A Pessoa e Obra do Espírito Santo (427)
13) Sábio manejo da Palavra em seu anúncio perseverante (Continuação)
Outra verdade que precisa ser ressaltada, é que apesar de muitos de nós não sermos “grandes” pregadores[1] ou existirem pregadores infiéis, Deus fala: A Palavra de Deus é mais poderosa do que a nossa incompetência ou a infidelidade de outros. Deus não conhece empecilho para a sua vontade: nem mesmo um mau pregador. Por isso, há a responsabilidade de ambos os lados: quem prega, pregue a Palavra; quem ouve, ouça com discernimento a Palavra do Espírito de Deus.
Recentemente li Chapell dizendo:
Os esforços pessoais dos maiores pregadores são ainda demasiado fracos e manchados pelo pecado para serem responsáveis pelo destino eterno das pessoas. Por essa razão Deus infunde sua Palavra com poder espiritual. A eficácia da mensagem, mas que qualquer virtude do mensageiro, transforma corações.[2]
A glória da pregação é que Deus realiza sua vontade por intermédio dela, mas somos sempre humilhados e ocasionalmente confortados com o conhecimento de que Ele age além das nossas limitações humanas.[3]
Pode ser que você jamais ouça elogios do mundo, ou seja pastor de uma igreja com milhares de membros, mas uma vida de piedade associada a uma clara explanação da graça salvadora e santificadora da Escritura garantem o poder do Espírito para a glória de Deus.[4]
Devemos ter sempre em mente que a pregação foi o meio deliberadamente escolhido por Deus para transformar pessoas e edificar o seu povo, preservando a sã doutrina por meio da Igreja que é o baluarte da verdade.[5]
Como vimos quando tratamos sobre os presbíteros, eles foram chamados por Deus para pregarem o Evangelho de Cristo. E mais, o Evangelho deve ser anunciado em sua inteireza, sem misturas, adições e cortes: Isso nos distingue essencialmente dos falsos mestres.
Deus mesmo não desce do céu para nós, nem diariamente nos envia mensageiros angelicais para que publiquem sua verdade, senão que usa as atividades dos pastores, a quem destinou para esse propósito.[6]
Em relação aos homens, a Igreja mantém a verdade porque, por meio da pregação, a Igreja a proclama, a conserva pura e íntegra, a transmite à posteridade.[7]
Paulo dá a saber que, para que não pereça a verdade de Deus no mundo, fiel depositária lhe é a Igreja, porquanto por seu ministério e obra quis Deus se conserve pura a pregação de Sua Palavra e, enquanto de alimentos espirituais nos nutre e procura tudo quanto à salvação nos consulta, um pai de família se nos mostre.[8]
Como vimos, a Escritura Sagrada foi-nos dada com propósitos específicos. Dentro destes propósitos ela é suficiente e eficaz. Sabemos, por exemplo, que a Bíblia não tem a pretensão de fazer ciência; ela não é um manual científico que pretenda ensinar-nos a respeito de Química, Física, Biologia, Botânica, Astronomia etc. Entretanto, cremos que o que ela diz no campo científico, como em qualquer outro, é a verdade do ponto de vista fenomenológico,[9] não havendo divergência real entre a genuína ciência e a correta interpretação da Bíblia,[10] já que Deus é o Senhor de toda a verdade.[11]
Portanto, a nossa compreensão bíblica é determinada pela própria Revelação de Deus contida na Bíblia. Não interpretamos a Bíblia simplesmente à luz da história, ou de seus condicionantes políticos, sociais, econômicos e culturais; antes, olhamos a história a partir da perspectiva das promessas divinas.[12]
Pedro diante do abandono de alguns “discípulos temporários” e a pergunta do Senhor se ele e os demais não queriam seguir o mesmo caminho de fuga, responde: “Senhor, para quem iremos? tu tens as palavras da vida eterna” (Jo 6.68).
Anos depois, o próprio Pedro escreveria às igrejas lembrando o chamado daqueles irmãos: “Pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente” (1Pe 1.23). Do mesmo modo, Paulo escrevera aos crentes romanos: “Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego” (Rm 1.16).
Maringá, 26 de fevereiro de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]É-nos alentadora a observação de Spurgeon: “O pregador do evangelho pode não ser um bom pregador. Mas o Senhor fala aos pecadores mesmo por meio de pregadores incultos” (C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992,p. 46). Do mesmo modo, Chapell: “Grandes dons não o tornam grande pregador. A excelência técnica da mensagem pode repousar nas suas habilidades, mas a eficácia espiritual da sua mensagem reside em Deus” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 25).
[2]Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 18. À frente continua: “Pregação que é fiel à Escritura converte, convence e amolda o espírito de homens e mulheres, pois ela apresenta o instrumento da compulsão divina, e não que pregadores tenham em si mesmos qualquer poder transformador” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 19).
[3] Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 25.
[4]Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 33.
[5]MacArthur acentua com veemência em lugares diferentes: “…. Não ousemos menosprezar o principal instrumento de evangelismo: a proclamação direta e cristocêntrica da genuína Palavra de Deus. Aqueles que trocam a Palavra por entretenimento ou artifícios descobrirão que não possuem um meio eficaz de alcançar as pessoas com a verdade de Cristo” (John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1997, p. 117-118). “Os que desejam colocar a dramatização, a música e outros meios mais sutis no lugar da pregação deveriam levar em conta o seguinte: Deus, intencionalmente, escolheu uma mensagem e uma metodologia que a sabedoria deste mundo considera como loucura. O termo grego traduzido por ‘loucura’ (1Co 1.21) é mõria, de onde o idioma inglês tira a sua palavra moronic (imbecil). O instrumento que Deus utiliza para realizar a salvação é, literalmente, imbecil aos olhos da sabedoria humana. Mas é a única estratégia de Deus para proclamar a mensagem” (Ibidem., p. 130).
[6]João Calvino, As Pastorais,(1Tm 3.15), p. 97.“Pois não devemos ser sábios do jeito que muitas pessoas o são, as quais exigem saber se Deus não pode enviar seus anjos do céu e nos ensinar por revelações, nem do jeito de alguns bisbilhoteiros que pretextam ter o Espírito de Deus à disposição deles (en leur manche, em sua manga), e por isso desdenham receber os dons tais como distribuídos por Deus. Para que não sejamos assim enfeitiçados por Satã, notemos como é dito aqui que é vontade de Deus que o evangelho seja pregado pelas bocas dos homens, e que estes nos são, por assim dizer, testemunhas” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Editora Monergismo, 2009, p. 29). Do mesmo modo: John Calvin, “Commentary on the Book of the Prophet Isaiah,” John Calvin Collection,[CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), (Is 41.27), p. 112.
[7]João Calvino, As Pastorais,(1Tm 3.15), p. 98. Veja-se também, As Institutas,IV.1.5.
[8]João Calvino, As Institutas,(2006),IV.1.10. Vejam-se também: João Calvino, Gálatas, (Gl 5.9), p. 158-159; João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998,(2Tm 2.15), p. 235.
[9] Strong, de forma irônica, pergunta a respeito da descrição do texto de Gn 24.63: “Seria preferível, no Antigo Testamento, se o texto dissesse: ‘Quando a revolução da terra sobre o seu eixo fez com que os raios do luminário solar impingissem horizontalmente sobre a retina, Isaque saiu para meditar’?” (August H. Strong, Systematic Theology, 35. ed. Valley Forge, PA.: The Judson Press, 1993, p. 223). Vejam-se, também: John H. Gerstner, A Doutrina da Igreja Sobre a Inspiração Bíblica: In: James M. Boice, ed. O Alicerce da Autoridade Bíblica, São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 26-27; R.C. Sproul, Razão Para Crer, São Paulo: Mundo Cristão, 1986, p. 15-25; Bruce K. Waltke, Gênesis, São Paulo:Cultura Cristã, 2010, p. 87-88 (especialmente); Francis A. Schaeffer, Nenhum conflito final: a Bíblia sem erro em tudo o que ela afirma, Brasília, DF.: Monergismo, 2017, p. 29-33; Alan Richardson, Genesis I-XI Introduction and Commentary, London: SCM Press, 1953, p. 35-38 (especialmente). A referência a este último autor é feita com cautela. Ele parte dos pressupostos da hipótese documental, interpretando inclusive, os 11 primeiros capítulos de Gênesis como “parábola” (Cf. Alan Richardson, Introdução à Teologia do Novo Testamento, São Paulo: ASTE, 1966, p. 247; Alan Richardson, Genesis I-XI Introduction and Commentary, London: SCM Press, 1953, p. 27-34. Para uma visão crítica desta posição, veja-se: G.L. Archer Jr., Merece Confiança o Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1974, p. 225. Para uma crítica mais recente a essa e outras posições que negam a literalidade de Gênesis 1-11, consulte: Walter Kaiser, Documentos do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 49-76).
[10] Tomás de Aquino, com acuidade, comentou: “Já que a palavra de Deus ultrapassa o entendimento, alguns acreditam que ela esteja em contradição com ele. Isto não pode ocorrer” (Tomás de Aquino, Súmula Contra os Gentios, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 8), 1973, VII, p. 70). Veja-se: A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Barata & Sanches, 1895, p. 7.
[11]Vejam-se: John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis,Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1981 (Reprinted), v. 1, (Gn 1.14-15), p. 84-86; John Calvin, Commentary on the Book of Psalms, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House (Calvin’s Commentaries, v. 6/4), 1996 (Reprinted), (Sl 136.7), p. 184-185; João Calvino, As Institutas, I.14.4. Curiosamente Tomás de Aquino (1225-1274) havia usado argumento semelhante ainda que com propósitos diferentes, referindo-se aos leitores de Moisés como “ignorantes”, daí a sua condescendência. Após tratar de Gn 1.6, acrescenta: “Deveríamos antes considerar que Moisés estava a falar para gente ignorante, e que condescendendo à sua fraqueza só lhes apresentou coisas tais que fossem aparentes aos sentidos. Ora, mesmo os menos instruídos podem perceber pelos seus sentidos que a Terra e a água são corpóreas, embora não seja evidente para todos que o ar também é corpóreo (…). Moisés, então, embora mencionasse expressamente a água e o ar, não faz qualquer menção explícita do ar pelo nome, para evitar apresentar a pessoas ignorantes algo que estava para além do seu conhecimento” (Thomas Aquina, “Summa Theologica,” The Master Christian Library,Verson 8.0 [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 2000), v. 1, Primeira Parte, Questão 68, Argumento 3, p. 819. Ver no mesmo volume: Questão 61, p. 724 e Questão 66, p. 791-792; Charles Hodge, Systematic Theology,Grand Rapids, Michigan: Wm. Eerdmans Publishing Co. 1986, v. 1, p. 3. (Ver também: Philip Schaff; David S. Schaff, History of the Christian Church, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 8, p. 680).
[12] Veja-se: David M. Lloyd-Jones, Do Temor à Fé, Miami, Florida: Vida, 1985, passim