A Pessoa e Obra do Espírito Santo (493)
6. Não negligenciar a manifestação profética (Continuação)
Ministério da Palavra[1]
Olhando a questão por outro prisma, Calvino entende que a vocação ministerial liga o homem definitivamente a Deus e à sua Igreja:
O homem, uma vez chamado, que ponha indelevelmente em sua mente que ele não mais é livre para retroceder, quando bem lhe convier, se, por exemplo, as frustrações arrebatarem seu coração ou as tribulações o esmagarem; porquanto ele está dedicado ao Senhor e à Igreja, e se acha firmemente amarrado por um laço sagrado, o qual lhe seria pecaminoso desatar.[2]
Ele sustenta a importância dessa consideração, visto que, “se queremos ensinar adequadamente a Palavra de Deus, comecemos conhecendo nossas próprias debilidades. E conhecendo-as seremos motivados a tal modéstia e benignidade que teremos um bom espírito para pronunciar a Palavra de Deus”.[3]
Portanto, “uma pessoa nunca será indicada como mestre, até não haver assumido um afeto paternal e haver conhecido, em primeiro lugar, suas próprias debilidades”.[4]
Deus dentro de sua soberana vontade, vale-se, por graça, de homens pecadores e incapazes como nós, para pregar a sua Palavra.[5]
A vocação ministerial é, portanto, um grande privilégio:
Entre tantos dotes preclaros com os quais Deus há exornado o gênero humano, esta prerrogativa é singular: que digna a Si consagrar as bocas e línguas dos homens, para que neles faça ressoar Sua própria voz.[6]
Deus nos recebe em seu serviço, inclusive a nós que somos somente pó diante de Sua presença, que somos totalmente inúteis; nos dá uma missão honrosa de levar Sua Palavra, e quer que seja entregue com toda autoridade e reverência.[7]
Quando Deus resolve, por si mesmo, levar avante as coisas, ele nos toma, seres insignificantes que somos, como seus auxiliares e nos usa como seus instrumentos.[8]
Deus mesmo nos capacita para o exercício de nossa vocação:
Sempre que os homens são chamados por Deus, os dons são necessariamente conectados com os ofícios. Pois Deus não veste homens com máscara ao designá-los apóstolos ou pastores, e, sim, os supre com dons, sem os quais não têm eles como desincumbir-se adequadamente de seu ofício.[9]
Não há lugar para vanglória, antes: gratidão e serviço:
Ministros são aqueles que colocam seus serviços à disposição de Cristo, para que alguém possa crer nele. Além do mais, eles não possuem nada propriamente seu do quê se orgulhar, visto que também não realizam nada propriamente seu, e não possuem virtude para excelência alguma exceto pelo dom de Deus, e cada um segundo sua própria medida; o que revela que tudo quanto um indivíduo venha a possuir, sua fonte se acha em outrem. Finalmente, ele os mantém todos juntos como por um vínculo comum, visto que tinham necessidade do auxílio mútuo.[10]
Calvino acentuou a responsabilidade do Ministro: Deus se dignou em nos consagrar a si mesmo “as bocas e línguas dos homens, para que neles faça ressoar sua própria voz”.[11] (Grifos meus). Portanto, os pastores não estão a seu próprio serviço, mas de Cristo; eles não buscam discípulos para si mesmos, mas para Jesus Cristo:
A fé não admite glorificação senão exclusivamente em Cristo. Segue-se que aqueles que exaltam excessivamente a homens, os privam de sua genuína grandeza. Pois a coisa mais importante de todas é que eles são ministros da fé, ou seja: conquistam seguidores, sim, mas não para eles mesmos, e, sim, para Cristo.[12]
Deus deseja ser ouvido por meio dos pregadores. Portanto, a necessidade de fidelidade na transmissão da mensagem e, ao mesmo tempo, uma vida de santidade: o testemunho do mestre é fundamental. Comenta Calvino: “A doutrina será de pouca autoridade, a menos que sua força e majestade resplandeçam na vida do bispo como o reflexo de um espelho. Por isso ele diz que o mestre seja um padrão ao qual os discípulos possam seguir”.[13]
São Paulo, 02 de junho de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Para um estudo mais detalhando desta questão, especialmente pela ótica de Calvino, veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Reforma e a Escritura: Calvino como leitor, intérprete e pregados da Palavra. Goiânia, GO.: Cruz, 2017.
[2]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 9.16), p. 276-277.
[3] Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 17), p. 211.
[4] Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 211.
[5] Ver: João Calvino, As Pastorais, (1Tm 1.12), p. 38-40.
[6] João Calvino, As Institutas,IV.1.5.
[7]Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 203. Ver também: João Calvino, As Pastorais,(1Tm 5.1), p. 129;(2Tm 3.16), p. 262-263.
[8]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.9), p. 107.
[9] João Calvino, Efésios, (Ef 4.11), p. 119. Em outro contexto, falando sobre o chamado de Davi para ser rei de Israel, faz comentário semelhante: “Ora, Deus geralmente supre aqueles a quem imputa a dignidade de possuir esta honra a eles conferida com os dons indispensáveis para o exercício de seu ofício, a fim de que não sejam como ídolos sem vida”. (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 4.3), p, 96).
[10]J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5), p. 102-103. “Não lograremos progresso a menos que o Senhor faça próspera a nossa obra, os nossos empenhos e a nossa perseverança, de modo a confiarmos à sua graça a nós mesmos e tudo o que fazemos” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,(1Co 3.7), p. 106).
[11] João Calvino, As Institutas, IV.1.5.
[12]J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5), p. 101-102.
[13]J. Calvino, As Pastorais,(Tt 2.7), p. 331.