A Pessoa e Obra do Espírito Santo (5)
3. O Espírito Santo no Judaísmo Posterior
No período após o Antigo Testamento, a fé do remanescente fiel de Israel foi fortemente provada.No judaísmo interbíblico, predominava a ideia, com algumas poucas exceções, de que o Espírito Santo se apagara devido ao pecado do povo.[1]
Hoekema (1913-1988), destaca o aspecto escatológico dessa fé:
A fé do crente veterotestamentário era completamente escatológica. Ele aguardava a intervenção de Deus na história, tanto no futuro próximo como no distante. Foi, na verdade, esta fé-esperança que concedeu ao santo do Velho Testamento a coragem necessária para percorrer o caminho posto perante ele.[2]
Desse modo, o viver pela fé assumiu um caráter extremamente concreto dia após dia.
A concepção do apagar do Espírito trazia consigo sérias consequências, visto que para a Sinagoga, “a posse do Espírito Santo, isto é, o Espírito de Deus, era a marca por excelência da profecia. Possuir o Espírito de Deus significava ser profeta”, explica Jeremias (1900-1979).[3]Assim sendo, a asserção de que o Espírito se apagara, implicava na inexistência de um autêntico profeta[4] e, também, na “convicção de que o tempo presente está alienado de Deus. Tempo sem Espírito é tempo sob o julgamento de Deus. Deus se cala”.[5]
Segundo Jeremias, os rabinos explicavam da seguinte forma o fato do Espírito ter se apagado:
Ao tempo dos patriarcas, todos os piedosos e justos possuíam o Espírito de Deus. Quando Israel prevaricou com o bezerro de ouro, Deus limitou o Espírito a homens escolhidos, aos profetas, sumo sacerdotes e reis. Com a morte dos últimos profetas escritores, Ageu, Zacarias e Malaquias, o Espírito se apagou, por causa do pecado de Israel. Desde então, acreditava-se, Deus continuava falando apenas pelo ‘eco da sua voz’ (bat qol = eco[6]), um pobre substituto.[7]
Apesar dessa desolação, admitia-se a esperança de que no tempo Messiânico, o Espírito Santo traria de novo o profetismo e a renovação dos corações: esta era a aspiração do povo, a vinda do Espírito.[8]
É a partir do Novo Testamento que a obra do Espírito – quase que totalmente restrita à nação de Israel no Antigo Testamento – se tornará mais abrangente, por intermédio da nova aliança que, pela instrumentalidade da Igreja, unirá judeus e gentios (Ef 2.22/1Pe 2.5).
Maringá, 25 de setembro de 2020.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Literatura Apocalíptico-Judaica,São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, p. 27ss.
[2] Anthony Hoekema, A Bíblia e o Futuro, p. 20.
[3] J. Jeremias, Teologia do Novo Testamento,São Paulo: Paulinas, 1977, p. 124-125.
[4] O livro de Macabeus reflete esta ideia: “Levantou-se uma tão grande tribulação em Israel, que não se tinha visto outra assim desde o tempo do desaparecimento dos profetas de Israel” (1Mac 9.27. Vejam-se, também: 1Mac 4.46; 14.41). Veja-se: D.S. Russell, Desvelamento Divino: uma introdução à apocalíptica judaica, São Paulo: Paulus, 1997, p. 89ss.
[5] J. Jeremias, Teologia do Novo Testamento, p. 129.
[6] lOq taB (Bath qôl). Literalmente, “Filha da voz” ou “Filha de uma voz”. O conceito é derivado de Dn 4.31. O Novo Testamento menciona algumas vezes uma voz que veio do céu (Veja-se: Mt 3.17; 17.5; Jo 12.28; At 9.4/ 22.7/26.14; 10.13,15). Unterman, assim define: “Voz celestial que continuou a transmitir a mensagem de Deus ao homem depois que a PROFECIA bíblica chegou ao fim. O sumo sacerdote podia ouvir a bat kol enquanto oficiava no Santo dos Santos, e, após a destruição do Templo, os que visitavam suas ruínas podiam ouvir a voz celestial expressando a tristeza de Deus” (Bat kol: In: Alan Unterman,Dicionário Judaico de Lendas e Tradições,Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992, p. 43). Uma outra definição, como a de Van Pelt, com pequenas variações, é geralmente usada: “Um termo rabínico significando a divina voz, audível ao homem e desacompanhada de uma visível manifestação da divindade” (J.R. Van Pelt, Bath Kol: In:Geoffrey W. Bromiley, (General Editor), The International Standard Bible Encyclopedia, 2. ed. Grand Rapids, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 1980, v. 1, p. 438-439). Ao que parece este “eco” tendeu a ser explorado como um meio de se decidir em questões de difícil interpretação da Lei; daí a insistência do Rabino Josué (c. 100 AD) em enfatizar a supremacia da Lei escrita, sendo esta questão debatida entre as escolas de Shammai e Hillel. (Veja-se: Otto Betz, Fwnh/: In: G. Friedrich; G. Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982, v. 9, p. 288-290; J.R. Van Pelt, Bath Kol: In: In:Geoffrey W. Bromiley, (General Editor), The International Standard Bible Encyclopedia, 2. ed. Grand Rapids, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 1980, v. 1, p. 439a; A.K. Helmbold, Bath Kol: In: Merril C. Tenney, gen. ed. The Zondervan Pictorial Encyclopaedia of the Bible,5. ed. Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing House, 1982, v. 1, p. 492 No Talmudeas referências à “Bath Kol” são inúmeras.
[7] J. Jeremias, Teologia do Novo Testamento,p. 128. Esta voz vinda do céu, geralmente consistia na declaração do juízo de Deus dirigido a indivíduos, grupos, governos, cidades ou todas as nações. (Vejam-se: Otto Betz, Fwnh/: In: G. Friedrich; G. Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982, v. 9, p. 288 e A.K. Helmbold, Bath Kol: In:Merril C. Tenney, gen. ed. The Zondervan Pictorial Encyclopaedia of the Bible,5. ed. Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing House, 1982, v. 1, p. 492). (Vejam-se, também: A.C. Schultz, Voz: In: E.F. Harrison, ed. Diccionario de Teologia,Grand Rapids, Michigan: TELL., 1985, p. 556; Bath Kol: In: R.N. Champlin; J.M. Bentes, Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia,São Paulo: Candeia, 1991, v. 1, p. 456; A.K. Helmbold, Bath Kol: In: Merril C. Tenney, gen. ed. The Zondervan Pictorial Encyclopaedia of the Bible, v. 1, p. 492; Otto Betz, Fwnh/: In: G. Friedrich; G. Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982, v. 9, especialmente, p. 285ss; J.R. Van Pelt, Bath Kol: In: In:Geoffrey W. Bromiley, (General Editor), The International Standard Bible Encyclopedia, v. 1,p. 438-439).
[8] Cf. J. Jeremias, Teologia do Novo Testamento, p. 130 e P. Van Imschoot, Espírito: In: A. Van Den Born, redator,Dicionário Enciclopédico da Bíblia,2. ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1977, p. 485.