A Pessoa e Obra do Espírito Santo (336)
1) Lavoura de Deus (Continuação)
B) O Crescimento provém de Deus
Diante do partidarismo absurdo estabelecido pelos coríntios, Paulo indaga, já com a resposta pronta:
5 Quem é Apolo? E quem é Paulo? Servos por meio de quem crestes, e isto conforme o Senhor concedeu a cada um. 6 Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. 7 De modo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento”(1Co 3.5-7).
A igreja estava dividida. Havia partidos de um e de outro lado: Paulo, Apolo, Cefas, Cristo. Paulo diz que Cristo não está dividido (1Co 1.11-13).1
Argumenta também, que este tipo de contenda é próprio de crentes imaturos que não andam segundo Deus (1Co 3.4).2Paulo demonstra que a glória da Igreja não está nos que servem, mas em Deus que a formou, e dá-lhe o crescimento. A Igreja é a lavoura (gew/orgion) de Deus. Em João 15.1, Jesus Cristo usando figura semelhante, diz que o Pai é o agricultor ou lavrador (gewrno/j).3
Deve ser enfatizado que Paulo não usou esse argumento para justificar um possível não crescimento da Igreja, o que lamentavelmente se torna muito comum. Pelo contrário, o argumento que emprega no verso 6, “O crescimento (au)ca/nw) vem de Deus”,4 indica que este crescimento que poderia ser percebido por todos, esta bênção, era contínua em seu ministério.5
Enquanto ele e Apolo haviam realizado as suas vocações (plantar e regar);6 ou seja, haviam concluído seus respectivos serviços, Deus continuava abençoando a Igreja.
O nosso trabalho será em vão se Deus não abençoar. Portanto, a disputa para saber quem é o maior e eficiente, é tolice. A nossa vocação vem de Deus. É Ele quem ordena o nosso lugar e função. É o Senhor mesmo quem dá o crescimento. (au)ca/nw) (7).
Aos Colossenses, Paulo, usando uma linguagem enfática, diz que a Igreja ligada a Cristo, “cresce (au)/cw) o crescimento (au)/chsij) que procede de Deus” (Cl 2.19). Devemos ter a consciência de que “não lograremos progresso a menos que o Senhor faça próspera a nossa obra, os nossos empenhos e a nossa perseverança, de modo a confiarmos à sua graça a nós mesmos e tudo o que fazemos”, instrui-nos Calvino.7
É fato, como já vimos, que Deus utiliza-se de seus servos, mas o segredo da vida da Igreja está em Deus.8 A nossa vocação é para o serviço de Deus entre os homens, contudo o Senhor da vocação é o Senhor da vida, o Senhor de sua igreja: “Deus pode utilizar instrumentos humanos para levar aos homens sua mensagem de verdade e amor; porém somente ele é o que desperta os corações dos homens para uma nova vida. Como somente ele criou o coração, somente ele pode recriá-lo”, interpreta Barclay (1907-1978).9 Assim, toda a glória pertence ao Senhor que se digna em agir ordinariamente por meio de seus servos fiéis.10
No livro de Atos, vemos que, enquanto o povo de Deus pregava a Palavra e vivia o Evangelho, o Senhor fortalecia a sua Igreja:
“Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos. (At 2.46-47).
E crescia mais e mais a multidão de crentes, tanto homens como mulheres, agregados ao Senhor. (At 5.14).
Crescia (au)ca/nw) a palavra de Deus, e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé. (At 6.7).
A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número. (At 9.31).
Tiago fora martirizado e Pedro miraculosamente liberto; a Igreja continuava perseguida… “Entretanto, a palavra do Senhor crescia (au)ca/nw) e se multiplicava” (At 12.24). “Assim, a palavra do Senhor crescia (au)ca/nw) e prevalecia poderosamente” (At 19.20).
O Livro de Atos, indicando o crescimento da Igreja de Deus, termina assim: “Por dois anos, permaneceu Paulo na sua própria casa, que alugara, onde recebia todos que o procuravam, pregando o reino de Deus, e, com toda a intrepidez, sem impedimento algum, ensinava as coisas referentes ao Senhor Jesus Cristo” (At 28.30-31).
Agostinho faz uma analogia esclarecedora:
Um agricultor humano cultiva a sua vinha até esse ponto: ara, limpa, emprega outros meios pertencentes ao trabalho agrícola; mas fazer chover sobre sua vinha, ele não pode. E se pode irrigar, pelo poder de quem o pode? Ele, com efeito, abre o canal para o rio, mas é Deus que enche a fonte. Enfim, não pode fazer crescer os sarmentos em sua vinha, não pode formar os frutos, não pode modificar as sementes, não pode determinar o tempo do nascimento. Deus, porém, que pode tudo isso, é nosso agricultor; fiquemos tranquilos.11
C) Todas as coisas pertencem a Deus
“21Portanto, ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso: 22 seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, sejam as coisas presentes, sejam as futuras, tudo é vosso, 23 e vós, de Cristo, e Cristo, de Deus” (1Co 3.21-23).
Paulo mais uma vez toca na questão do partidarismo da Igreja. Contudo agora, apresentando uma palavra mais pastoral, como se os exortasse: deixem disso, Paulo, Apolo, Cefas, a vida, a morte, o mundo, o agora e o porvir; tudo, todas as coisas pertencem a Deus. Portanto, a sua conclusão é uma exortação e uma palavra de alegre esperança:
À frente, após ter recorrido à outra figura, diz: “Ora, irmãos, estas coisas eu as apliquei figuradamente a mim e a Apolo, por amor de vós; para que em nós aprendais a não ir além do que está escrito, de modo que nenhum de vós se ensoberbeça a favor de um contra outro” (1Co 4.6).
A Igreja pertence a Deus: Deus é quem a formou, dá-lhe crescimento e a preserva. Ela não é de homens – pastores, presbíteros e diáconos –; é de Deus. Portanto, diz Paulo, não nos gloriemos em homens (1Co 3.21/1Co 3.7).
Deus é o nosso Senhor bem como de todas as coisas. Ainda que o mundo não esteja disposto a reconhecer o senhorio de Cristo, isto não significa que não seja assim.
Aqui há uma mensagem de grande conforto: se todos pertencemos a Cristo, tudo é nosso. Cristo compartilha conosco de seus bens: “Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados” (Rm 8.17).
“Paulo está plenamente certo em ensinar-nos que qualquer preeminência que seja atribuída ao homem, que envolva o detrimento da glória de Cristo, é sacrílega”, afirma Calvino.12
Maringá, 04 de novembro de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] “11 Pois a vosso respeito, meus irmãos, fui informado, pelos da casa de Cloe, de que há contendas entre vós. 12 Refiro-me ao fato de cada um de vós dizer: Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de Cristo. 13 Acaso, Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado em favor de vós ou fostes, porventura, batizados em nome de Paulo?” (1Co 1.11-13).
[2]“Quando, pois, alguém diz: Eu sou de Paulo, e outro: Eu, de Apolo, não é evidente que andais segundo os homens?” (1Co 3.4).
[3] “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor” (Jo 15.1).
[4] “O pensamento aqui não trata exclusivamente do aumento em números, mas também da maturidade e da consolidação da comunidade em Cristo, a partir da qual crescem naturalmente as boas obras (2Co 9.6-11)” (W. Günther, Crescer: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 531).
[5] O imperfeito de au)ca/nw aponta para a contínua bênção de Deus sobre o seu trabalho.
[6] Ecfu/teusa, aoristo de fu/teuw (plantar), indica uma atividade já concluída. Do mesmo modo, e)po/tisen, aoristo de poti/zw (regar).
[7]J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.7), p. 106.
[8] “Portanto, mesmo que o cuidado do agricultor não seja ineficiente, e a semente que ele semeia não seja improdutiva, contudo é tão-somente pela bênção de Deus que se torna produtiva” (J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios,(1Co 3.6), p. 103).
[9] William Barclay, 1 y 2 Corintios, Buenos Aires: La Aurora, 1973, p. 43.
[10] “Toda a glória é atribuída ao Senhor, mas o trabalho honesto não é menosprezado” (C.H. Spurgeon, Conselhos para Obreiros, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 102).
[11]Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, 1997, v. 1, (Sl (65) 66.1), p. 362.
[12]J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 3.21), p. 121.