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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (44) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (44)

D. Pensamentos inatingíveis

“Quão grandes (ld;G”) (gadal), SENHOR, são as tuas obras! Os teus pensamentos (hb’v’x]m;) (machashabah) (desígnios,[1] intentos) que profundos!” (Sl 92.5).[2]

     Os seus desígnios, por serem verdadeiros e provenientes do Deus santo, justo e soberano, são inumeráveis e eternos: “O conselho do SENHOR dura para sempre; os desígnios (hb’v’x]m;) (machashabah) do seu coração, por todas as gerações” (Sl 33.11).

     Aqui já nos deparamos com algo grandioso demais para nós. Pensamos sempre em termos de causa e efeito e, dentro das categorias tempo e espaço repletos de circunstâncias temporais, geográficas, culturais e pessoais. Antes de prosseguir, tenhamos como ponto acordado, que qualquer concepção fora dessas dimensões seria impossível ao homem por si só, sem alguma forma de revelação. A menos que o Deus transcendente e pessoal se revele, apresentando uma dimensão do além e depois nos capacitando a percebê-la por graça. Sem essa compreensão não seria possível falar de qualquer aspecto metafísico ou imaterial.

Portanto, foi dentro dessas categorias tão importantes para nós, que Deus se revelou. Deus age e fala dentro do tempo e do espaço. Ele se dá a conhecer também nos eventos da história onde desenvolve o seu propósito  glorioso. As Escrituras se constituem em grande parte em uma narrativa inspirada dos efeitos decorrentes da obediência e desobediência do povo Deus. A história vivencia a doutrina, a ilustrando em suas narrativas.

     Por exemplo, no Salmo 1,  que prefacia o livro de Salmos,[3] vemos narrados os efeitos da obediência à Lei e as consequências de seguir um caminho totalmente autônomo.

O salmista inicia o Salmo falando sobre o homem bem-aventurado, estabelecendo uma distinção entre os “piedosos” e “pecadores”. “O primeiro salmo encontra-se no pórtico da coleção dos salmos como um guia que em linhas claras indica a direção da vida”, orienta Weiser (1893-1978).[4] Temos aqui, portanto, uma reflexão sobre as escolhas humanas e as suas consequências. Ou, positivamente: “O Livro dos Salmos é um manual de instruções para viver uma vida verdadeiramente feliz”, escreve Futato.[5]

Os homens buscam a felicidade por meio de seus expedientes terrenos ou mesmos transcendentes, contudo, sempre partindo daqui de baixo. Deus propõe em sua Palavra o caminho da felicidade. A sua origem está em cima, o caminho começa pelo eterno passando pelo tempo. Deus sabe o que desejamos, sabe o melhor para nós e, ao mesmo tempo, apresenta-nos o caminho para alcançar o que Ele tem para nós. A felicidade é-nos proposta por Deus não de forma automática, mas, pelo caminho da obediência aos seus preceitos.[6] O divisor de águas sempre terá uma linha. As consequências podem não ser vistas ali, contudo, elas aparecerão.[7]

     Conforme citado, o salmista no salmo 33.11 nos diz que os desígnios de Deus permanecem para sempre. Ou seja: muito do que podemos ver nessa vida não esgota nem mesmo aspectos do seu governo e propósito. Por isso, muitas vezes nos angustiamos com o que consideramos passividade, indiferença, demora de Deus ou, por presumir um fim de julgamos ser o melhor.

Nossa mente finita

     A nossa mente finita não consegue compreender exaustivamente as perfeições de Deus.[8] O alcance e limite de nosso conhecimento é determinado pela revelação. O não revelado não pode ser objeto de nossas especulações.   Os nossos passos devem se limitar ao que Deus nos deu a conhecer. Quando Deus se cala, nos calamos. Quando Ele para, devemos parar admirados em reverência e gratidão.

A revelação de Deus também não é completa no sentido de abarcar total e exaustivamente o ser de Deus.[9] Porém, podemos dizer que qualitativamente, “como Deus se revela, assim ele é”.[10] Não há uma representação artificial naquilo que Ele nos dá a conhecer. Portanto, muitíssimos de seus atos soberanos nos escapam. O finito não pode comportar o infinito! No entanto, podemos conhecer a Deus genuína e verdadeiramente à luz de sua autorrevelação.

     Bavinck (1854-1921)  coloca bem a questão:

Não é contraditório (…) dizer que um conhecimento é inadequado, finito e limitado e ao mesmo tempo é verdadeiro, puro e suficiente.[11]

O conhecimento absoluto, plenamente adequado de Deus, é, portanto, impossível.[12]

Nosso conhecimento de Deus não é, e, de fato, não pode ser, exaustivo: ele é analógico e ectípico.[13]

A soberania de Deus na utilização dos meios

     Deus é soberano na utilização dos meios por Ele mesmo estabelecidos. Ele usa sábia, santa e soberanamente os instrumentos que quer e segue o caminho que lhe apraz. No livro de Habacuque, vemos que Ele usou os caldeus para disciplinar a Judá (Hc 1.12/Is 10.5-6). Deus é senhor dos meios e dos fins!

     Os caldeus, por certo, atribuíam as suas vitórias aos seus poderosos feitos (Hc 1.11,15,16). Eles não entendiam que por meio de sua própria, livre e espontânea maldade, havia a direção de Deus para o fim proposto. Os seus caminhos são com frequência incompreensíveis à nossa razão. A nossa razão, por sua vez, em nome de uma racionalidade autônoma, especula meios possíveis para explicar a ação de Deus:

Pois eis que suscito os caldeus, nação amarga e impetuosa, que marcham pela largura da terra, para apoderar-se de moradas que não são suas. (Hc 1.6).

Não és tu desde a eternidade, ó SENHOR, meu Deus, ó meu Santo? Não morreremos. Ó SENHOR, para executar juízo, puseste aquele povo; tu, ó Rocha, o fundaste para servir de disciplina. (Hc 1.12).

Os caminhos de Deus são eternos. (Hc 3.6).

Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o SENHOR. (Is 55.8).

Maringá, 09 de novembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]  Sl 40.5.

[2]  Curiosamente, um filósofo pagão, Xenófanes (c. 580-c.460 a.C.), criticando a religiosidade de sua época, propõe uma visão próxima ao monoteísmo ou pelo menos, um “politeísmo não antropomórfico” (W.K.C. Guthrie, Os Sofistas,São Paulo: Paulus, 1995, p. 211), mas, ainda assim, cosmológico, identificando, conforme pontua Aristóteles, o uno, ou seja, o universo (Ver: Giovanni Reale; Dario Antiseri, História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média, São Paulo: Paulus, 1990, v. 1, p. 49.), como sendo Deus (Aristóteles, Metafísica,São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 4), 1973, I.5, p. 223). Escreve tendo uma visão grandiosa de deus: “Um único deus, o maior entre deuses e homens, nem na figura, nem no pensamento semelhante aos mortais” (Xenófanes, Frag.,23: In: Gerd A. Bornheim, org., Os Filósofos Pré-Socráticos, 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1977. (Tradução um pouco diferente: In: José Cavalcante de Souza, org., Os Pré-Socráticos, São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 1), 1973, p. 71).

[3] Conforme expressão de Spurgeon (C.H. Spurgeon, El Tesoro de David, Barcelona: CLIE., (1989), v.  1, p. 13. Do mesmo modo: Walter Brueggemann, The Psalms the life of Faith, Minneapolis: Fortress Press, 1995, p. 190; A.F. Kirkpatrick, The Book of Psalms, Cambridge: University Press, © 1902, 1951 (Reprinted), p. 1.

[4]  Artur Weiser, Os Salmos, São Paulo: Paulus, 1994, p.  69. “O salmo usa a forma poética do paralelismo para criar um apogeu. A primeira coisa que é dita sobre essa pessoa abençoada é que ela não anda no conselho dos ímpios. Ela é surda aos conselhos dos pagãos, que nos induzem a participar dos caprichos deste mundo” (R.C. Sproul, Oh! Como amo a tua lei. In: Don Kistler, org. Crer e Observar: o cristão e a obediência, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 12). Veja-se: Mark D. Futato, Interpretação dos Salmos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 47-48.

[5]  Mark D. Futato, Interpretação dos Salmos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 54.

[6] Veja-se: Peter C. Craigie,  Psalms 1-50, 2. ed. Waco: Thomas Nelson, Inc. (Word Biblical Commentary, v.  19), 2004, (Sl 1), p. 60.

[7]Veja-se a oportuna figura empregada por Schaeffer concernente aos Alpes Suíços (Francis A. Schaeffer, O grande desastre evangélico: In: Francis A. Schaeffer,  A Igreja no Século 21,  São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 269ss.).

[8] “Somos seres humanos, e é preciso que observemos sempre as limitações de nosso conhecimento, e não os ultrapassemos, pois tal gesto seria usurpar as prerrogativas divinas” (João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos,1998, (1Tm 5.25), p. 160). “Deus não pode ser apreendido pela mente humana. É mister que Ele se revele através de sua Palavra; e é à medida que Ele desce até nós que podemos, por sua vez, subir até os céus” (João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6,São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.2-7), p. 186). “A teologia reformada sustenta que Deus pode ser conhecido, mas que ao homem é impossível ter um exaustivo e perfeito conhecimento de Deus (…). Ter esse conhecimento de Deus seria equivalente a compreendê-lo, e isto está completamente fora de questão: ‘Finitum non possit capere infinitum’.” (L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 32). Do mesmo modo Schaeffer (1912-1984): “A comunicação que Deus tem com o homem é verdadeira, mas isto não significa que seja exaustiva. Esta é uma distinção importante que precisamos sempre ter em mente. Para conhecer qualquer coisa exaustivamente, precisaríamos ser infinitos, como Deus. Mesmo na vida eterna não seremos assim” (Francis A. Schaeffer, O Deus que Intervém, Jaú, SP.: Refúgio; ABU., 1981, p. 143). Vejam-se também: João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 1.19), p. 64; Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a criação,  São Paulo, Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 97-99;  Charles Hodge, Systematic Theology,Grand Rapids, Michigan: Wm. Eerdmans Publishing Co. 1986, v. 1, p. 535; J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 20;   Gordon J. Spykman, Teologia Reformacional: um Nuevo paradigma para hacer Teologia, Jenison, Mi.: The Evangelical Literature League, 1994, p. 79-80; Cornelius Van Til, Apologética Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2010,  p. 35-36; John M. Frame,  A doutrina de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 168, 175ss.

[9] Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 33.

[10] Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 114.

[11] Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 110, 113. Da mesma forma, veja-se: Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 59.

[12] Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 110.

[13]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a criação,  São Paulo, Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 99.

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