A Pessoa e Obra do Espírito Santo (326)
10) Deve conservar o mistério da fé com a consciência limpa
“Conservando o mistério (musth/rion)1 da fé com a consciência limpa” (1Tm 3.9).
No Novo Testamento, “Mistério da fé” nada tem a ver com conhecimento esotérico, secreto, conhecido apenas por uma casta especial, sendo adquirido progressivamente por meio da filosofia (Platão),2 ou, conforme a etimologia da palavra, “fechar a boca”, relacionando-se ao que não pode ser dito ou pronunciado, antes, se refere às verdades que ainda permaneciam sombreadas no Antigo Testamento, mas, que agora foram reveladas de forma cabal em Cristo (Mt 13.11; Mc 4.11; Lc 8.10).3
Paradoxalmente, no Novo Testamento, mistério é aquilo que fora oculto, mas agora é revelado. O que só pode ser conhecido por revelação (Rm 11.25; 16.25; Cl 2.2; 4.3).4
Mistério envolve o Conselho de Deus oculto, agora soberana e graciosamente revelado.5 O mistério revelado e compreendido, é uma concessão da graça (Mt 13.11). Somente quem nascer de novo pode ver e entrar no Reino (Jo 3.3,5). Essa é também uma ação sobrenatural da graça de Deus (Tt 3.5).6
Assim, o mistério da fé, que é o Evangelho, abrange, – entre outras coisas a encarnação, a cruz de Cristo, o propósito eterno de Deus e a igreja constituída de judeus e gentios (Ef 1.9; 3.1-11; 5.32; 6.19; Cl 1.24-27; 1Tm 3.16).7
Comentando o texto de nosso estudo, Calvino faz uma paráfrase: “Conservando pura a doutrina de nossa religião, e isso de todo o nosso coração e com sincero temor a Deus, os homens que são ricamente instruídos na fé não devem ser ignorantes de nada que seja necessário a um cristão conhecer”.8
O diácono deve conservar-se firme na revelação graciosa de Deus (Rm 16.25,26):9 Jesus Cristo, “manifestado em carne” (1Tm 3.16; Cl 4.3)10 –, com a consciência pura, sem contaminação intelectual, moral e espiritual.
Os diáconos necessitam conhecer as verdades essenciais do Evangelho. Apenas a conservação do “mistério da fé” geraria um conhecimento árido, infrutífero e, terminaria por se tornar arrogante.
Paulo, sempre serviu ao Senhor com uma consciência pura (2Tm 1.3).11 Porém, muitas vezes de forma equivocada, perseguiu severamente a igreja de Deus. A pureza de consciência deve ser buscada e preservada. No entanto, o elemento avaliador deve ser a Palavra de Deus a fim de que, mesmo trabalhando com sinceridade e integridade, pensando estar prestando um serviço a Deus, não laboremos em erro.
Uma boa consciência destituída de conhecimento bíblico, – da fé professada pela igreja – poderá conduzir o diácono, sem perceber, a estimular a ociosidade de alguns irmãos que, na fragilidade de sua fé e na pequena extensão de seus braços, reforçados por uma cultura que favorece a vitimização que estimula a distribuição do que é dos outros a fim de garantir o que é seu, estão abusando da ingenuidade do diácono e da generosidade da igreja. Também, poderá, por excesso de rigor, faltar na tolerância bíblica que pode ser um elemento importante para, com paciência e firmeza, conduzir irmãos imaturos à pureza por meio da obediência à verdade (1Pe 1.22; 1Tm 1.5).12
Por outro lado, apenas a “consciência limpa”, no desempenho de um ofício tão grave, acarretaria uma superficialidade doutrinária sem nenhum conhecimento do verdadeiro significado da fé. Isso terminaria por redundar em atitudes equivocadas que trariam malefícios à igreja. A obediência cristã deve estar associada a esse conhecimento. É dessa forma que Paulo conclui a carta aos Romanos:
25 Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério (musth/rion) guardado em silêncio nos tempos eternos, 26 e que, agora, se tornou manifesto e foi dado a conhecer por meio das Escrituras proféticas, segundo o mandamento do Deus eterno, para a obediência por fé, entre todas as nações, 27 ao Deus único e sábio seja dada glória, por meio de Jesus Cristo, pelos séculos dos séculos. Amém! (Rm 16.25-27).
Calvino comenta:
[Paulo] quer que os diáconos sejam bem instruídos no “mistério da fé”, porque, embora não desempenhem o ofício docente, seria completo absurdo que exercessem um ofício público na Igreja e fossem completamente ignorantes na fé cristã, especialmente porque mui amiúde ministram conselhos e conforto a outros, caso não queiram negligenciar seus deveres. Ele adiciona ainda: numa consciência íntegra, a qual se estende por toda a sua vida, mas tem especial referência ao seu conhecimento de como servir a Deus.13
Maringá, 19 de outubro de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Para um estudo mais detalhado da palavra, vejam-se: G. Bornkamm, Musth/rion, etc.: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 4, p. 802-828; G. Finkenrath, Segredo, etc.: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 4, p. 389-393; H. Krämer, Musth/rion: Horst Balz; Gerhard Schneider, eds. Exegetical Dictionary of New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1978-1980, v. 2, p. 446-449; W.L. Liefeld, Mistério: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 4, p. 302-306.
[2]Cf. Platão, Fedro, 249c-d: In: Diálogos: Mênon-Banquete e Fedro, Rio de Janeiro Tecnoprint, [s.d.]. Veja-se de forma complementar: Platão, O Banquete, 210a-212c: In: Diálogos: O Banquete – Fédon – Sofista – Político, São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 3), 1972.
[3]“Ao que respondeu: Porque a vós outros é dado conhecer os mistérios(musth/rion) do reino dos céus, mas àqueles não lhes é isso concedido” (Mt 13.11). “Ele lhes respondeu: A vós outros vos é dado conhecer o mistério(musth/rion) do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de parábolas” (Mc 4.11). ”Respondeu-lhes Jesus: A vós outros é dado conhecer os mistérios(musth/rion) do reino de Deus; aos demais, fala-se por parábolas, para que, vendo, não vejam; e, ouvindo, não entendam” (Lc 8.10).
[4]“Porque não quero, irmãos, que ignoreis este mistério(musth/rion) (para que não sejais presumidos em vós mesmos): que veio endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios” (Rm 11.25). “Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério(musth/rion) guardado em silêncio nos tempos eternos” (Rm 16.25). “Para que o coração deles seja confortado e vinculado juntamente em amor, e eles tenham toda a riqueza da forte convicção do entendimento, para compreenderem plenamente o mistério(musth/rion) de Deus, Cristo” (Cl 2.2). “Suplicai, ao mesmo tempo, também por nós, para que Deus nos abra porta à palavra, a fim de falarmos do mistério(musth/rion) de Cristo, pelo qual também estou algemado” (Cl 4.3).
[5]“O termo neotestamentário musth/rion, portanto, não denota uma verdade incompreendida e incompreensível da fé, mas um assunto que estava anteriormente oculto em Deus, foi feito conhecido no evangelho e agora é entendido pelos crentes” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 619-620).
[6]“Não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5).
[7]“Desvendando-nos o mistério (musth/rion) da sua vontade, segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo” (Ef 1.9). “1 Por esta causa eu, Paulo, sou o prisioneiro de Cristo Jesus, por amor de vós, gentios, 2 se é que tendes ouvido a respeito da dispensação da graça de Deus a mim confiada para vós outros; 3 pois, segundo uma revelação, me foi dado conhecer o mistério (musth/rion), conforme escrevi há pouco, resumidamente; 4 pelo que, quando ledes, podeis compreender o meu discernimento do mistério (musth/rion) de Cristo, 5 o qual, em outras gerações, não foi dado a conhecer aos filhos dos homens, como, agora, foi revelado aos seus santos apóstolos e profetas, no Espírito, 6 a saber, que os gentios são coherdeiros, membros do mesmo corpo e coparticipantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho; 7 do qual fui constituído ministro conforme o dom da graça de Deus a mim concedida segundo a força operante do seu poder. 8 A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo 9e manifestar qual seja a dispensação do mistério (musth/rion), desde os séculos, oculto em Deus, que criou todas as coisas, 10 para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e potestades nos lugares celestiais, 11 segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Ef 3.1-11). “Grande é este mistério (musth/rion), mas eu me refiro a Cristo e à igreja” (Ef 5.32). “E também por mim; para que me seja dada, no abrir da minha boca, a palavra, para, com intrepidez, fazer conhecido o mistério (musth/rion) do evangelho” (Ef 6.19). “24 Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja; 25 da qual me tornei ministro de acordo com a dispensação da parte de Deus, que me foi confiada a vosso favor, para dar pleno cumprimento à palavra de Deus: 26 o mistério (musth/rion)que estivera oculto dos séculos e das gerações; agora, todavia, se manifestou aos seus santos; 27 aos quais Deus quis dar a conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério (musth/rion) entre os gentios, isto é, Cristo em vós, a esperança da glória” (Cl 1.24-27). “Evidentemente, grande é o mistério (musth/rion) da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória” (1Tm 3.16).
[8]João Calvino, As Pastorais,(1Tm 3.9), p. 93.
[9]“25 Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério(musth/rion) guardado em silêncio nos tempos eternos, 26 e que, agora, se tornou manifesto e foi dado a conhecer por meio das Escrituras proféticas, segundo o mandamento do Deus eterno, para a obediência por fé, entre todas as nações” (Rm 16.25-26).
[10]“Suplicai, ao mesmo tempo, também por nós, para que Deus nos abra porta à palavra, a fim de falarmos do mistério(musth/rion) de Cristo, pelo qual também estou algemado” (Cl 4.3).
[11]Dou graças a Deus, a quem, desde os meus antepassados, sirvo com consciência pura” (2Tm 1.3).
[12]“Tendo purificado a vossa alma, pela vossa obediência à verdade, tendo em vista o amor fraternal não fingido, amai-vos, de coração, uns aos outros ardentemente” (1Pe 1.22). “Ora, o intuito da presente admoestação visa ao amor que procede de coração puro, e de consciência boa, e de fé sem hipocrisia” (1Tm 1.5).
[13]João Calvino, As Pastorais,(1Tm 3.9), p. 93.