A Pessoa e Obra do Espírito Santo (407)
6.4.10.2.4. Comunidade Litúrgica (Continuação)
O culto cristão é a expressão da alma que conhece a Deus e, que deseja dialogar com o seu Criador; mesmo que este diálogo, por alguns instantes, consista num monólogo edificante no qual Deus nos fale por intermédio da Palavra.
A definição de Garcia expressa bem esta realidade: “Em essência o culto é um encontro de Deus com Seu povo no qual se estabelece um diálogo: Deus fala à Sua Igreja através de Sua Palavra e a Congregação expressa sua adoração ao Senhor mediante as orações, oferendas e hinos”.[1]
A Igreja em sua caminhada, apresenta-se ao seu Senhor como oferta voluntária e total, na qual está expressa uma atitude de adoração, gratidão e consagração: Adoração pelo que o Senhor é; Gratidão pelo que Deus fez e continua fazendo; Consagração, como testemunho de que o Deus adorado é o seu Deus. Assim, a Igreja vivencia a sua natureza litúrgica (Rm 12.1).”O culto é a essência e o coroamento da atividade cristã”, pontua Moule (1908-2007).[2]
Por isso, é que podemos fazer coro à declaração de Ribeiro (1919-2003), de que, “Adorar a Deus é a nossa mais alta atividade pois coloca o espírito humano em comunicação com Deus eterno. Atividade tão essencial que é o próprio Deus quem busca adoradores”.[3]
O culto cristão não é simplesmente uma ação humana, mas sim, uma resposta; uma atitude responsiva à ação de Deus que primeiro veio ao homem, revelando-Se e capacitando-o a responder-Lhe. A essencialidade desta atividade é apontada pelo fato de que é Deus mesmo quem procura constantemente[4] Seus adoradores: “….vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura (zhte/w) [5] para seus adoradores” (Jo 4.23).[6]
Deus não procura líderes, “facilitadores”, mestres ou discípulos, mas sim, adoradores. “A finalidade ou o propósito do evangelismo e de missões é criar um povo para adorar a Deus”, enfatiza Johnson.[7] A adoração é a nossa mais importante e permanente atividade, tanto aqui como na eternidade. Portanto, nós cultuamos a Deus não para simplesmente “evangelizar” os incrédulos, antes, para expressar em fé a nossa adoração, louvor e gratidão.[8]
São Paulo, 17 de fevereiro de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Víctor M.S. Garcia, Musica y Alabanza: In: Revista Teológica, México: v. 9, nº 31-32, 1978, p. 47.
[2] C.F.D. Moule, As Origens do Novo Testamento, São Paulo: Paulinas, 1979, p. 45.
[3] Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo,São Paulo: O Semeador, 1989, p. 46-47.
[4] O verbo zhte/w na sua forma indicativa, conforme aparece em Jo 4.23, aponta para a atividade contínua e habitual de Deus.
[5]Este verbo (92 vezes no NT), quando empregado referindo-se à ação do Pai e do Filho, em suas poucas aparições, tem um sentido altamente significativo. a) Jesus, o Filho, busca não a sua glória, mas a do Pai: “Respondeu-lhes Jesus: O meu ensino não é meu, e sim daquele que me enviou. Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo por mim mesmo. Quem fala por si mesmo está procurando (zhte/w) a sua própria glória; mas o que procura (zhte/w) a glória de quem o enviou, esse é verdadeiro, e nele não há injustiça” (Jo 7.16-18); “Replicou Jesus: Eu não tenho demônio; pelo contrário, honro a meu Pai, e vós me desonrais. Eu não procuro (zhte/w) a minha própria glória; há quem a busque (zhte/w) e julgue” (Jo 8.49-50). b) O Filho busca fazer a vontade do Pai: “Eu nada posso fazer de mim mesmo; na forma por que ouço, julgo. O meu juízo é justo, porque não procuro (zhte/w) a minha própria vontade, e sim a daquele que me enviou” (Jo 5.30). c) O Filho veio buscar o perdido: “Porque o Filho do Homem veio buscar (zhte/w) e salvar o perdido” (Lc 19.10). Esta passagem faz eco à promessa de Deus que, através de Ezequiel, dissera: “Como o pastor busca o seu rebanho, no dia em que encontra ovelhas dispersas, assim buscarei as minhas ovelhas; livrá-las-ei de todos os lugares para onde foram espalhadas no dia de nuvens e de escuridão. Tirá-las-ei dos povos, e as congregarei dos diversos países, e as introduzirei na sua terra; apascentá-las-ei nos montes de Israel, junto às correntes e em todos os lugares habitados da terra. Apascentá-las-ei de bons pastos, e nos altos montes de Israel será a sua pastagem; deitar-se-ão ali em boa pastagem e terão pastos bons nos montes de Israel. Eu mesmo apascentarei as minhas ovelhas e as farei repousar, diz o SENHOR Deus. A perdida buscarei, a desgarrada tornarei a trazer, a quebrada ligarei e a enferma fortalecerei; mas a gorda e a forte destruirei; apascentá-las-ei com justiça” (Ez 34.12-16). Na Parábola da “Ovelha Perdida”, temos figura semelhante: “Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas, e uma delas se extraviar, não deixará ele nos montes as noventa e nove, indo procurar (zhte/w) a que se extraviou?” (Mt 18.12).
No Antigo Testamento ao povo rebelde, distante de Deus, alheio à Aliança, Deus o conclama a voltar-se para Ele com integridade de coração. Deus se deixaria achar: “Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração” (Jr 29.13/Dt 4.29; Is 55.6). Na reforma levada a efeito por Asa – o terceiro Rei de Judá após a divisão das tribos de Israel. Asa governou durante 41 anos (c. 910-869) –, houve esta busca sincera por Deus: “Israel esteve por muito tempo sem o verdadeiro Deus, sem sacerdote que o ensinasse e sem lei. Mas, quando, na sua angústia, eles voltaram ao SENHOR, Deus de Israel, e o buscaram, foi por eles achado” (2Cr 15.3-4). O Cronista fala de várias pessoas das tribos de Israel que se juntaram a Judá com o propósito de buscar a Deus: “Entraram em aliança de buscarem ao SENHOR, Deus de seus pais, de todo o coração e de toda a alma” (2Cr 15.12). No Novo Testamento, Jesus Cristo ratifica o ensino do Antigo Testamento, estabelecendo a prioridade do Reino e de sua justiça: “Buscai (zhte/w), pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33). Temos também a promessa de encontrar Aquele a quem buscamos: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai (zhte/w) e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede recebe; o que busca (zhte/w) encontra; e, a quem bate, abrir-se-lhe-á” (Mt 7.7-8). No entanto, Jesus não se deixa enganar: Ele sabe da sinceridade de nosso coração e de nossos verdadeiros desejos: “Quando, pois, viu a multidão que Jesus não estava ali nem os seus discípulos, tomaram os barcos e partiram para Cafarnaum à sua procura. E, tendo-o encontrado no outro lado do mar, lhe perguntaram: Mestre, quando chegaste aqui? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: vós me procurais, (zhte/w) não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos fartastes” (Jo 6.24-26).
Paulo, considerando a liberdade cristã em relação aos “rudimentos do mundo”, exorta: “Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai (zhte/w) as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus” (Cl 3.1). De fato, como somos peregrinos neste mundo, buscamos intensamente a cidade eterna: “Na verdade, não temos aqui cidade permanente, mas buscamos (e)pizhte/w) a que há de vir” (Hb 13.14).
Lucas relata que o procônsul Sérgio Paulo, que ouvia a Paulo e a Barnabé, tinha grande avidez pela Palavra: “…. o procônsul Sérgio Paulo, que era homem inteligente. Este, tendo chamado Barnabé e Saulo, diligenciava (e)pizhte/w) para ouvir a palavra de Deus” (At 13.7).
[6]Veja-se: Confissão de Fé de Westminster, IX.3,4.
[7] Terry L. Johnson, Adoração Reformada: A adoração que é de acordo com as Escrituras, São Paulo: Puritanos, 2001, p. 23.
[8] Veja-se: Michael S. Horton, O Cristão e a Cultura,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 84.