneu/w); e o Deus de amor e de paz (ei)rh/nh) estará convosco” (2Co 13.11).

            Devemos manifestá-la em nossa cotidianidade. No entanto, a paz deve ser perseguida, visto que nem sempre é fácil preservá-la. Ao jovem Timóteo, Paulo exorta: Foge (feu/gw),[7] outrossim, das paixões da mocidade. Segue (diw/kw)[8] a justiça, a fé, o amor e a paz (ei)rh/nh) com os que, de coração puro, invocam o Senhor” (2Tm 2.22). (Do mesmo modo: Hb 12.14). “Se possível, quanto depender de vós, tende paz (ei)rhneu/w) com todos os homens” (Rm 12.18) (Veja-se: Sl 34.14).

            Paulo apresenta uma recomendação preventiva: “Seja a paz (ei)rh/nh)de Cristo o árbitro (brabeu/w)[9] em vosso coração, à qual, também, fostes chamados em um só corpo; e sede agradecidos” (Cl 3.15). As nossas atitudes, decisões e escolhas, devem ser dirigidas pela paz de Cristo que arbitra, governa e lidera o nosso coração.

            Paulo recomenda aos efésios que esforcem-se por preservar a unidade no vínculo da paz (Ef 4.3). O próprio tempo verbal de “esforçando-vos”, (Spouda/zw) (particípio presente), apresenta o conceito de um esforço contínuo, sem esmorecimento.

            Jesus Cristo considerou bem-aventurado os promotores da paz: “Bem-aventurados os pacificadores (ei)rhnopoio/j),[10] porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5.9). Tiago diz que a sabedoria concedida por Deus, “lá do alto”, “é primeiramente pura; depois pacífica (ei)rhniko/j)[11] (Tg 3.17).

            A Igreja, portanto, deve estar comprometida com a paz: procurar a paz, evitar as contendas e as atitudes que provocam dissensões.

            Pedro, então, diz que a Igreja deve se esforçar para que Cristo quando voltar a encontre em paz com Deus e com o seu semelhante.

            Devemos procurar a paz, não a divisão e os mexericos que causam tanto mal à vida da Igreja. Lembremo-nos, contudo, que o fundamento da paz está em Cristo Jesus, não na acomodação do erro.

            Temos um exemplo importante em Calvino. Mesmo desejando a paz e a concórdia, ele entendia que essa paz nunca poderia ser em detrimento da verdade. Conforme já citamos, comentando 1Co 14.33, escreve:

Naturalmente, há uma condição para entendermos a natureza desta paz, ou seja, a paz da qual a verdade de Deus é o vínculo. Pois se temos de lutar contra os ensinamentos da impiedade, mesmo se for necessário mover céu e terra, devemos, não obstante, perseverar na luta. Devemos, certamente, fazer que a nossa preocupação primária cuide para que a verdade de Deus seja mantida em qualquer controvérsia; porém, se os incrédulos resistirem, devemos terçar armas contra eles, e não devemos temer sermos responsabilizados pelos distúrbios. Pois a paz, da qual a rebelião contra Deus é o emblema, é algo maldito; enquanto as lutas, indispensáveis à defesa do reino de Cristo, são benditas.[12]

            Portanto, zelemos por nossa Igreja, estejamos atentos para nos encontrar com o Senhor; esforcemo-nos para que Ele nos encontre em paz: Em paz com Deus e com os homens, fundamentados na verdade.

São Paulo, 11 de junho de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Para um estudo mais detalhado a respeito da paz, veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Felicidade segundo Deus: Teologia para a vida na perspectiva das bem-aventuranças, Goiânia, GO.: Cruz, 2016.

[2]Conforme já citamos, supra, Spouda/zw ocorre 11 vezes no NT (* Gl 2.10; Ef 4.3; 1Ts 2.17; 2Tm 2.15; 4.9,21; Tt 3.12; Hb 4.11; 2Pe 1.10,15; 3.14), tendo o sentido de “correr”, “apressar-se”, “fazer todo o esforço e empenho possível”, “urgenciar”, “ser zeloso, diligente”, “esforço”, “aplicação”.

[3]William Barclay, As Obras da Carne e o Fruto do Espírito,São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 85.

[4]Veja-se: F.F. Bruce, Filipenses,Florida, Editora Vida, 1992, (Fp 4.7), p. 154.

[5] Shãlôm, que ocorre certa de 250 vezes no Antigo Testamento, tem o sentido de: “inteireza, integridade, harmonia e realização”. Na forma de saudação, podemos observar que, desejar shãlôm é o mesmo que abençoar (2Sm 15.27); retê-lo, equivale a amaldiçoar (1Rs 2.6). “Shalõm realmente significa tudo quando contribui para o bem do homem, tudo que faz com que a vida seja verdadeiramente vida” (William Barclay, As Obras da Carne e o Fruto do Espírito,São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 82-83). No entanto, o principal sentido da palavra está relacionado à atividade de Deus na aliança da graça: “Em quase dois terços de suas ocorrências, shãlôm descreve o estado de plenitude e realização, que é resultado da presença de Deus” (Garry G. Lloyd, Shãlêm: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1573). A origem desta paz está em Deus mesmo.

[6] João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 2, (Sl 51.8-9), p. 436.

[7] O verbo, no presente imperativo indica uma ação que deve se tornar um hábito de vida.

[8]O verbo está no presente imperativo ativo. Associando-se o fugir ao seguir, temos um comportamento constante e complementar que deve fazer parte da conduta cristã. Conforme já vimos em nota supra, Diw/kw é utilizado sistematicamente para aqueles que perseguiam a Jesus, os discípulos e a Igreja (Mt 5.10-12; Lc 21.12; Jo 5.16; 15.20). Lucas emprega este mesmo verbo para descrever a perseguição que Paulo efetuou contra a Igreja (At 22.4; 26.11; 1Co 15.9; Gl 1.13,23; Fp 3.6), sendo também a palavra utilizada por Jesus Cristo quando pergunta a Saulo do porquê de sua perseguição (At 9.4-5/At 22.7-8/At 26.14-15). Paulo diz que prosseguia para o alvo (Fp 3.12,14). O escritor de Hebreus diz que devemos perseguir a paz e a santificação (Hb 12.14). Pedro ensina o mesmo a respeito da paz (1Pe 3.11).

[9] Esta palavra só ocorre aqui. Ela tem o sentido também de “dar prêmios”, “julgar”, “reger”. No grego clássico, o brabeu/w funcionava como juiz de um jogo. No entanto a palavra também era empregada de forma metafórica, significando “liderar”, “reger” e “determinar”. A forma brabei=on ocorre 2 vezes no NT. sendo traduzida por “prêmio” (1Co 9.24 e Fp 3.14).

[10] Esta palavra só ocorre aqui.

[11] Esta palavra ocorre duas vezes no NT.: Hb 12.11; Tg 3.17.

[12]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 14.33), p. 437.

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