A Pessoa e Obra do Espírito Santo (495)
6. Não negligenciar a manifestação profética (Continuação)
Calvino entende que “quando Deus quer que sejamos edificados nEle, imediatamente levanta homens que falam de todo coração e claramente, e com efeito, lhe dá tal unção à palavra que sai de suas bocas que os homens podem reconhecer o poder de seu Espírito Santo”.[1]
Insistimos: devemos estar sinceramente atentos ao que o Espírito diz à Igreja por intermédio da Palavra, a fim de praticar os seus ensinamentos. E isto é válido tanto para quem ouve como para quem prega.
Por outro lado, aquele que prega deve ter consciência de que o púlpito não é o lugar para se exercitar as opiniões pessoais e subjetivas, mas sim, para pregar a Palavra,[2] anunciando todo o desígnio de Deus, sob a iluminação do Espírito.
Vinet (1797-1847) definiu bem a pregação, ao dizer ser ela “a explicação da Palavra de Deus, a exposição das verdades cristãs, e a aplicação dessas verdades ao nosso rebanho”.[3]
Na mesma linha Calvino escrevera: “A Escritura é a fonte de toda a sabedoria, e os pastores terão de extrair dela tudo o que eles expõem diante do seu rebanho”.[4]
Sem a Palavra, o púlpito torna-se um lugar que no máximo serve como terapia[5] para aliviar as tensões de um auditório cansado e ansioso em busca de alívio para as suas necessidades mais imediatamente percebidas. Ele pode conseguir o alívio do sintoma, mas não a cura para as suas reais necessidades.
Lloyd-Jones é enfático:
Se a mensagem da Bíblia nunca lhe deixou desconfortável, então você nunca a ouviu de verdade. Muitas pensam que o cristianismo é meramente algo que nos dá um tapinha nas costas dizendo: “Não se preocupe nem se angustie, já tudo irá dar certo”. Contudo isso não é cristianismo: isso é das seitas, isso é psicologia.[6]
Devemos ter sempre em mente que a pregação foi o meio deliberadamente escolhido por Deus para transformar pessoas e edificar o seu povo, preservando a sã doutrina por intermédio da Igreja que é o baluarte da verdade.[7]
A pregação é uma tarefa de ínterim; ela ocorre num locus temporal: entre a realidade histórica do Cristo encarnado e a volta do Cristo glorificado e, é nesta condição que ela se realiza e se desenvolve.[8]
A Igreja prega a Palavra cumprindo assim o seu ministério ordenado pelo próprio Deus; para tanto ela se prepara da melhor forma possível, usando de todos os recursos disponíveis que se harmonizam com os princípios bíblicos, recorrendo de modo indispensável ao auxílio do Espírito na concretização de sua missão.
É o Espírito quem confere poder à pregação do Evangelho; por isso não há lugar para vanglória: “Todo o poder da ação (…) reside no Espírito mesmo, e assim, todo o louvor deve ser inteiramente atribuído a Deus somente”.[9]
Agostinho deu ênfase à necessidade de haver um acordo entre a vida e as palavras do pregador, bem como a necessidade de oração como uma preparação para o sermão:
Quem quiser conhecer e ensinar deve, na verdade, primeiramente aprender tudo o que é preciso ensinar, e adquirir o talento da palavra como convém a um homem da Igreja. Mas no momento mesmo de falar, que pense nestas palavras do Senhor, que se aplicam particularmente o coração bem-disposto: Quando vos entregarem não fiqueis preocupados em saber como ou o que haveis de falar, porque não sereis vós que estareis falando naquela hora, mas o Espírito de vosso Pai é que falará em vós.[10]
O Espírito que vocaciona, revela e inspira, é o mesmo que testifica em nossos corações a respeito da autoridade bíblica e nos faz compreender a Palavra.
Comenta Calvino:
O mesmo Espírito que deu certeza a Moisés e aos profetas de sua vocação, também agora testifica aos nossos corações de que Ele tem feito uso deles como ministros através de quem somos instruídos. E assim não é de estranhar que muitos ponham em dúvida a autoridade da Escritura. Pois ainda que a majestade divina esteja exibida nela, somente aqueles que têm sido iluminados pelo Espírito possuem olhos para ver o que deveria ser óbvio a todos, mas que, na verdade, é visível somente aos eleitos. Eis o significado da primeira cláusula, a saber: que devemos à Escritura a mesma reverência devida a Deus, já que ela tem nele sua única fonte, e não existe nenhuma origem humana misturada nela.[11]
Portanto, “Se Deus nos ilumina pelo Seu Espírito Santo, nós julgaremos a doutrina e discerniremos de tal maneira que não poderemos ser enganados por nenhuma de todas as tentações de Satanás”.[12]
Em outro lugar, continua o Reformador: “Da mesma forma, ‘a Palavra’ não pode ser separada ‘do Espírito’, como imaginam os fanáticos, que, desprezando a palavra, ufanam-se do nome do Espírito, e incrementam coisas, como confidenciais, em suas próprias imaginações. É o espírito de Satanás que é separado da palavra, a qual o Espírito de Deus está continuamente unido”.[13]
São Paulo, 03 de junho de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 208.
[2] Agostinho (354-430), o grande bispo de Hipona, em sua obra De Doctrina Christiana(397-427), tomando Paulo como “modelo de eloquência” (Agostinho, A Doutrina Cristã,IV.7.15), seguiu de perto a Aristóteles e Cícero. Ele estabeleceu uma relação entre os princípios da teoria retórica com a tarefa da pregação, fazendo as adaptações necessárias (Veja-se: Por exemplo, Agostinho, A Doutrina Cristã,IV.19.35 e 37). Insistiu, também, – seguindo a Cícero –, que a pregação tem três propósitos: Instruir (docere); Agradar (delectare) e Persuadir (flectere), enfatizando este último. (Agostinho, A Doutrina Cristã,IV.12.27ss.). Agostinho, afirmou – e é este ponto que queremos destacar –, que “O pregador é o que interpreta e ensina as verdades divinas” (Agostinho, A Doutrina Cristã,São Paulo: Paulinas, 1991, IV.4.6. p. 217).
[3] A.R. Vinet, Pastoral Theology: or, The Theory of the Evangelical Ministry,2. ed. New York: Ivison, Blakeman, Taylor & Co. 1874, p. 189.
[4] João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 4.13), p. 123.
[5] “Sem a autoridade da Palavra, a pregação torna-se uma infindável busca de assuntos, terapias e técnicas que granjearão aplausos, provocam aceitação, desenvolvam uma causa ou aliviem preocupações” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 23).
[6]D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 84.
[7]Como já fizemos menção, MacArthur acentua com veemência em lugares diferentes: “…. Não ousemos menosprezar o principal instrumento de evangelismo: a proclamação direta e cristocêntrica da genuína Palavra de Deus. Aqueles que trocam a Palavra por entretenimento ou artifícios descobrirão que não possuem um meio eficaz de alcançar as pessoas com a verdade de Cristo” (John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho,p. 117-118). “Os que desejam colocar a dramatização, a música e outros meios mais sutis no lugar da pregação deveriam levar em conta o seguinte: Deus, intencionalmente, escolheu uma mensagem e uma metodologia que a sabedoria deste mundo considera como loucura. O termo grego traduzido por ‘loucura’ (1Co 1.21) é mõria, de onde o idioma inglês tira a sua palavra moronic (imbecil). O instrumento que Deus utiliza para realizar a salvação é, literalmente, imbecil aos olhos da sabedoria humana. Mas é a única estratégia de Deus para proclamar a mensagem” (Ibidem.,p. 130).
[8]Hoekema observou que: “O período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo é a era missionária por excelência. Este é o tempo da graça, um tempo em que Deus convida e insta com todos os homens para serem salvos” (A.A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro, p. 187).
[9]John Calvin, “Commentary on the Prophet Ezekiel,” John Calvin Collection, (CD-ROM), (Albany, OR: Ages Software, 1998), (Ez 2.2), p. 96.
[10]Agostinho, A Doutrina Cristã, IV.16.32. p. 245.
[11] João Calvino, As Pastorais, (2Tm 3.16), p. 262-263.
[12]Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 17), p. 208.
[13]John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996, v. 8/4, (Is 59.21), p. 271.