A Pessoa e Obra do Espírito Santo (403)
2) Universalidade da graça (Continuação)
A clemência e misericórdia de Deus nunca anulam a Sua justiça. A nossa justiça pode ser motivada por questões muitas vezes nobres, no entanto, circunscritas à nossa própria situação limitada de conhecimento da realidade. Portanto, devemos aprender a subordinar o nosso ardor de justiça à justiça de Deus, a qual é sempre santa e perfeita. Deus é soberano na manifestação de Sua misericórdia: “Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum. Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia, e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão (…). Logo, tem ele misericórdia de quem quer, e também endurece a quem lhe apraz”(Rm 9.14,15,18).
O livro de Jonas nos desafia ao trabalho missionário, tentando olhar o outro pela misericórdia de Deus. É fundamental que não permitamos que o nosso exclusivismo racial ou mesmo socialnos impeça de obedecer à Palavra de Deus.
Temos também aqui uma advertência e conforto: Deus leva o seu Evangelho aos homens por meio de homens que, sendo falhos, muitas vezes, titubeiam e se omitem no cumprimento de seu dever. A vocação de Deus não é um atestado de infalibilidade humana e da sacralização de seus vocacionados. A Escritura e a história têm demonstrando isto de forma abundante.
O Evangelho deve ser anunciado a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, cultura, cor e condição socioeconômica; quer seja a grandes grupos (At 8.5-6),[1] quer seja a um indivíduo em particular (At 8.34-35).[2]
A Igreja é católica porque a oferta de salvação é para todos em todas as épocas e lugares. Todos os seres humanos de todos os lugares que responderem com fé ao anúncio das Boas Novas de salvação serão salvos. A Igreja de Cristo congrega pessoas de todas as nações, de raças diferentes, de dialetos variados e condições sociais díspares. A insensibilidade para como esta missão nega a sua essência como igreja católica, não podendo ser mais considerada “universal”.
Com isto, não estamos querendo dizer que, para que a Igreja seja católica, precise ter crentes de todas as regiões, antes, o que estamos afirmando, é que a oferta da graça salvadora anunciada pela Igreja, é para todos os homens. O alcance da graça salvadora de Cristo assinala a vitória de Cristo sobre todas as barreiras geográficas, culturais e temporais.
Paulo escreve aos gálatas:“Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.26-28). (Ver também: Ef 2.18; Cl 3.11). Não há barreiras intransponíveis para a graça.
Shakespeare (1564-1616), na tragédia Romeu e Julieta,coloca nos lábios de Romeu, as seguintes palavras dirigidas à Julieta: “Os limites de pedra não servem de empecilho para o amor”.[3]
A Palavra de Deus nos mostra que o homem longe de Deus permanece morto espiritualmente, com um coração empedernido para as realidades espirituais. “A depravação do homem não regenerado é tanta que, embora não exista nada de que ele necessite mais do que o Evangelho, não há nada que ele queira menos”, analisa Kuiper.[4](Ef 2.1,5).
A Bíblia nos ensina também, que “Deus é sempre pleno de amor e vida”[5] e, que, com o seu gracioso poder, Ele transforma o coração[6] de pedra do homem – coração insensível ao Evangelho -, dando-lhe um coração de carne.“Dar-vos-ei coração novo, e porei dentre em vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro em vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis” (Ez 36.26,27).[7]
Deus, na plenitude do seu amor, ao longo da História tem vencido os corações de pedra, empedernidos pela incredulidade, concedendo um novo coração ao Seu povo. Os corações de pedra não servem de obstáculo para o amor gracioso de Deus.
A Igreja, constituída por aqueles que já tiveram os seus corações transformados, anuncia o Evangelho, que é o poder transformador de Deus (Rm 1.16).
Por isso, o seu testemunho abrange a todos os homens (Mc 16.15/Rm 10.14):
a) Judeus, gentios, intelectuais ou não: (At 17.16-18/1Co 1.26-31).
b) Todas as nações: (Mc 13.10; Rm 15.18-29/Mt 28.18-20; At 1.8).
c) Samaritanos: (= inimigos mortais) (At 8.5,14,25).
d) Pobres e simples: (Mt 11.25; Lc 4.18).
e) Pessoas influentes: (Gl 2.2).
À Igreja cabe a responsabilidade intransferível de pregar o Evangelho a toda criatura. “A mais importante implicação da catolicidade da igreja, observa Kuiper, é seu solene dever de proclamar o evangelho de Jesus Cristo a todas as nações e tribos da terra”.[8]
A universalidade da pregação ampara-se no Senhorio de Cristo sobre toda a Criação. A sua autoridade não está limitada a uma época ou povo. A mensagem do Evangelho é concernente ao Deus Todo-Poderoso, não a um Deus tribal ou cultural; Ele é o Senhor do Universo e da História.
Quando Deus escolhe o seu povo demonstra a sua autoridade sobre toda a Terra: “Porque tu és povo santo ao SENHOR, teu Deus; o SENHOR, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra” (Dt 7.6). Este povo escolhido tem uma mensagem a ser levada a todos as nações. A santidade do povo (separação) tem implicações no uso especial de Deus dentro de seu propósito.[9]
Maringá, 12 de fevereiro de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]“Filipe, descendo à cidade de Samaria, anunciava-lhes a Cristo. As multidões atendiam, unânimes, às coisas que Filipe dizia, ouvindo-as e vendo os sinais que ele operava” (At 8.5-6).
[2]“Então, o eunuco disse a Filipe: Peço-te que me expliques a quem se refere o profeta. Fala de si mesmo ou de algum outro? Então, Filipe explicou; e, começando por esta passagem da Escritura, anunciou-lhe a Jesus” (At 8.34-35).
[3] W. Shakespeare, Romeu e Julieta, São Paulo: Abril Cultural, 1978, II.2. p. 43.
[4] R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 101.
[5]William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004 (Jo 3.16), p. 191.
[6]Lembremo-nos que, nas Escrituras, a palavra “coração” tem uma gama variada de significado, indicando, normalmente, a sede de nossos pensamentos, emoções e decisões. (Ver mais detalhes In: Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso: A Oração do Senhor,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001).
[7] D.M. Lloyd Jones pregando na Epístola de Efésios, alude ao texto de Ezequiel e comenta: “O coração não é mais flexível, não é mais sensível, mas está endurecido e rijo; tornou-se como pedra; e a promessa do evangelho é: ‘tirarei o coração de pedra da vossa carne, e vos darei um coração de carne’, um coração capaz de sentir, um coração capaz de reagir, um coração flexível” (D. M. Lloyd-Jones, As Trevas e a Luz, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1995, p. 61).
[8]R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Christiana Reformada, 1985, p. 60.
[9] Veja-se uma instrutiva discussão a respeito deste ponto em: J. Blauw, A Natureza Missionária da Igreja, São Paulo: ASTE., 1966, p. 21ss.