A Pessoa e Obra do Espírito Santo (38)
6.1.6. O Deus que se revela fidedignamente (Continuação)
Lewis (1898-1963) escreve de forma perspicaz:
O ateísmo (…) é uma coisa por demais simplista. Se todo o universo não tem sentido, nunca descobriríamos que ele não tem sentido, do mesmo modo que, se não houvesse luz no universo, nem, consequentemente, criaturas com olhos, nunca saberíamos que era escuro. A palavra escuro seria uma palavra sem sentido.[1]
No entanto, Deus se revelou fidedigna e acessivelmente. “No Filho temos a revelação última de Deus. Da mesma forma como é verdade que quem viu o Filho viu o Pai, também é verdade que quem não viu o Filho, não viu o Pai”, escreve Hendriksen (1900-1982).[2] Jesus Cristo, a plenitude da graça encarnada, é a medida da revelação; o seu padrão e apelo final!
Bavinck (1854-1921) exulta:
A plenitude do ser de Deus é revelada nele. Ele não apenas nos apresenta o Pai e nos revela Seu nome, mas Ele nos mostra o Pai em Si mesmo e nos dá o Pai. Cristo é a expressão de Deus e a dádiva de Deus. Ele é Deus revelado a Si mesmo e Deus compartilhado a Si mesmo, e, portanto, Ele é cheio de verdade e também cheio de Graça.[3]
Deus também não é uma mera força impessoal sem nenhum sentido de racionalidade, antes, é o Deus transcendente e pessoal que se revela genuinamente, com quem podemos nos relacionar: ouvir, amar, temer, confiar e orar.[4]
A linguagem usada para Deus tem um caráter relacional, mostrando um Deus que se relaciona com o seu povo na história.[5] Aliás, é a partir do relacionamento de Deus com a Criação em geral e com o homem em especial, que torna possível a teologia. A revelação é a passagem do Deus consigo para o Deus conosco. Do Deus absconditus para o Deus revelatus. Aspectos do caráter de Deus se revelam em suas relações com suas criaturas.[6]
O mundo do conhecimento pertence a Deus. Ele é o seu autor e revelador. Logo, todo e qualquer conhecimento quer empírico, quer filosófico, quer científico, quer teológico[7] que o homem tenha ou possa ter, é parte do conhecimento de Deus expresso na sua Criação. Desta forma, podemos dizer que não existe conhecimento fora de Deus.
A realidade pertence a Deus, quem a criou, e lhe confere sentido. Quando, então nos referimos ao conhecimento que podemos ter do próprio Deus, do seu caráter e majestade, temos de reafirmar a verdade bíblica de que esse conhecimento provém do próprio Deus.
Portanto, Deus só pode ser conhecido por Ele mesmo. Daí a necessidade de revelação para que possamos conhecê-lo, e nos relacionarmos com Ele.[8] Deus em sua integridade se revela verdadeiramente como é em sua natureza essencial.[9] Este conhecimento resultante da graça é único, singular e pessoal.[10]
A despeito de nossas limitações, da loucura de nossa tentativa de pensar autonomamente, Deus, o Senhor glorioso e majestoso, torna-se conhecido por nós, paradoxalmente não pelos nossos esforços, mas, porque Ele graciosamente se dá a conhecer de forma acessível à nossa capacidade.
Conhecer a Deus pela fé é se relacionar com Ele. Portanto, não é um conhecimento simplesmente a respeito de Deus, antes, é uma relação pessoal, de confiança, obediência e amor.
Este é um conhecimento único, diferente de todos os outros conhecimentos, porque Deus é único e singular. É possível ter um conhecimento especial de algo comum, porém, conhecer a Deus é sempre algo especial, porque Deus é singular em sua essência, existência e revelação.
Somente Deus é o Senhor! Portanto, nunca poderemos ter um conhecimento real e, ao mesmo tempo banal de Deus. Banalidade e majestade são termos que essencialmente se excluem quando tratamos de Deus. Aliás, só há majestade em Deus e, ao mesmo tempo, não há nada de comum e banal em nosso Glorioso Senhor.
Insistimos: Sem a revelação de Deus pelo Espírito nós jamais o conheceríamos.[11] Esse dom, associado à revelação, visa nos conduzir a Deus em alegre submissão e gratidão.[12]
Maringá, 02 de novembro de 2020.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] C.S. Lewis, A essência do Cristianismo autêntico, São Paulo: Aliança Bíblica Universitária, (1979), p. 21.
[2] William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, (Jo 14.9) p. 657.
[3]Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 25-26. “Deus se revelou mais abundantemente no nome ‘Pai, Filho e Espírito Santo’. A plenitude que, desde o princípio, estava no nome Elohim, foi gradualmente desenvolvida e tornou-se mais plena e manifestamente expressa no nome trinitário de Deus” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 150).
[4] “A principal ênfase do cristianismo bíblico consiste na doutrina de que um Deus infinito e pessoal é a realidade final, o Criador de todas as outras coisas, e de que um indivíduo pode se aproximar do Deus santo com base na obra consumada de Cristo, e somente desse modo” (Francis A. Schaeffer, O Grande Desastre Evangélico. In: Francis A. Schaeffer, A Igreja no Século 21, São Paulo:Cultura Cristã, 2010, p. 272).
[5] Cf. Terence Fretheim, Javé: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 4, p. 740-741; Gottfried Quell, ku/rioj, etc.: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament,8. ed. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, v. 3, p. 1062-1063.
[6] Cf. A.H. Strong, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2003, v. 1, p. 21.
[7] Quanto aos tipos de conhecimento, veja um resumo em: Hermisten M. P. Costa, Introdução à metodologia das ciências teológicas, Goiânia, GO.: Cruz, 2015.
[8]Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Prolegômena, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 287ss.
[9] “Deus se revela como ele verdadeiramente é. Seus atributos revelados verdadeiramente revelam sua natureza” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 98).
[10] “Conhecer a Deus é uma coisa completamente única, singular, visto que Deus é único, é singular” (John M. Frame, A Doutrina do conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 25).
[11] Cf. João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 12.3), p. 373.
[12]“O grande fim de toda revelação é inspirar um louvor humilde e reverente a Deus” (John Stott, Salmos Favoritos, São Paulo: Abba Press, 1997, p. 24).