A Pessoa e Obra do Espírito Santo (285)
A Pessoa e Obra do Espírito Santo (285)
A vocação do Espírito Santo
A vocação de Deus antecede à nossa convicção e, ao mesmo tempo, o chamado não cai no vazio. Deus mesmo nos confere esta certeza subjetiva de que foi ele quem nos chamou para o seu serviço (Jr 1.5; Gl 1.15; Ef 3.7/Fp 2.13).[1]
Deste modo, “…. nenhum homem deve tomar essa honra para si próprio, mas deve esperar pela vocação divina, pois Deus é o único que pode legitimar os ministros”, alerta-nos Calvino.[2] Portanto, insistimos, o que torna uma pessoa capacitada para um ofício, é a vocação de Deus (Hb 5.4).[3] Ele o faz por meio da Palavra, conforme orienta Calvino em outro lugar: “…. porquanto a Igreja não pode ser governada senão pela Palavra”.[4]
A tentativa de falar por si mesmo, sem o chamado divino, significa a presunção de ter sob si o governo da Igreja, o que é uma blasfêmia, pois, tal direção pertence a Deus, o soberano pastor.
Na Igreja de Cristo ninguém tem autonomia para se autonomear. Pastor, Presbíteros e Diáconos, todos, sem exceção, precisam ser vocacionados por Deus para estes ofícios (Hb 5.4/Jr 23.21-22).[5] Os pastores,[6] presbíteros e diáconos, são constituídos por Deus para a preservação do rebanho.[7]
A eleição feita pela igreja, deve ser vista como um reconhecimento público de que os referidos oficiais foram escolhidos por Deus. A eleição nos fala do processo, não da fonte da autoridade dos eleitos.[8] Ninguém pode devidamente exercer o ministério eclesiástico ser ter sido constituído por Deus. A não consideração deste fundamental aspectos é gerador de muita dor e frustração pessoal, familiar e, o pior, o enfraquecimento da igreja.
Bannerman (1807-1868) está correto ao afirmar:
O direito à função ministerial é um direito concedido a indivíduos pelo divino Cabeça da igreja, e qualquer indicação a essa função sem uma comissão dessas da parte dele é nula e vazia. (…)[9]
Cristo não conferiu à igreja nenhum depósito de poder e autoridade que ela possa comunicar aos seus ministros ou servidores, e que possa ser recebido e administrado por eles como se tivesse sido concedido pela própria igreja. Pelo contrário, Cristo reteve todo o poder e autoridade em sua própria mão, e os concede direta e pessoalmente àqueles que ele indica para servir ou governar na igreja. Os ministros da igreja recebem a sua função não da igreja, mas do próprio Cristo; eles conservam a sua função não por meio da igreja, mas por meio do seu Cabeça; eles administram a sua função, não em virtude do poder ou da autoridade conferidos pela igreja, mas em virtude da garantia e do poder concedidos pelo seu divino Senhor. A igreja não se coloca entre o seu Cabeça e os seus próprios ministros, para colocá-los na função que exercem, nem lhes concede a comissão e dos dons necessários para o seu desempenho. A função vem de Cristo, a autoridade para administrar as suas funções vêm de Cristo, os dons e as graças e a habilidade necessários aos homens para exercê-las de forma apropriada e correta vêm todos de Cristo.[10]
Cristo é o único cabeça da Igreja. A autoridade dos que lideram é de ordem ministerial, portanto, de serviço, não magisterial. Deste modo, todo ensino e prática devem ser provenientes diretamente ou derivados da Palavra.[11]
Desta forma, a autoridade dos presbíteros é extrínseca, derivada de Deus, não do povo que os elegeu.[12] Por outro lado, eles precisam ter em mente que prestarão contas dos seus atos a Deus. O Novo Testamento nos chama a atenção para o ministério universal dos crentes: todos somos responsáveis pelo desempenho do serviço de Deus em sua Igreja (Ef 4.11-12).[13]
Paulo tem consciência de que seu Ministério foi recebido do Senhor: “Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (At 20.24).
Deus chama o seu povo, constitui a sua igreja e, entre seus membros, capacita alguns, conforme a livre graça, para exercerem o pastorado/presbiterato e também o diaconato. Nesse processo a igreja é fundamental. Notemos, portanto, a necessidade de oração e discernimento na eleição dos oficiais da igreja.
Maringá, 05 de setembro de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]“Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações” (Jr 1.5). “Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve” (Gl 1.15). “Do qual fui constituído ministro conforme o dom da graça de Deus a mim concedida segundo a força operante do seu poder” (Ef 3.7). “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13).
[2]João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.1), p. 22.
[3]“Ninguém, pois, toma esta honra (sumo-sacerdócio) para si mesmo, senão quando chamado por Deus, como aconteceu com Arão” (Hb 5.4). “21 Não mandei esses profetas; todavia, eles foram correndo; não lhes falei a eles; contudo, profetizaram. 22 Mas, se tivessem estado no meu conselho, então, teriam feito ouvir as minhas palavras ao meu povo e o teriam feito voltar do seu mau caminho e da maldade das suas ações” (Jr 23.21-22). “Deus condena os autovocacionados e os censura seriamente como faltos profetas e enganadores” (François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 263).
[4] João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.9), p. 313.
[5] Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 263-265.
[6] Quanto à responsabilidade dos pastores, Veja-se: João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 97-98; João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5ss), p. 101ss.
[7] Calvino, falando com a autoridade e a experiência de um eficiente pastor, escreve em 1548: “Os pastores piedosos e probos terão sempre que manter esta luta de desconsiderar as ofensas daqueles que querem desfrutar de vantagem em tudo. Pois a Igreja terá sempre em seu seio pessoas hipócritas e perversas, as quais preferem suas próprias cobiças à Palavra de Deus. E mesmo as pessoas boas, quer por alguma ignorância quer por alguma fraqueza, são às vezes tentadas pelo diabo a ficar iradas com as fiéis advertências de seu pastor. É nosso dever, pois, não ficar alarmados por quaisquer gêneros de ofensas, contanto, naturalmente, que não desviemos de Cristo nossas débeis mentes” (João Calvino, Gálatas, (Gl 1.10), p. 36-37). “A tarefa dos mestres consiste em preservar e propagar as sãs doutrinas para que a pureza da religião permaneça na Igreja” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 12.28), p. 390).
[8] “O Espírito também chama os homens para o ministério na Igreja e os dota com as qualidades necessárias para o exercício eficaz de suas funções. O ofício da Igreja, neste assunto, é simplesmente o de determinar e verificar o chamamento do Espírito. Assim, o Espírito Santo é o autor imediato de toda a verdade, de toda a santidade, de toda a consolação, de toda a autoridade e de toda a eficiência nos filhos de Deus, individualmente, e na Igreja, coletivamente” (Charles Hodge, Teologia Sistemática,p. 396). “Um verdadeiro ministro precisa de ambos: ser chamado por Deus e eleito corretamente pela congregação do Senhor” (Dirk Philips. In: Johann Spangenberg In: Esther Chung Kim; Todd R. Hains, Comentário Bíblico da Reforma – Atos, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 250).
[9] James Bannerman, A Igreja de Cristo – Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da Igreja Cristã, Recife, PE.: Editora os Puritanos, 2014, p. 426.
[10]James Bannerman, A Igreja de Cristo – Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da Igreja Cristã, Recife, PE.: Editora os Puritanos, 2014, p. 427. Veja-se também: Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 392.
[11] Veja-se: Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 783.
[12] Berkhof (1873-1957) acentua que: “Os oficiais da igreja recebem sua autoridade de Cristo, e não dos homens, mesmo que a congregação sirva de instrumento para instalá-los no oficio” (L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 599). Veja-se também: Cf. Cornelis Van Dam, O Presbítero, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, p. 19.
[13] “11E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, 12 com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo” (Ef 4.11-12).