A Pessoa e Obra do Espírito Santo (417)
2) Integralidade de conteúdo e propósito
“25 Agora, eu sei que todos vós, em cujo meio passei pregando o reino, não vereis mais o meu rosto. 26 Portanto, eu vos protesto, no dia de hoje, que estou limpo do sangue de todos; 27 porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus.(…)31 Portanto, vigiai, lembrando-vos de que, por três anos, noite e dia, não cessei de admoestar, com lágrimas, a cada um” (At 20.25-27,31).
O apóstolo havia concluído o seu ministério presencial entre os efésios. Ele se esforçou por apresentar todo o desígnio de Deus. Conforme vimos, isso envolveu um processo metodológico (uso do tempo e demais recursos) imenso. Porém, mais do que isso significa um ensino equilibrado de toda a Escritura. É sempre perigoso nos tornar cativos de nossas predileções doutrinárias ou de determinadas ênfases relacionadas aos usos e costumes. Creio que a pregação expositiva das Escrituras, entre outras virtudes, nos previne de algumas dessas armadilhas.
Destaquemos alguns pontos:
A) Suficiência das Escrituras para conduzir e preservar a igreja
“Agora, pois, encomendo-vos (parati/qhmi) ao Senhor e à palavra da sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados” (At 20.32).
A igreja foi instruída com base nas Escrituras. Os presbíteros sabem disso. Agora ele os confia ao Senhor e à sua Palavra que é poderosa para lhes salvar, instruir e guardar (Rm 1.16). O apóstolo diz então, que eles não precisam de mais nada para cuidarem de si mesmos e da igreja. A Palavra tem todos os ensinamentos necessários para nos conduzir em segurança.
De fato, a Palavra é suficiente para todas as nossas necessidades em todas as circunstâncias e fases de nossa vida. Escreve o apóstolo: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, (didaskali/a)[1] para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2Tm 3.16).[2]
B) O Deus Trino: Transcendente e que se revela – fala e age
“21testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo. (…) 23 senão que o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam cadeias e tribulações. (…) 28 Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.21,23,28).
Paulo apresentou a mensagem de um Deus vivo que se deu a conhecer fidedignamente como o Deus Trino e, que se compromete total e pessoalmente com a salvação de seu povo.
A doutrina da Trindade é uma das marcas características do Cristianismo, sendo fundamentalmente dependente da revelação bíblica.[3] Ela sofreu ao longo da história diversos ataques, muitos dos quais resultantes de uma compreensão limitada e errada dos ensinamentos bíblicos.
Bavinck (1854-1921) acentua a importância dessa doutrina ao longo da história:
O artigo sobre a santa Trindade é o coração e o núcleo de nossa confissão, a marca registrada de nossa religião, e o prazer e o conforto de todos aqueles que verdadeiramente creem em Cristo.
Essa confissão foi a âncora na guerra de tendências através dos séculos. A confissão da santa Trindade é a pérola preciosa que foi confiada à custódia da Igreja Cristã.[4]
Esta doutrina é tão surpreendente que jamais poderia ter sido inventada pelo homem; ela é resultado da Revelação Especial de Deus que nos foi concedida para que conheçamos o Trino Deus e o adoremos.
C) A Pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo
19servindo ao Senhor com toda a humildade, lágrimas e provações que, pelas ciladas dos judeus, me sobrevieram, (…) 21 testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo. (…) 25 Agora, eu sei que todos vós, em cujo meio passei pregando o reino, não vereis mais o meu rosto. (…) 28 Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.19,21,25, 28).
A divindade de Cristo e a sua humanidade faziam parte de seus ensinamentos. A sua mensagem envolvia a realidade de que Jesus Cristo é o Senhor e reina sobre todas as coisas.
D) Universalidade do pecado
“19servindo ao Senhor com toda a humildade, lágrimas e provações que, pelas ciladas (e)piboulh\) (= plano, conspiração)[5] dos judeus, me sobrevieram, (…) 21 testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (At 20.19,21).
A mensagem de salvação é para todos os homens: judeus e gentios. A perseguição que o Apóstolo sofreu por parte dos judeus e que se repetia em seu ministério ilustra esse fato. (At 9.24; 20.3,19; 23.30).
Todos pecaram. O homem além de não querer, nada pode fazer para deixar de pecar. Após a queda, a natureza humana se corrompeu total e intensamente, e estendeu essa contaminação a todas as áreas da sua vida. A transgressão trouxe um quadro de irreversibilidade pecaminosa que se perpetuou em todos os seres humanos. Ou seja: o homem continuou nesta prática (Gn 6.5; 8.21; Is 64.6; Rm 3.9-12). A Escritura nos fala que o pecado, comum a todos nós (Rm 3.23), nos fez cativos (Jo 8.34; Rm 6.20; 7.23[6]), habitando em nós (Rm 7.17,20),[7] mantendo-nos sob o seu domínio.
Negar a nossa condição de pecador é negar a própria Palavra de Deus, que diz: “Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso e a sua palavra não está em nós” (1Jo 1.10). A insensibilidade pecaminosa não nos santifica nem nos inocenta. “Não ser consciente de pecado algum é o pior pecado de todos”.[8]
O pecado é o grande nivelador de toda a humanidade: todos pecaram. Logo, não há lugar para arrogância ou supostas boas obras justificadoras (Rm 3.19-20).[9] Se todos pecaram, isso significa que nós também pecamos; se todos precisam de salvação, significa que nós também precisamos. “Pecado não é algo peculiar a uns poucos, senão que permeia o mundo inteiro”.[10] O pecado nos condena e, ao mesmo tempo, nos impossibilita totalmente de nos salvar a nós mesmos.
Na Oração do Senhor temos um indicativo da universalidade do pecado. “O fato de Jesus ensinar a todas as pessoas a fazerem esta oração demonstra a universalidade do pecado; e para repetir esta oração se requer um sentido de pecado”, conclui Barclay (1907-1978).[11]
Por isso mesmo, o Evangelho deve ser anunciado a todos indistintamente. Todos nós precisamos nos arrepender e crer em Jesus Cristo. Esta foi a mensagem de Paulo em Éfeso.
Maringá, 26 de fevereiro de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] A palavra significa “ato de ensino”, “instrução”, “treinamento”, podendo ser também empregada na forma passiva, indicando “aquilo que é ensinado”, “instrução”, “doutrina” (* Mt 15.9; Mc 7.7; Rm 12.7; 15.4; Ef 4.14; Cl 2.22; 1Tm 1.10; 4.1,6,13,16; 5.17; 6.1,3; 2Tm 3.10,16; 4.3; Tt 1.9; 2.1,7,10).
[2]Para uma análise mais detalhada desse texto, veja-se: Hermisten M.P. Costa, Introdução à Educação cristã, Brasília, DF.: Monergismo, 2012.
[3]Cf. Augustus H. Strong, Teologia Sistemática, São Paulo: Editora Hagnos, 2003, v. 1, p. 452.
[4]Herman Bavinck, Our Reasonable Faith,4. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1984, p. 145.
[5] * At 9.24; 20.3,19; 23.30.
[6]“….Em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8.34). “Porque, quando éreis escravos do pecado, estáveis isentos em relação à justiça” (Rm 6.20). “Mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros” (Rm 7.23).
[7]“Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim. (…) Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim” (Rm 7.17,20).
[8] W. Barclay, El Padrenuestro,Buenos Aires: La Aurora; ABAP, 1985, p. 118.
[9]“Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.19-20).
[10]João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 2.2), p. 52.
[11]W. Barclay, El Padrenuestro,Buenos Aires: La Aurora; ABAP., 1985, p. 118.