A Pessoa e Obra do Espírito Santo (286)
6.4.7.3.2. O Ofício de Presbítero (Continuação)
A Segunda Confissão Helvética(1562-1566),[1] no capítulo XVIII, falando sobre os “ministros da Igreja”, declara:
É verdade que Deus poderia, pelo seu poder, sem qualquer meio, congregar para si mesmo uma Igreja de entre os homens; mas Ele preferiu tratar com os homens pelo ministério de homens.[2] Por isso os ministros devem ser considerados não como ministros apenas por si mesmos, mas como ministros de Deus, visto que por meio deles Deus realiza a salvação de homens.
A Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil,(1950), capítulo VII, seção 1ª, Art 108, diz: “Vocação para ofício na Igreja é a chamada de Deus, pelo Espírito Santo, mediante o testemunho interno de uma boa consciência e a aprovação do povo de Deus, por intermédio de um concílio” (Veja-se: At 20.28).
Calvino (1509-1564) comenta:
O que torna válido um ofício é a vocação, de modo que ninguém pode exercê-lo correta ou legitimamente sem antes ser eleito por Deus (…). Nenhuma forma de governo deve ser estabelecida na Igreja segundo o juízo humano, senão que os homens devem atender à ordenação divina; e, ainda mais, que devemos seguir um procedimento de eleição preestabelecido, para que ninguém procure satisfazer seus próprios desejos. (…) Segundo é a promessa de Deus de governar sua Igreja, assim Ele reserva para si o direito exclusivo de prescrever a ordem e forma de sua administração.[3]
O serviço que prestamos a Deus deve ser visto não como uma fonte de lucro ou projeção, mas como resultado de um chamado irrevogável de Deus. Paulo em seu ministério tinha esta consciência, de ser apóstolo pela vontade de Deus (Vejam-se: Rm 1.1; 1Co 1.1; 2Co 1.1; Ef 1.1; Cl 1.1, etc.).
A aspiração ao presbiterato
Nossos desejos não são bons (Hb 11.16) nem maus em si (1Tm 6.10). Todavia, como é o Espírito quem constitui os presbíteros, é natural que aqueles que são vocacionados por Deus se sintam chamados para este ofício e o desejem: “Se alguém aspira (o)re/gw) ao episcopado, excelente obra almeja (e)piqume/w)”(1Tm 3.1).[4] De forma contundente, Paulo falou aos presbíteros de Éfeso, que “De ninguém cobicei (e)piqume/w) prata, nem ouro, nem vestes” (At 20.33). Portanto, os nossos desejos devem ser sempre regidos por princípios bíblicos de serviço e glorificação a Deus.
MacArthur comenta a associação das duas palavras no texto de 1Tm 3.1:
A primeira [“aspira”] significa “ir atrás”. Ela descreve uma ação exterior, não uma motivação interior. Consideradas juntas, essas duas palavras descrevem apropriadamente o tipo de homem que pertence ao ministério – alguém que o busca exteriormente porque é conduzido por um forte desejo interior.[5]
Este ofício é excelente (1Tm 3.1) (kalo/j = bom, útil). A palavra grega indica algo que é essencialmente bom, formoso, gentil – a ideia de beleza estética está classicamente presente nesta palavra –, útil e honroso.
Portanto, quem se sente chamado para o episcopado (vocação interna),[6] deseja algo que é em si mesmo de grande beleza, utilidade e honradez.[7] Ao mesmo tempo, deve ser notado que o episcopado não é descrito como fonte de poder e domínio, antes de sacrifício, abnegação e serviço ao Senhor por meio da igreja, comprada pelo próprio sangue de Cristo (At 20.28).[8]
Deve ser observado, contudo, que esta vocação, como os talentos em geral, não visa auferir lucro ou benefícios pessoais, antes, como vimos, edificar a Igreja. Deus se digna em utilizar-se de seus servos neste honroso serviço. Esta excelente obra exige homens que vivam em excelência. Ao mesmo tempo, o chamado interno deve ser acompanhado do chamado externo, que se tornará efetivo por meio da igreja que se manifestará de forma legítima, com ordem e decência a favor deste ministro, conforme instrução prévia (At 1.21; 6.1-6; 1Tm 3.1-13; Tt 1.5-9).
A Confissão Belga, Art 31, assim preceitua:
Cremos que os ministros da palavra de Deus, os presbíteros e os diáconos devem ser escolhidos para seus ofícios mediante eleição legítima pela igreja, sob invocação do nome de Deus e em boa ordem, conforme a palavra de Deus ensina.
Por isso, cada membro deve cuidar para não se apoderar do ofício por meios ilícitos, mas deve esperar a hora em que é chamado por Deus, a fim de ter, assim, a certeza de que sua vocação vem do Senhor.
Maringá, 08 de setembro de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]A Segunda Confissão Helvética, foi primariamente elaborada em latim, em 1562, pelo amigo, discípulo e sucessor de Zuínglio (1484-1531), Henry Bullinger (1504-1575). Em 1564, quando a peste voltou a atacar em Zurique, Bullinger perdeu a esposa e as três filhas. Ele mesmo ficou doente mas foi curado. Neste ínterim ele fez a revisão da Confissão de 1562 e, como uma espécie de testamento espiritual, anexou-a ao seu testamento, para ser entregue ao magistrado da cidade, caso viesse a falecer. Esta confissão foi publicada, com algumas alterações – aceitas por Bullinger –, em latim e alemão em 12/03/1566. Ela foi traduzida para vários idiomas (inclusive o Árabe), tendo ampla aceitação em diversos países nos anos seguintes, sendo também adotada na Escócia (1566); na Hungria (1567); na França (1571); na Polônia (1578). Esta Confissão se tornaria um fator fundamental de união das Igrejas Reformadas da Europa.
[2]Confissão Gaulesa (1559): “Porque nós conhecemos Jesus Cristo e todas as suas graças somente pelo Evangelho, nós cremos que a ordem da Igreja, a qual foi estabelecida por Cristo, deve ser sagrada e inviolável, e que, por conseguinte, a Igreja não pode se manter sem que haja pastores encarregados de ensiná-la. Nós cremos que os pastores, quando eles são devidamente chamados e exercem fielmente seu ofício, devem ser honrados e ouvidos com respeito, não que Deus dependa de ajuda ou meios inferiores, mas porque lhe agrada nos manter em um único corpo por meio deste ofício e de sua disciplina” (Art. 25). No século XVII, Turretini escreveria: “…. Não negamos que Deus poderia, se quisesse, ter convertido e salvo os homens imediatamente por si só, sem o ministério dos homens” (François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, (XVIII.22.3), p. 262). Do mesmo modo Bavinck: “O propósito da igreja como instituição consiste em reunir os eleitos, edificar o corpo de Cristo, aperfeiçoar os santos e, assim, glorificar a Deus (Ef 4.11). Deus, certamente, também, poderia ter conduzido seu povo à salvação sem os meios da igreja ou do ofício, da palavra ou dos sacramentos, mas foi do seu agrado reunir seus eleitos por meio do ministério de seres humanos. O propósito da igreja é a salvação dos eleitos. Os ofícios da igreja são necessários em virtude dessa hipótese (necessitate hypothetica)” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada − Espírito Santo, Igreja e nova criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 382).
[3]João Calvino, Exposição de Hebreus,(Hb 5.4), p. 127-128.“…. os pastores genuínos não se precipitam temerariamente ao sabor de sua própria vontade, e, sim, são levantados pelo Senhor. (…) Nenhum homem estará apto para tão excelente ofício, caso não seja ele formado e produzido por Cristo mesmo. O fato de termos ministros do evangelho, é um dom divino; o fato de que se desincumbem da responsabilidade que lhes foi confiada, é igualmente um dom divino” (João Calvino, Efésios,(Ef 4.11), p. 120).
[4] “…. visto ser o mesmo um ofício laborioso e difícil; e os que o aspiram devem ponderar prudentemente se são capazes de suportar uma responsabilidade tão pesada” (João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998 (1Tm 3.1), p. 81). No entanto, Calvino acrescenta: “…. os homens piedosos o desejam [o presbiterato], não porque tenham alguma confiança em sua própria iniciativa e virtude, mas porque confiam no auxílio divino, o qual é a nossa suficiência, no dizer de Paulo (2Co 3.5)” (João Calvino, As Pastorais (1Tm 3.1), p. 83).
[5]John MacArthur, 1 e 2 Timóteo – Estudos bíblicos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 38.
[6] “O próprio coração é excitado por Deus a consagrar-se à obra do ministério” (François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 268).
[7] “Por demais frequentemente um cargo na Igreja é caracterizado pela crítica, pela obstrução, pela justiça própria e pela presunção; deve ser caracterizado pelo encanto do serviço, do encorajamento, do apoio e do amor” (William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1988 (reimpressão),p. 111).
[8] Vejam as significativas palavras a respeito desse assunto em: William Hendriksen William Hendriksen, 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 149-150.