A Pessoa e Obra do Espírito Santo (362)
c) Louvando a Deus (Continuação)
A música como pedagogia de Deus
Deus confere à música um caráter também pedagógico. Como mestre perfeito, Ele usou desse recurso para ensinar a Lei ao povo:
Escrevei para vós outros este cântico e ensinai-o (למד) (lamad) [1] aos filhos de Israel; ponde-o na sua boca, para que este cântico me seja por testemunha contra os filhos de Israel. (…) Assim, Moisés, naquele mesmo dia, escreveu este cântico e o ensinou (למד) (lamad) aos filhos de Israel. (Dt 31.19,22/Dt 32.1-47).
Deus prescreve no Antigo Testamento o modo como deseja ser adorado e, ao mesmo tempo, adverte ao povo de Israel quando se dirigia a Canaã, para que destruísse todos os lugares de culto pagão (Dt 7.5;12.2,3) e, acrescenta:
Consumirás a todos os povos que te der o Senhor teu Deus: os teus olhos não terão piedade deles, nem servirás a seus deuses, pois isto te seria por ciladas. (Dt 7.16).
Quando o Senhor teu Deus eliminar de diante de ti as nações, para as quais vais a possuí-las, e as desapossares e habitares na sua terra, guarda-te, que te não enlaces com imitá-las, após terem sido destruídas diante de ti; e que não indagues acerca dos seus deuses, dizendo: Assim como serviram estas nações aos seus deuses, do mesmo modo também farei eu. Não farás assim ao Senhor teu Deus, porque tudo o que é abominável ao Senhor, e que ele odeia, fizeram eles a seus deuses; pois até a seus filhos e a suas filhas queimaram com fogo aos seus deuses. (Dt 12.29-31/Dt 16.21-17.1-7).
Israel deveria se guardar de aprender as práticas pagãs dos povos estrangeiros: “Quando entrares na terra que o SENHOR, teu Deus, te der, não aprenderás (למד) (lamad) a fazer conforme as abominações daqueles povos” (Dt 18.9). (Ver também Dt 20.18).
A integridade do coração estava relacionada também à forma. A hipocrisia seria tomar a forma correta sem coração sincero. Um culto que vise apenas cumprir externamente a lei de Deus ou, obter favores de Deus, é profundamente desolador para o Senhor (Is 1.10-17; 29.13; Ml 1.10). A nossa adoração não tem nenhum valor intrínseco; por mais belo e harmonioso que seja o nosso culto, se não proceder de um coração contrito diante de Deus, de nada adiantará; Deus dele não se agradará. Deus é justo; não é subornável.[2]
No Novo Testamento Estevão interpretado de modo inspirado a história de seu povo, diz que Israel durante os quarenta anos no deserto jamais aprendeu a adorar a Deus ainda que usasse o seu nome:
A quem nossos pais não quiseram obedecer; antes, o repeliram e, no seu coração, voltaram para o Egito, dizendo a Arão: Faze-nos deuses que vão adiante de nós; porque, quanto a este Moisés, que nos tirou da terra do Egito, não sabemos o que lhe aconteceu. Naqueles dias, fizeram um bezerro e ofereceram sacrifício ao ídolo, alegrando-se com as obras das suas mãos. Mas Deus se afastou e os entregou ao culto da milícia celestial, como está escrito no Livro dos Profetas: Ó casa de Israel, porventura, me oferecestes vítimas e sacrifícios no deserto, pelo espaço de quarenta anos, e, acaso, não levantastes o tabernáculo de Moloque e a estrela do deus Renfã, figuras que fizestes para as adorar? Por isso, vos desterrarei para além da Babilônia (At 7.39-43).
Nabucodonosor e a boa música
Em certa ocasião Nabucodonosor, rei da Babilônia, teve um sonho; desejando saber o seu significado e, ao mesmo tempo temendo que os magos o enganassem em sua interpretação, pediu para que esses contassem o que o rei havia sonhado e a sua interpretação. Os magos, em aperto, procuraram ganhar tempo, pois o rei os ameaçava de morte caso não soubessem o sonho e o seu significado. Por fim, terminam por dizer: “A coisa que o rei exige é difícil, e ninguém há que a possa revelar diante do rei, senão os deuses, e estes não moram com os homens” (Dn 2.11). A reação do rei foi intempestiva: “Então, o rei muito se irou e enfureceu; e ordenou que matassem a todos os sábios da Babilônia. Saiu o decreto, segundo o qual deviam ser mortos os sábios; e buscaram a Daniel e aos seus companheiros, para que fossem mortos” (Dn 2.12-13).
Daniel sabendo a razão do decreto de morte, se apresenta ao rei pedindo alguns dias para interpretar o sonho. Juntamente com seus companheiros roga a Deus, e Ele revela o sonho e o significado. Nabucodonosor estupefato com a interpretação do sonho, se inclina diante de Daniel e reconhece a grandeza de Deus (Dn 2.46-47).
Nabucodonosor que tão rapidamente reconheceu a soberania de Deus (Dn 2.47),logo se esquece disso e constrói – certamente também com propósito religioso-político[3] –, um obelisco (que era a sua imagem ou de algum deus babilônio) de ouro com cerca 30 metros de altura e três de largura, promovendo ostentosa consagração – inclusive com música bem cuidada –, acompanhada de uma ameaça real para aqueles que se negassem a adorar àquela imagem. (Dn 3.1-7).
Calvino (1509-1564) comentando essa passagem, diz:
Os Caldeus pensavam que satisfaziam a Deus quando reuniam muitos instrumentos musicais. Porquanto, como é habitual, avaliaram Deus conforme sua própria intuição. Seja o que for que nos agrade, cremos que será também do agrado de Deus. Daí aquela grande quantidade de cerimônias no papado. Nossos olhos se enchem com tal esplendor e cremos haver cumprido nossa obrigação para com Deus, como se a Sua alegria fosse a mesma que sentimos. Esse é um erro muitíssimo crasso.[4]
Maringá, 02 de dezembro de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Conforme já vimos, o conceito básico da palavra é a de aprender, ensinar, treinar, educar, acostumar-se a; familiarizar-se com. Deus nos ensina para que cumpramos a sua Palavra (Vejam-se: Dt 4.1,5,14; 5.1,31; 6.1).
[2] Veja-se: João Calvino, Série Comentários Bíblicos – Gênesis Volume 1, Recife, PE: CLIRE, 2018, (Gn 4.5), 173ss.
[3] “A estátua (…) não foi um ídolo senão um símbolo do glorioso poder de Babilônia. Sem embargo, se mandou que os homens a adorassem. Nesse instante o poder da Babilônia se converteu em ídolo” (S.G. De Graaf, El Pueblo de la Promesa, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1981, v. 2, p. 372).
[4]João Calvino,O Profeta Daniel: 1-6,São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.2-7), p. 194. Veja-se João Calvino, As Institutas,Carta ao Rei Francisco I, p. 28. Lutero (1483-1546) enfatizara que, “nem trabalho em pedra, nem boa construção, nem ouro, nem prata tornam uma igreja formosa e santa, mas a Palavra de Deus e a sã pregação. Pois onde é recomendada a bondade de Deus e revelada aos homens, e almas são encorajadas para que possam depender de Deus e chamar pelo Senhor em tempos de perigo, aí está verdadeiramente uma santa igreja” (Jaroslav Pelikan, ed. Luther’s Works, Saint Louis: Concordia Publishing House, 1960, v. 2, (Gn 13.4), p. 332). O eminente teólogo puritano John Owen (1616-1683) em um sermão, disse: “Quão pouco pensam os homens sobre Deus e seus caminhos, se imaginarem que um pouco de tinta e de verniz fazem uma beleza aceitável!” (John Owen, Sermon IV.In:The Works of John Owen,Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1982,v. 9, p. 78). “Para mim sempre foi patético assistir a um culto nalguma grande igreja quando o que se busca é o efeito produzido por algum tipo particular de edifício” (D. Martyn Lloyd-Jones, A Vida de Paz, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2008, p. 31). É bastante ilustrativo o discurso de Lloyd-Jones por ocasião das comemorações dos 100 anos da Capela de Westminster em 1965. (Veja-se: D.M. Lloyd-Jones, Discernindo os tempos, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 238-261).