A Pessoa e Obra do Espírito Santo (296)
2) Positivamente considerando (Continuação)
8) Apto para ensinar (Continuação)
Os presbíteros foram chamados por Deus para pregarem o Evangelho de Cristo. E mais, o Evangelho deve ser anunciado em sua inteireza, sem misturas, adições e cortes: Isso nos distingue essencialmente dos falsos mestres, como bem pontuou Calvino:
“A verdade do evangelho” deve ser considerada como sendo sua genuína pureza ou, o que vem a ser a mesma coisa, sua pura e sólida doutrina. Pois os falsos apóstolos não aboliam totalmente o evangelho, mas o adulteravam com suas noções pessoais, de modo que ele logo passava a ser falso e mascarado. Isso é sempre assim quando nos apartamos, mesmo em grau mínimo, da simplicidade de Cristo. Quão impudentes, pois, são os papistas ao se vangloriarem de que possuem o evangelho, pois ele não só é corrompido por uma infinidade de invenções, mas também é mais que adulterado por dogmas infindáveis e pervertidos.[1]
À Igreja foi confiada a Palavra de Deus, a qual ela deve preservar em seus ensinamentos e prática (Rm 3.2; 1Tm 3.15). Calvino entendia que “a verdade, porém, só é preservada no mundo através do ministério da Igreja. Daí, que peso de responsabilidade repousa sobre os pastores, a quem se tem confiado o encargo de um tesouro tão inestimável!”.[2]
Aos ministros é necessário ter habilidade para o ensino. Calvino é enfático quanto a isso. Pregando sobre 1Tm 3.1-4, disse:
Não é dado a todos o dom de pregar e de discursar sobre a doutrina de Deus. Um homem pode ser fiel, pode levar uma vida santa, e ainda assim ele pode não ter essa capacidade de discursar a Palavra de Deus de modo que ela seja bem recebida. A verdadeira doutrina, portanto, não está em todos, e quando essa está ainda assim deve ser aplicada. (…) Temos muitos que, apesar de serem sábios, ainda assim não têm essa graça de conseguir aplicar a doutrina de modo que outros tirem proveito e sejam edificados.[3]
Comentando a mesma passagem, segue linha idêntica:
Não é suficiente que uma pessoa seja eminente no conhecimento profundo, se não é acompanhada do talento para ensinar. Há muitos, seja por causa da pronúncia defeituosa, ou devido à habilidade mental insuficiente, ou porque não estejam suficientemente em contato com as pessoas comuns, o fato é que guardam seu conhecimento fechado em seu íntimo. (…) Os que são incumbidos de governar o povo devem ser qualificados para a docência. E o que se exige aqui não é propriamente uma língua leviana, porquanto nos deparamos com muitos cuja livre fluência nada contém que sirva para edificar. Paulo está, antes, recomendando sabedoria no traquejo de aplicar a Palavra de Deus visando à edificação de seu povo.[4]
Deus comissionou seus ministros para cuidarem de suas ovelhas, de sua igreja. Como fazê-lo se estivermos despreparados? Precisamos nos equipar para esta nobre, urgente e vital tarefa.[5] A graça não elimina nem diminui a nossa responsabilidade (1Co 15.10).
Escrevendo a Thomas Cranmer (1489-1556)[6] (jul/1552?) diz: “A sã doutrina certamente jamais prevalecerá, até que as igrejas sejam melhor providas de pastores qualificados que possam desempenhar com seriedade o ofício de pastor”.[7]
Considerando isso, a igreja deve se deixar dirigir pelo seu pastor:
[Visto] que foi aos pastores incumbida a pregação da doutrina celeste; vemos que todos, a uma, estão sujeitos à mesma disposição, de sorte que se permitam ser dirigidos, com espírito brando e dócil, pelos mestres criados para esta função.[8]
De passagem, pelo enunciado de Paulo como critério para o presbiterato, podemos observar a relevância da pregação na edificação da igreja. O princípio de Paulo nos parece simples: se um membro da igreja não tivesse evidenciado habilidade no manuseio da Palavra não estaria apto para o presbiterato.
A igreja sempre necessitou de líderes que soubessem manusear bem as Escrituras. Sabemos, contudo, que é Deus mesmo quem os chama e os capacita.
Maringá, 17 de setembro de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 2.5), p. 52. “O estilo de comunicação deles pode ser agradável e suas reuniões lotadas, mas os pastores que não proclamam fielmente a Palavra de Deus para seu povo estão lesando suas ovelhas naquilo que é mais importante” (John MacArthur, Por que ainda prego a Bíblia após quarenta anos de ministério: In: Mark Dever, ed., A Pregação da Cruz, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 146).
[2]João Calvino, As Pastorais,(1Tm 3.15), p. 97.Veja-se também, AsInstitutas, IV.1.5.
[3]John Calvin, Sermon 1Tm 3.1-4 (Sermão 22): In: Herman J. Selderhuis, ed. Calvini Opera Database 1.0, Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 53), p. 261.
[4]João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.2), p. 87.
[5]“Somos pastores, cuidamos de ovelhas, e devemos saber cuidar e proteger essa gente que foi entregue aos nossos cuidados. Nossa tarefa, por conseguinte, é equiparmo-nos para essa grande empresa” (David M. Lloyd-Jones, Pregação & Pregadores, São Paulo: Fiel, 1984, p. 129).
[6]Arcebispo de Canterbury, que em 1549 havia elaborado o Livro de Oração Comum, no qual dava ênfase ao culto em inglês, à leitura da Palavra de Deus e, ao aspecto congregacional da adoração cristã.
[7]Calvin to Cranmer, “Letter,” John Calvin Collection,[CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), 18. Do memo modo, Letters of John Calvin,Selected from the Bonnet Edition, p. 141-142.
[8] João Calvino, AsInstitutas, IV.1.5.