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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (312) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (312)

1) Ser vocacionado (Continuação)

Paulo diz que é “apóstolo de Cristo Jesus” (Ef 1.1), a quem ele reconhece como Senhor (ku/rioj) (Ef 1.2).[1] O substantivo a)po/stoloj ocorre 79 vezes no Novo Testamento, sendo costumeiramente usado por Paulo no início de suas cartas, ainda que não exclusivamente.[2] Ele provém do verbo a)poste/llw, que significa “enviar’, “mandar” (Mt 2.16; 11.10; Jo 1.6; At 3.20).[3]

          O apostolado pressupõe a graça de Deus. A sua autoridade está justamente no fato de que é Deus quem o constitui. Paulo tinha perfeita consciência disso, levando em consideração, inclusive, que ele fora um perseguidor da igreja (1Co 15.9-10; 1Tm 1.12-15).

          Calvino comenta:

Ora, é certo que somos vasos frágeis e sem importância, sim, não valendo mais do que potes quebrados. O que há naqueles a quem Deus ordenou para serem ministros de sua Palavra, senão o tesouro que é inestimavelmente grande em todos os tempos, a despeito da baixeza dos vasos (2Co 4.7)?[4]

          É desta forma que Paulo escreve aos Romanos e aos Gálatas:

Jesus Cristo, nosso Senhor,  5 por intermédio de quem viemos a receber graça (xá/rij) e apostolado (a)postolh/) por amor do seu nome, para a obediência por fé, entre todos os gentios. (Rm 1.4-5).
Paulo, apóstolo (a)po/stoloj), não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos.(Gl 1.1).

          Segundo Hodge (1797-1878),[5] a palavra apóstolo é usada em três sentidos especiais no Novo Testamento:

  1. Em seu sentido primário de mensageiro: Jo 13.16; Fp 2.25; 2Co 8.23;
  2. No sentido de missionários, homens enviados pela igreja para pregar o Evangelho. É neste sentido que Paulo e Barnabé são chamados apóstolos (At 14.4,14), bem como Andrônico e Júnias[6] (Rm 16.7) e, penso eu, possivelmente, Silas e Timóteo (1Ts 2.7/1Ts 1.1/At 17.1-4,10,14).[7]
  3. No sentido de “plenipotenciários de Cristo”; homens que ele pessoalmente escolheu e enviou investindo-lhes com toda autoridade para ensinar e governar em seu nome. Neste sentido, a palavra é empregada para referir-se aos doze apóstolos, aqueles que foram testemunhas de sua vida, morte e ressurreição: Jo 15.26; At 1.22; 2.32; 3.15; 13.31; 26.16; 1Co 9.1; Gl 1.12. Guiados pelo Espírito, a sua função primordial era dar testemunho do que viram e experimentaram em companhia de Jesus Cristo, culminando com a sua morte e ressurreição.[8]

          O apostolado, portanto, sempre pressupõe alguém que o antecede, que o envia.  Biblicamente ninguém é apóstolo de si mesmo. Também, o apóstolo não é maior do que aquele que o envia, como nos ensina Jesus Cristo: “Em verdade, em verdade vos digo que o servo não é maior do que seu senhor, nem o enviado (apo/stoloj), maior do que aquele que o enviou (pe/mpw)(Jo 13.16). Por isso, o enviado, busca a glória daquele que o enviou:“Quem fala por si mesmo está procurando a sua própria glória; mas o que procura a glória de quem o enviou (pe/mpw), esse é verdadeiro, e nele não há injustiça” (Jo 7.18).

          Paulo reconhece o seu apostolado pela “vontade” (Qe/lhma) de Deus. Este substantivo é derivado do verbo Qe/lw, que significa“vontade”, “desejo”, “intenção”. Apesar do verbo ser amplamente empregado na literatura clássica, o substantivo Qe/lhma aparece raramente. No Novo Testamento, ele ocorre 61 vezes [o verbo 207 vezes].

          Mesmo sendo esta palavra utilizada para a vontade do homem, ela é predominantemente atribuída a Deus, e, neste sentido, enfatiza mais o elemento volitivo do que o deliberativo, assinalando que Deus cumprirá a sua vontade, o seu propósito.

          Nos próximos posts farei uma digressão explorando um pouco mais a questão da vontade de Deus.

Maringá, 02 de outubro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]A palavra ku/rioj, que em seu emprego grego carrega a compreensão de legalidade e autoridade do senhorio, quando aplicada a Jesus no sentido mais profundo e denso, correspondia não ao grego comum, mas, sim, ao hwhy do Antigo Testamento. É oportuno realçar que muitas das referências feitas a Jesus como Senhor consistem em citações de textos do Antigo Testamento que se referiam a Deus. (Vejam-se: At 2.20-21; Rm 10.13 [Jl 2.31-32]; 2Ts 1.7-10; 1Co 5.5; 2Ts 1.7-10 [Is 66.6] 1Pe 3.15 [Is 8.13]. Por isso, em diversos textos do Novo Testamento a identificação de Cristo com o Pai é tão evidente que, não se tem certeza se o título “Senhor” está sendo empregado para o Pai ou para o Filho (At 1.24; 2.47; 8.39; 9.31; 11.21; 13.10-12; 16.14; 20.19; 21.14; Rm 14.11).          Antes da morte de Jesus Cristo os seus discípulos dão prova de reconhecerem o Seu Senhorio. O que por certo contribuiu para isto, foi a própria interpretação feita por Jesus Cristo, do Salmo 110.1 (Mt 22.41-45 e paralelos), embora saibamos que os rabinos também aceitavam o caráter messiânico deste salmo. (Cf. William Hendriksen, Comentário do Novo Testamento: Mateus, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, v. 2, (Mt 22.44-45), p. 435; D.A. Carson, Comentario Bíblico del Expositor: Mateo, Mimi: Editorial Vida, 2004, (Mt 22.43-45), p. 529. Veja-se também, H. Bietenhard, Senhor: In: Colin Brown, ed. ger., O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 4, p. 427). Todavia, ninguém havia dito que o “Filho de Davi” era também “Senhor de Davi”.

            Todavia, o título ku/rioj só foi alcançado plenamente depois da Sua ressurreição e ascensão quando então, não houve mais dúvida quanto a ser Jesus, o Senhor e Cristo. (Vejam-se, entre outros: Oscar Cullman, Cristologia do Novo Testamento, São Paulo: Editora Liber, 2001, p. 268; Ronald S. Wallace, Cristologia: In: E.F. Harrison, ed., Diccionario de Teologia, Michigan: T.E.L.L., 1985, p.133). Por isso Pedro pôde falar ousadamente diante do povo e das autoridades judaicas: “29 Irmãos, seja-me permitido dizer-vos claramente a respeito do patriarca Davi que ele morreu e foi sepultado, e o seu túmulo permanece entre nós até hoje. 30 Sendo, pois, profeta e sabendo que Deus lhe havia jurado que um dos seus descendentes se assentaria no seu trono, 31 prevendo isto, referiu-se à ressurreição de Cristo, que nem foi deixado na morte, nem o seu corpo experimentou corrupção. 32 A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas. 33 Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis. 34 Porque Davi não subiu aos céus, mas ele mesmo declara: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, 35 até que eu ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés. 36 Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor (ku/rioj)e Cristo” (At 2.29-36. Vejam-se também: 1Co 15.25; Hb 1.3,10,13). Esta convicção dos discípulos de Cristo, os impulsionou a testemunhar com firmeza, que Jesus era o Cristo (At 5.42) e Senhor (At 10.36).

[2]1Co 1.1; 4.9; 9.1,2,5; 12.28,29; 15.7,9; 2Co 1.1; Gl 1.1,17,19; Ef 1.1; 2.20; 3.5; 4.11; Fp 2.25; Cl 1.1; 1Ts 2.7; 1Tm 1.1; 2Tm 1.1; Tt 1.1.

[3]Primariamente, no grego secular, a palavra tinha o sentido de enviar um navio de carga ou uma frota. Somente mais tarde é que a palavra passou a indicar uma pessoa enviada, um emissário. Ver: E. von Eicken, et. al., Apóstolo: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 234-239.

[4]João Calvino, Sermões em Efésios, p. 29. À frente: “Ademais, aqueles que são chamados para proclamar a Palavra de Deus devem se prevenir pelo exemplo de São Paulo, caminhando em modéstia. Porque, quem somos nós quando comparados a ele? Ele nos revela que não foi escolhido por algum recurso ou aptidão, mas porque era da vontade divina que fosse assim. Logo, certifiquemo-nos de que tudo que possuímos é proveniente de Deus e de sua pura graça, e que nada podemos atribuir a nós mesmos, a menos que queiramos despojá-lo de seu direito. E sabemos que semelhante ingratidão é intolerável” (João Calvino, Sermões em Efésios, p. 30).

[5] Charles Hodge, “Epistle to the Ephesians,” The Master Christian Library,(Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Version 8), (Ef 1.1), p. 20-21. Veja também: Charles Hodge, Commentary on the Epistle to the Romans, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1994 (Reprinted), (Rm 1.1). p. 15-17. Para um sumário crítico das controvérsias a respeito da palavra e do seu emprego, veja-se: C.G. Kruse; P.W. Barbett, Apóstolo: Novo Testamento: In: Daniel G. Reid, ed. Dicionário Teológico do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 122-139. Para uma abordagem mais apologética, veja-se: Augustus N. Lopes, Apóstolos – A verdade bíblica sobre o apostolado, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2014.

[6] Júnias é nome masculino, forma contraída de Junianus (Cf. A.F. Walls, Andrônico e Júnias: In: J.D. Douglas, ed. org. O Novo Dicionário da Bíblia,São Paulo: Junta Editorial Cristã, 1966, v. 1, p. 79).

[7] “Embora pudéssemos, como enviados (a)po/stoloj) de Cristo, exigir de vós a nossa manutenção, todavia, nos tornamos carinhosos entre vós, qual ama que acaricia os próprios filhos” (1Ts 2.7).

[8]É neste sentido que entendo a distinção feita por Inácio (30-110 AD), bispo de Antioquia da Síria, que quando se dirigia preso para Roma, conduzido ao seu martírio por se negar a adorar os deuses do Império, redigiu sete cartas à sete Igrejas. Na carta endereçada à Igreja de Roma, Inácio demonstra fazer distinção entre ele e os apóstolos Pedro e Paulo. Rogando aos irmãos romanos que não tentassem impedir o seu martírio, num trecho emocionante diz:

       “….Sou trigo de Deus e sou moído pelos dentes das feras para encontrar-me como pão puro de Cristo. Acariciai antes as feras, para que se tornem meu túmulo e não deixem sobrar nada de meu corpo, para que minha morte não me torne peso para ninguém. Então de fato serei discípulo de Jesus Cristo, quando o mundo nem mais vir meu corpo. Implorai a Cristo em meu favor, para que por estes instrumentos me faça vítima de Deus. Não é como Pedro e Paulo que vos ordeno. Eles eram apóstolos, eu um condenado; aqueles livres, e eu até agora escravo. Mas, quando tiver padecido, tornar-me-ei alforriado de Jesus Cristo, e ressuscitarei n’Ele, livre. E agora, preso, aprendo a nada desejar” (Aos Romanos, 4.1-3. In: Cartas de Santo Inácio de Antioquia, 3. ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1984, p. 66).

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