A Pessoa e Obra do Espírito Santo (411)
6.4.10.2.5. Comunidade proclamadora do Evangelho (Continuação)
A Igreja tem, com muita frequência, se distanciado daquilo que a caracteriza: a pregação da Palavra[1] que consiste no ensino da verdade[2] e o genuíno culto ao Deus verdadeiro. Ela tem feito discursos políticos, sociais, ecológicos, etc., todavia, tem se esquecido de sua prioridade essencial: pregar a Palavra a fim de que os homens se arrependam e sejam batizados, ingressando, assim, na Igreja. Com isto, não estamos defendendo um total distanciamento da Igreja do que ocorre na História, pelo contrário, a Igreja deve agir de forma evidente e efetiva na História.
A igreja age de forma eficaz não com discursos rotineiros a respeito da pobreza, da violência, e do desmatamento, mas, sim, na proclamação do Evangelho de Cristo, que é o poder de Deus para a transformação de todos os homens que creem (Rm 1.16-17).
A recomendação paulina é:
Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina (didaskali/a); pelo contrário, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em todas as cousas, suporta as aflições, faze o trabalho de evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério. (2Tm 4.2-5).
Meu antigo mestre, Boanerges Ribeiro (1919-2003), escreveu de forma contundente:
A Igreja declara que a relação se restabeleceu entre Deus e o homem pela Palavra criadora de Deus. Eis uma declaração que inquieta o mundo. Eis uma declaração que provoca a fúria homicida do mundo em agonia, contra a Igreja imortal, o que tantas vezes faz da testemunha, mártir, e da Revelação a João, a tela de horrores apocalípticos onde a besta desesperada tenta em vão destruir a Igreja. Mas a Igreja há de dar testemunho: não pode fugir à vocação de seu ser.
A Igreja é a comunidade de seres humanos organizada pela presença permanente do Espírito Santo (…) conservada no mundo para ser testemunha de Cristo por meio da Palavra de Deus.[3]
Por isso, a Igreja como testemunha, não tem o direito, nem realmente deseja, optar por testemunhar ou não, nem a quem deve anunciar o Evangelho: Ela de fato, não pode se calar, do mesmo modo que não podemos deixar de respirar. A Igreja não pode deixar de dar testemunho, visto que ela “não pode fugir à vocação do seu próprio ser”.[4] (At 1.8; 4.8-13; 6.10/7.55; 9.17-20; 11.21-25; 13.9-12).
Como Igreja, somos levados sob a direção do Espírito, de forma irreversível, a testemunhar sobre a realidade de Cristo e do poder da sua graça. “Viver segundo a direção do Espírito é viver na força do Espírito (…). A única maneira pela qual podemos viver pela força do Espírito é mantendo comunhão com ele”, conclui Hoekema (1913-1988).[5]
Nós somos o meio ordinário estabelecido por Deus para que o mundo ouça a mensagem do Evangelho. Jesus Cristo confiou à Igreja – como já mencionamos: prioritariamente como organização, ainda que não exclusivamente[6] –, a tarefa evangelística.
A Igreja é “o agente por excelência para a evangelização”.[7] Nenhum homem será salvo fora de Cristo, mas para que isto aconteça ele tem que conhecer o Evangelho da Graça.[8] Como crerão se não houver quem pregue? (Rm 10.13-15).“O evangelismo pelo qual Deus leva os seus eleitos à fé é um elo essencial na corrente dos propósitos divinos”, afirma Packer.[9]
A Igreja de Deus é identificada e caracterizada pela genuína pregação da Palavra.[10] A Igreja na sua proclamação revela quem é: nós somos identificados não simplesmente pelo que dizemos a nosso respeito, mas, principal e fundamentalmente pelo que revelamos em nossos atos. A Igreja revela-se como povo de Deus no seu testemunho a respeito de Deus e da sua Glória manifestada em Cristo, bem como na declaração do pecado humano e da necessidade de reconciliação com Deus.
A Igreja não é a mensagem; antes é o meio de proclamação; todavia, neste ato de proclamação das virtudes de Deus, ela torna patente a sua identidade divina, demonstrando o poder daquilo que ela testemunha, visto ser a Igreja o monumento da Graça e Misericórdia de Deus, constituído a partir da Palavra criadora de Deus. É justamente por isso, que a genuína pregação do Evangelho só pode ser realizada pela igreja.
“Somente quando a Palavra de Deus é pregada, de acordo com as Escrituras, ali é ouvida a voz do Bom Pastor, chamando Suas ovelhas pelo nome. (…) Quando a Palavra não é pregada, ali Cristo não fala Sua Palavra de salvação, e ali não está reunida a Igreja”, resume Hoeksema (1886-1965).[11]
Encontramos exemplos deste testemunho em Estevão, que falava cheio do Espírito Santo (At 6.10; 7.55); em Paulo, que após receber o Espírito no ato da sua conversão, passou a pregar que Jesus era o Filho de Deus (At 9.17-20; 13.9-12) e, também, em Barnabé, no seu breve, porém profícuo ministério em Antioquia (At 11.21-25).
Quando evangelizamos estamos revelando o nosso amor a Deus e ao nosso próximo, glorificando a Deus, sendo-lhe obedientes na vivência de nossa natureza de proclamação e serviço. “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama”(Jo 14.21).
Nós glorificamos a Deus sendo-Lhe obediente (Jo 17.4). A glória de Deus é muito maior do que a nossa salvação; mas, também sabemos que Deus é glorificado por meio da salvação de seus escolhidos.[12]
São Paulo, 18 de fevereiro de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Podemos tomar operacionalmente a definição dada por Alexander Vinet (1797-1847) à pregação: “A pregação é a explicação da Palavra de Deus, a exposição das verdades cristãs, e a aplicação dessas verdades ao nosso rebanho” (A.R. Vinet, Pastoral Theology: or, The Theory of the Evangelical Ministry,2. ed. New York: Ivison, Blakeman, Taylor & Co. 1874, p. 189).
[2]“Uma igreja com um grande número de membros, com um imponente edifício, com uma elaborada liturgia, com uma eficiente organização e com vestimentas digníssimas, porém sem a verdade, não é uma igreja. Por outro lado, uma igreja com pouquíssimos membros, com um edifício que não é mais que uma choça, com uma ordem simples de adoração, com um mínimo de organização e sem vestiduras eclesiásticas, é uma igreja de Jesus Cristo se somente é leal à verdade” (R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo,p. 101).
[3] Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, São Paulo: O Semeador, 1989, p. 42-43.
[4]Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, p. 43.
[5] A.A. Hoekema, Salvos pela Graça,São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 59.
[6] Veja-se: R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica,p. 100, 151-152.
[7] R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, p. 220. (Veja-se, todo o capítulo, p. 220-226).
[8]“Deus não pode ser devidamente invocado senão por aqueles aos quais a Sua bondade e a Sua clemência tenham sido proclamadas pela pregação do Evangelho” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 99).
[9]J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São Paulo: FIEL, 1994, p. 146.
[10]Como vimos, Lutero afirmou com propriedade: “Onde, porém, não se anuncia a Palavra, ali a espiritualidade será deteriorada” (Martinho Lutero, Uma Prédica Para que se Mandem os Filhos à Escola (1530): In:Martinho Lutero: Obras Selecionadas,São Leopoldo; Porto Alegre, RS.: Sinodal; Concórdia, 1995, p. 334).
[11]Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics,3. ed.Grand Rapids, Michigan, Reformed Publishing Association, 1976, p. 621. “Onde há a Palavra de Deus e o Espírito, há fé, ali está a igreja” (Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 789).
[12]Vejam-se: William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 17.6), p. 758; R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 58-59; 90-91; 149; Idem, El Cuerpo Glorioso de Cristo, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Christiana Reformada, 1985, p. 225-226; J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 51ss.; John Piper, Alegrem-se os Povos: a supremacia de Deus em missões, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 13-14,17,18.