A Pessoa e Obra do Espírito Santo (463)
6.5.4. O Selo e o Penhor do Espírito
Paulo escreve aos efésios: “Em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho (eu)agge/lion) da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados (sfragi/zw) com o Santo Espírito da promessa o qual é o penhor (a)rrabw/n) da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória” (Ef 1.13-14).
O Catecismo de Heidelberg (1563), em sua primeira pergunta, lemos:
Qual é o teu único conforto na vida e na morte?
R. É que eu pertenço – corpo e alma, na vida e na morte – não a mim mesmo, mas a meu fiel Salvador, Jesus Cristo, que com o Seu precioso sangue pagou plenamente todos os meus pecados e me libertou completamente do domínio do Diabo; que Ele me protege tão bem, que sem a vontade de meu Pai no céu nenhum cabelo pode cair da minha cabeça; na verdade, que tudo deve adaptar-se ao Seu propósito para a minha salvação. Portanto, pelo Seu Santo Espírito, Ele também me garante a vida eterna e me faz querer estar pronto, de todo o coração, a viver para Ele daqui por diante.
O Evangelho, como “palavra da verdade”, modifica a nossa vida neste estado de existência e, também, tem implicações escatológicas. Pelo Evangelho ouvido e crido, temos a certeza da nossa salvação. É o Espírito Santo quem nos garante isso. Algo maravilhoso para nós é saber que temos um Deus que cuida de nós, que se compromete com a salvação de seu povo, nos garantindo e nos concedendo esta certeza.
Como vimos, Palmer colocou a questão nestes termos: “É uma grande bênção ter um Deus que não é uma Pessoa senão três. Constitui uma Trindade abundante. Porque não só um Pai que nos ama e cuida de nós, senão também um Cristo que trouxe salvação e intercede por nós e um Espírito Santo que mora dentro de nós e aplica a salvação à nossa vida”.[1]
Isso não é mera abstração de uma fé infundada, cujo único frágil fundamento é a sua confiança no ilusório poder de si mesma. O Reino de Deus indica que há um Rei. Nas Escrituras, o Reinado de Deus envolve não apenas o seu domínio, mas, também a sua criação. Todas as coisas existem porque Ele mesmo as criou e preserva. Mais: O seu reinado envolve a realidade visível e invisível.
As galáxias mais distantes, que sequer os mais potentes telescópios puderam vislumbrá-las; as mais simples e mesmo complexas vidas que habitam no fundo do oceano, em regiões quase inacessíveis aos homens, estão sob o controle de Deus. As coisas quase imperceptíveis de forma significativa a nós: um pardal, as flores e o nosso cabelo que insiste em se ausentar sem o nosso consentimento, na maioria das vezes só percebida nas falhas que deixam, nada, coisa alguma escapa ao seu domínio e sábio reinado.
O reinado de Deus não é algo decorativo ou simbólico; antes, é real e grandemente confortador para os seus filhos. O seu poderoso e amoroso domínio envolve graciosamente a nossa salvação, nos preservando em perseverança até o fim. Deus não apenas nos salva, mas, também, deseja que usufruamos do conforto da certeza subjetiva de que estamos seguros sob o seu cuidado.
O Reino deve ser alvo de nossas orações, não apenas quando estivermos em dificuldade, mas, em todas as circunstâncias.[2] O conforto que podemos ter nessa vida, proporcionado sem dúvida pela graça de Deus, não nos deve afastar dessa perspectiva, antes, devemos ansiar ainda mais pelo Reino, sabendo que o que temos ou podemos ter nesta vida, não pode de modo algum ser comparado com a glória eterna por vir na vinda do Reino na pessoa do Rei.
Portanto, falar no Reino é apontar para a concretização do propósito de Deus em Cristo, libertando os homens do poder de Satanás, conduzindo-os à liberdade concedida por Cristo, o Senhor: “…. até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória” (Ef 1.14). Essa certeza que emana da Palavra é altamente estimulante e confortadora para a Igreja. Ela deve produzir em nós uma atitude de gratidão que tenha reflexos em nosso culto e nossa ética.[3]Afinal, servir ao Reino nesse estágio de vida, deve ser a nossa vocação irrevogável.[4]
Todos os que creem em Cristo como Seu Senhor e Salvador pessoal recebem definitivamente o Espírito Santo, o “Santo Espírito da Promessa”, sendo selados para o dia do juízo. A fé é selada pelo Espírito. O Espírito que fora prometido pelo Pai e pelo Filho, agora habita em nós, sendo Ele mesmo o agente do cumprimento das promessas (Ef 1.13/At 1.4,5; 2.33) e parte do cumprimento daquilo que Jesus Cristo prometeu (Jo 14.26; 16.7).[5] O Espírito que é o cumprimento da promessa certamente cumprirá o que nele foi prometido.[6] Por isso Ele é chamado de Espírito da Promessa, aquele que nos sela, sendo o nosso penhor; “é o dom da certeza”, assinala Bruner.[7]
Paulo escreve aos Romanos: “O amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Rm 5.5).Anos mais tarde, exortaria a Timóteo: “Guarda o bom depósito, mediante o Espírito Santo que habita em nós” (2Tm 1.14).
No Apocalipse a Igreja de Filadélfia é considerada bem-aventurada porque, mesmo com pouca força guardou a Palavra e não negou o nome do Senhor Jesus: “Conheço as tuas obras – eis que tenho posto diante de ti uma porta aberta, a qual ninguém pode (du/namai) fechar – que tens pouca força (du/namij), entretanto, guardaste a minha palavra e não negaste o meu nome” (Ap 3.8).
O Senhor que habita em nós pelo Espírito, transformará o nosso corpo adequando-o gloriosamente à eternidade. Paulo, preso, escreve aos crentes de Filipos, muitos deles cidadãos romanos, ciosos de sua nacionalidade:
20 Pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, 21 o qual transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da sua glória, segundo a eficácia (e)ne/rgeia) do poder (du/namai) que ele tem de até subordinar a si todas as coisas. (Fp 3.20-21).
Finalmente, o nosso conforto é saber que o poder pertence a Deus. Quando o Senhor revelar plenamente a sua soberania (1Tm 6.13-15)[8] o canto celestial, finalmente será como o descrito no Apocalipse: “Depois destas coisas, ouvi no céu uma como grande voz de numerosa multidão, dizendo: Aleluia! A salvação, e a glória, e o poder (du/namij) são do nosso Deus” (Ap 19.1).
Desta forma, então, podemos em todas as circunstâncias confiar em Deus, crendo na sua Palavra, descansando em suas promessas, sabendo que Ele é poderoso para nos suster em todas as questões de nossa vida. E Ele o fará conforme nos prometeu. “Aleluia! A salvação, e a glória, e o poder (du/namij) são do nosso Deus” (Ap 19.1).
Maringá, 24 de abril de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo,p. 14
[2] “A maioria dos cristãos respeitáveis tem o hábito de orar pela vinda do reino de Deus, mas quando tudo vai bem na vida deles as suas orações pelo reino começam a se desvanecer” (Cornelius Plantinga Jr., O Crente no Mundo de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 107).
[3]Ver: R.C. Sproul, O Que é Teologia Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 174.
[4] “Trabalhar no reino é o nosso estilo de vida” (Cornelius Plantinga Jr., O Crente no Mundo de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 111).
[5]“O Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14.26). “…. convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.7).
[6]Veja-se: W. Hendriksen, Efésios, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, (Ef 1.13), p. 117.
[7]Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 209.
[8]“Exorto-te, perante Deus, que preserva a vida de todas as coisas, e perante Cristo Jesus, que, diante de Pôncio Pilatos, fez a boa confissão, que guardes o mandato imaculado, irrepreensível, até à manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo; a qual, em suas épocas determinadas, há de ser revelada pelo bendito e único Soberano (duna/sthj), o Rei dos reis e Senhor dos senhores” (1Tm 6.13-15).