A Pessoa e Obra do Espírito Santo (410)
6.4.10.2.5. Comunidade proclamadora do Evangelho (Continuação)
Noll resume bem ao dizer que: “Estudar a história do cristianismo é lembrar continuamente o caráter histórico da fé cristã”.[1]
Sem o fato histórico da encarnação, morte e ressurreição de Cristo, podemos falar até de experiência religiosa, mas não de experiência cristã. A experiência cristã depende fundamentalmente destes eventos.[2] É por isso que a pregação da Igreja primitiva, conforme nos mostram as Escrituras, estava fundamentalmente amparada na certeza da ressurreição do Senhor.[3]
Portanto, quando focamos o nosso olhar na experiência, corremos o risco de perdermos a dimensão da essência, do referente, que é Deus. Neste processo, como escreveu Barth (1886-1968), “a passagem da experiência do Senhor à experiência de Baal é curta. O religioso e o sexual são extremamente semelhantes”.[4]
Jesus Cristo é o clímax da Revelação; é a Palavra Final de Deus. Nele temos não uma metáfora ou um sinal, antes, temos o próprio Deus que Se fez homem na história.
Escreve Sire (1933-2018):
Jesus Cristo é a revelação final e especial de Deus. Porque Jesus Cristo era verdadeiramente Deus Ele nos mostrou mais plenamente com quem Deus era semelhante do que qualquer outra forma de revelação. Porque Jesus foi também completamente homem, Ele falou mais claramente a nós do que pode fazê-lo qualquer outra forma de revelação.[5]
A fé cristã é para ser vivida e proclamada. A pregação caracteriza essencialmente a fé cristã e a sua proclamação. Paulo, então indaga:
Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas! (Rm 10.14-15).
No final de sua vida, Paulo, com a consciência certa de ter concluído fielmente o seu ministério, exorta ao jovem Timóteo:
Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas (mu=qoj = lenda, mito). Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições, faze o trabalho de um evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério. (2Tm 4.2-5).
Testemunho no poder do Espírito
O Espírito capacita a Igreja a cumprir o que Jesus lhe ordenou. Isto ele faz concedendo-lhe poder (At 1.8/4.8-13, 31). Somente o Espírito pode capacitar a Igreja a desempenhar de forma eficaz o seu Ministério.
O texto de At 1.8, resume bem o conteúdo do Livro de Atos:[6] A Igreja testemunha no poder do Espírito de Jesus (At 16.7). “O poder do Espírito Santo é sua capacidade de ligar os homens ao Cristo ressurreto de tal maneira que sejam capacitados a representá-Lo. Não há nenhuma bênção mais sublime”, comenta Bruner.[7]
O Espírito e Pentecoste
Do mesmo modo que o Espírito veio sobre Jesus equipando-o para o seu Ministério público, o Espírito deveria vir sobre o seu povo capacitando-o para o seu serviço.[8] Por isso que, “sem o poder do Espírito Santo a evangelização é impossível”, conclui Stott.[9]
No Pentecoste, se concretiza historicamente a capacitação da Igreja para a sua missão no mundo. O Pentecoste revela o caráter missionário da Igreja, tornando cada crente uma testemunha de Cristo. “Pentecoste significa evangelismo”.[10] E isto, no poder do Espírito, derramado de forma sobrenatural. “O dia de Pentecostes foi sem dúvida um momento extraordinário de transição em toda a história da redenção registrada nas Escrituras. Foi um dia singular na história do mundo, porque naquele dia o Espírito Santo começou a atuar entre o povo de Deus com o poder da nova aliança”, resume Grudem.[11]
A Igreja é uma testemunha comissionada pelo próprio Deus, para narrar os seus atos gloriosos e salvadores. A igreja é o meio ordinário de Deus para esta tarefa.
Assim, a sua mensagem não foi recebida de terceiros, mas, sim, diretamente de Deus, por intermédio da Palavra do Espírito, registrada nas Sagradas Escrituras. A Igreja declara ao mundo o “Evangelho do Reino” visto e experimentado por ela em sua cotidianidade.
Stott comenta: “A Igreja e o evangelho são inseparáveis (…). A Igreja é tanto o fruto como o agente do evangelho, visto que por meio do evangelho a igreja se desenvolve e por meio desta se propaga aquele”.[12] O testemunho da Igreja é resultado de uma experiência pessoal: o Espírito dá testemunho do Filho, porque procede do Pai e do Filho (Jo 14.26; 15.26; Gl 4.6). Nós damos testemunho do Pai, do Filho e do Espírito, porque os conhecemos e temos o Espírito em nós (Jo 15.26,27; 14.23/Rm 8.9).
Notemos, contudo, que a experiência da Igreja não se torna a base da sua proclamação; ela anuncia não as suas experiências mas, a Palavra de Deus. A nossa tarefa é ensinar o Evangelho tal qual registrado nas Escrituras, em submissão ao Espírito que nos dá compreensão na e por meio da Palavra (Sl 119.18).
Encontramos exemplos desse testemunho em Estevão, que falava cheio do Espírito Santo (At 6.10; 7.55). Em Paulo, que após receber o Espírito no ato da sua conversão, passou a pregar que Jesus era o Filho de Deus (At 9.17-20; 13.9-12) e, também, em Barnabé, no seu breve, porém profícuo ministério em Antioquia (At 11.21-25).
O poder do Espírito não significa simplesmente uma vitória sobre as dificuldades, antes, ele nos fala do triunfo, mesmo quando a derrota nos parece evidente. Assim, Estevão testemunhou no poder do Espírito e foi apedrejado.
Paulo cumpriu seu ministério sob a direção do Espírito e foi preso e martirizado. Esses exemplos, que não são isolados, nos falam de uma aparente derrota e frustração, todavia, é apenas uma falsa percepção dos fatos.
O poder do Espírito é a capacitação para levar adiante a mensagem de Cristo, mesmo que isto nos custe o mais alto preço do testemunho, que é o martírio. A Igreja no poder do Espírito declara solene e corajosamente: “Nós não podemos deixar de falar das cousas que vimos e ouvimos” (At 4.20). “Antes importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29). “Estou pronto não só para ser preso, mas até para morrer em Jerusalém, pelo nome do Senhor Jesus” (At 21.13).
São Paulo, 18 de fevereiro de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000,p. 16. Vejam-se também: Clyde P. Greer, Jr., Refletindo Honestamente sobre a História: In: John F. MacArthur Jr. ed. ger. Pense Biblicamente!: recuperando a visão cristã do mundo, São Paulo: Hagnos, 2005, p. 400-401.
[2]Cf. J. Gresham Machen, Cristianismo e Liberalismo, São Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 77.
[3] “Gostemos ou não, não podemos escapar ao fato de que historicamente o Cristianismo foi fundado sobre a crença na ressurreição” (Alan Richardson, Así se hicieron los Credos: Una breve introducción a la historia de la Doctrina Cristiana, Barcelona: Editorial CLIE, 1999, p. 24).
[4] Karl Barth, A Palavra de Deus e a palavra do homem, São Paulo: Novo Século, 2004, p. 217.
[5]James W. Sire, O universo ao lado, São Paulo: Hagnos, 2004, p. 40.
[6]Outros chamam At 1.8 de “índice” do Livro. (Cf. John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: até os confins da terra,São Paulo: ABU., 1994, p. 42).
[7]Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 129.
[8] Veja-se: John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: até os confins da terra,p. 38.
[9]John R.W. Stott, Crer é também Pensar,São Paulo: ABU., 1984 (2. impressão), p. 49.
[10]R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, Grand Rapids, Michigan: SLC., 1985, p. 221. Do mesmo modo, Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática,São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 910.
[11] Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática,p. 641.
[12]John R.W. Stott; Basil Meeking, editores, Dialogo Sobre La Mision, Grand Rapids, Michigan: Nueva Creación, 1988, p. 62.