A Pessoa e Obra do Espírito Santo (342)
2) Os Oficiais da igreja e sua fragilidade: o senso de incapacidade
Um dos graves problemas com os quais nos deparamos em todas as esferas em nosso país, ainda que não exclusivamente, é a falta de autoridade moral.[1] Quando ativa ou passivamente, o desleixo, a corrupção e os abusos são cometidos em todas as esferas, num primeiro momento podemos ter uma justa indignação. Com o passar do tempo e o agravamento da situação, esta indignação inicial tende a assumir a postura de revolta individual e coletiva ou, ainda que não necessariamente de modo excludente, a ironia e o deboche, terminando, não raramente, em indiferença. Neste processo, quer de forma coletiva e pública, quer mais sutilmente, de modo velado, o desrespeito às autoridades constituídas se torna comum.
Na questão eclesiástica local, pelo fato de o líder estar muito próximo de seus irmãos, onde a sua vulnerabilidade se torna mais evidente, podemos perder a dimensão da nobreza e responsabilidade de seu ofício, nos tornando críticos e levianos, pouco ou em nada nos lembrando de orar por eles.
Paulo promoveu a eleição de presbíteros em cada igreja. A igreja deveria votar com apurado senso de reverência, confiando estes homens ao Senhor, conscientes de sua responsabilidade na condução da igreja. A vocação para um ofício eclesiástico não significa a deificação de alguém, antes a graça do chamado na vida de um pecador que, como os demais irmãos, está em busca de uma maior obediência a Deus.
Ao terminarmos estas anotações, é natural que nos perguntemos: quem pode habilitar-se para estes ofícios? Quem de nós se considera apto para fazê-lo? Certamente, depois de verificarmos aspectos das exigências bíblicas, é possível que nenhum de nós, a começar por mim, se sinta capacitado para o presbiterato ou diaconato. Que isto também não nos estimule a um sentimento de acomodação pecaminosa e conivência com os nossos pecados docemente acalentados no sótão de nosso pensamento. Não. Ter consciência de limitação deve produzir senso de reverência, humildade e busca de crescimento, nunca satisfação.
No entanto, creio que a sensação de incapacidade, ainda que por si só não capacite alguém a exercer esses ofícios, é um sintoma que pode indicar a nossa real consciência da responsabilidade de servir à Igreja de Deus como Presbítero e Diácono. Diria mais: acredito que a ausência do sentimento de incompetência e pequenez diante desta missão aponta para a ausência de compreensão de sua abrangência e responsabilidade. No entanto, tomo aqui a palavra de um teólogo contemporâneo que nos parece de extrema pertinência:
Quando Paulo alista as qualificações dos presbíteros, é importante o fato de ele ajuntar requisitos concernentes a traços do caráter e atitudes íntimas com requisitos que não podem ser preenchidos em curto espaço de tempo, senão em um período de muitos anos de vida cristã fiel”.[2]
Por outro lado, conforme enfatiza Miller (1769-1850):
Quanto mais profundo for o seu senso de inadequação, muito mais provavelmente se aplicará incessante e insistentemente em buscar o auxílio do alto; e quanto mais próximo viver do trono da graça, muito mais amplamente partilhará da sabedoria e do fortalecimento de que necessita.[3]
Há um grande conforto para a igreja e, em especial para os presbíteros e líderes em geral. Permaneçamos no âmbito de nossa vocação. A nossa esfera é anunciar a Palavra, alimentar e cuidar do rebanho. No entanto, não temos autoridade para ultrapassar a Palavra, nem dispomos de poderes para converter ninguém. Não queiramos ir além do que nos foi proposto e confiado. Somos pregadores e testemunhas. O sobrenatural desta missão pertence a Deus. Sem esta compreensão, corremos o sério risco de nos esgotarmos terrivelmente em nossas ansiedades criadas pela falta de compreensão do Evangelho de Deus, do que somos e de nossa missão.[4] A Grande Comissão não falhará; ela está totalmente sob a autoridade e poder do Deus Triúno.[5]
Maringá, 14 de novembro de 2021
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]“O problema básico do mundo de hoje é problema de autoridade. O caos no mundo se deve ao fato de que, em todas as áreas da vida, as pessoas perderam todo o respeito pela autoridade, quer entre as nações ou entre regiões, quer na indústria, quer em casa, quer nas escolas, ou em toda e qualquer parte. A perda da autoridade! E, em minha opinião, tudo começa realmente no lar e na relação matrimonial” (D.M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 87).
[2]Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 768.
[3]Samuel Miller, O Presbítero Regente: Natureza, Deveres e Qualificações, p. 42.
[4] “As pessoas ansiosas são cativadas por toda e qualquer forma de certezas que se lhe ofereçam, não importando quão irracionais sejam elas. Tais pessoas tornam-se vulneráveis a influências estranhas, e fazem coisas tolas” (J.I. Packer, O Plano de Deus para Você, 2. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2005, p. 102).
[5] Veja-se: Michael Horton, A Grande Comissão, São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 27-39.